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Crítica | “Little Girl Blue ou Jazz as Played in an Exclusive Side Street Club” – Nina Simone

por Luiz Santiago
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Little Girl Blue é o álbum de estreia de Nina Simone (nascida Eunice Kathleen Waymon), lançado pela Bethlehem Records em junho de 1958. Com o sonho de ser pianista clássica e concertista, a jovem Nina tentou entrar para o Curtis Institute of Music, mas não conseguiu. Estudou na Juilliard School e posteriormente pagou por aulas particulares enquanto residia em Nova Jérsei, onde trabalhava como pianista no Midtown Bar & Grill. O proprietário do local insistia para que Nina também cantasse, o que acabou gerando a oportunidade de gravar o repertório que executava no estabelecimento. Sem muitas dificuldades, Nina Simone fechou um acordo (péssimo para ela mas muito bom para a gravadora) com a Bethlehem Records, lançando o seu primeiro e incrível début, Little Girl Blue.

O disco possui 11 faixas, sendo três instrumentais, das quais a última, Central Park Blues, é de autoria da própria Simone. Demonstrando inventividade nos arranjos (além do vocal e do piano, Nina Simone comandou os arranjos do álbum, ao lado de seu produtor) e grande elegância na escolha do repertório, a cantora estreou com um disco que é puro Vocal Jazz, com grandes blocos instrumentais no prólogo e epílogo e versões que valorizavam o seu contralto meio dark, meio anasalado, executado em grande estilo já na primeira faixa do álbum, Mood Indigo.

O tom sombrio e mais ligado ao blues que ouvimos na canção inicial encontra força em Don’t Smoke in Bed, onde temos a oportunidade de ouvir os tons mais graves da voz da cantora e perceber a beleza de sua tessitura à medida que a canção cresce e cobra notas mais altas. Como se trata de uma canção ‘piano & voz’, é interessante vermos como ela lidava com os dois instrumentos, inventando-se com grande paixão. Basta ouvirmos o pequeno solo da canção e a aplaudível dinâmica vocal da artista no refrão para percebermos essa paixão, postura que faz as cações de amor se tornarem hinos de reconciliação, culpa, desejo ou diálogo honesto entre um casal, como ouvimos na delicada He Needs Me.

O interessante desse álbum é como ele recebeu uma organização mais ou menos cadenciada de canções, com o início jazzístico mais livre de Mood Indigo, o vocal jazz e blues que vai até Little Girl Blue, a canção que dá título ao álbum e é interpretada aqui quase como uma canção de ninar, com docilidade e acompanhamento cromático ao piano. Curiosamente, a segunda parte da canção alcança um outro patamar, saindo do harmonioso típico da canção de ninar e atingindo tons menores com bastante sentimento. É a deixa para a mudança de comportamento da garota blues, que adota uma postura decidida e definitiva a partir da canção seguinte.

Love Me or Leave Me não é necessariamente a canção mais famosa do álbum (esta seria My Baby Just Cares for Me, sem dúvida), mas com certeza é a mais graciosa. Cool jazz com pequenos jogos vocais da melhor qualidade e um clássico solo de piano, Love Me or Leave Me dá o tom mais ‘ensolarado’ que marca núcleo do álbum. Na sequência, My Baby Just Cares for Me, grande hit do disco, arranca um sorriso de qualquer pessoa que ouve. A pausa vinda com a instrumental You’ll Never Walk Alone (de caráter romântico e aparência de sonata) abre o caminho para a misteriosa Plain Gold Ring, seguida de outra instrumental, desta vez, de composição mais melancólica e solitária.

A última canção do disco, I Loves You Porgy, concebida como um dueto para a ópera Porgy & Bess, dos irmãos Gershwin, ganha aqui sua versão clássica. Junto com a versão gravada por Ella Fitzgerald, a de Nina Simone permanece como referência absoluta e não tem páreo para ela, mesmo com intérpretes como Billie Holiday, Barbra Streisand, Whitney Houston e Christina Aguilera tendo feito suas versões da canção ao longo dos anos. A título de curiosidade, o nosso Renato Russo, em seu disco póstumo O Último Solo (1997) fez uma versão curiosa da canção, estendendo parte do libretto de DuBose Heyward na faixa gravada.

Little Girl Blue traz a semente de uma das vozes femininas mais fortes do jazz. O álbum tem variações deliciosas de bebop, blues, gospel e ritmos caribenhos, uma concepção musical tão simpática, pessoal e bem realizada que impedirá qualquer um de ouvir o disco uma única vez.

Aumenta!: My Baby Just Cares for Me
Diminui!: —-
Minha canção favorita do álbum: Love Me or Leave Me

Little Girl Blue / Jazz as Played in an Exclusive Side Street Club
País:
Estados Unidos
Artista: Nina Simone
Lançamento: 24 de junho de 1958
Gravadora: Bethlehem Records
Estilo: Jazz

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