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Crítica | Locke & Key – 1ª Temporada

A chave de um novo universo.

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas e, aqui, dos quadrinhos que deram base à série.

Baseada em excelente HQ homônima criada por Joe Hill e Gabriel Rodriguez (que, aliás, fazem brevíssimas pontas como paramédicos no último episódio), Locke & Key, desenvolvida por Carlton Cuse, Meredith Averill e Aron Eli Coleite para o Netflix, parte de uma ideia fascinante sobre chaves mágicas espalhadas em uma antiga mansão que são descobertas por três irmãos para desenvolver uma mitologia interessante em uma temporada que, porém, nem sempre acerta no alvo. Mesmo assim, considerando a estrutura de apenas 10 episódios com tamanho padrão e os ótimos efeitos especiais, a série consegue manter-se ágil por praticamente toda sua duração, com a introdução de mistérios de toda a ordem que, por incrível que pareça, são quase todos eles resolvidos ao longo da narrativa, por muito pouco não tornando a história totalmente auto-contida.

Essa qualidade – solucionar problemas que introduz – é sem dúvida um dos trunfos da temporada. Mesmo iniciando a narrativa com uma história “já começada” sobre uma família que se muda para a cidade de Matheson (Lovecraft nos quadrinhos) depois que o patriarca é assassinado por um jovem perturbado, a estrutura não rígida de flashbacks dá conta do recado ao costurar passado e presente primeiro a conta-gotas e, depois, de maneira mais ampla, inclusive com voltas breves no tempo para explicar situações estranhas. Há também um cuidado dos roteiros em manter o foco nos três irmãos da família Locke – Tyler (Connor Jessup), o mais velho; Kinsey (Emilia Jones), a do meio; e Bode (Jackson Robert Scott), o mais novo -, mas sem transformá-los nos únicos personagens da história, o que permite a abertura da narrativa para coadjuvantes como Joe Ridgeway (o veterano Steven Williams), o diretor da 11ª série da escola dos jovens, Ellie (Sherri Shaum) e Rufus Whedon (Coby Bird), respectivamente mãe e professora de educação física e seu filho autista que é o faz-tudo da mansão dos Lockes, a Keyhouse, o Esquadrão Savini, nerds viciados em filmes de horror que fazem amizade com Kinsey e assim por diante.

Por outro lado, alguns personagens em tese importantes só aparecem quando conveniente. Duncan Locke (Aaron Ashmore), tio dos adolescentes e guardião da mansão, é um desperdício de tempo de tela. Apesar de gostar de Ashmore, seu papel não tem muita razão de ser depois que ele apresenta a casa para sua cunhada e sobrinhos, já que ele fica mais tempo em Boston, completamente offscreen e, quando aparece em Matheson, fica restrito a um ou duas linhas de diálogo com apenas uma honrosa exceção mais para a frente. No entanto, o crime maior fica mesmo com Nina Locke (Darby Stanchfield), a matriarca. Ela é como um papel de parede bonito: dá vida ao ambiente, mas não tem qualquer outro objetivo do que ser apenas isso. Até mesmo quando seu vício é abordado, os roteiros tratam como “problema da semana”, ou seja, torna-se o tema de um episódio que, já no seguinte – puft! – desapareceu, o que é até um desserviço à doença em si, passando uma mensagem no mínimo equivocada, para não dizer completamente errada.

Pelo menos os irmãos Locke funcionam bem dentro do que se espera de uma série adolescente. Não há aquele tipo de conexão imediata que os garotos de Stranger Things evoca no público, mas a trinca de atores é suficientemente eficiente para trabalhar bem os papeis basicamente clichê que lhes foram entregues: o quase adulto perdido entre o que fazer da vida e a responsabilidade que precisa carregar, a bela adolescente rebelde e o inteligentíssimo garoto que, aliás, é o primeiro a encontrar as chaves. Considerando as limitações impostas, dentre elas uma espécie de simplificação do trauma sofrido com a morte de Rendell Locke (Bill Heck), provavelmente para tornar a série mais leve e palatável para um público maior (algo que a HQ simplesmente não é, ainda bem)

Mas o verdadeiro atrativo é mesmo a premissa fascinante da criação de Hill e Gonzalez. A existência de chaves misteriosas, cada uma capaz de algo incrível, desde abrir a cabeça das pessoas, passando por reconstrução de objetos, manipulação de sombras até alterações corporais, abre um leque grande de possibilidades que, fico feliz em atestar, o CGI maneja muito bem, diria até acima da média de séries semelhantes e sem aquele tipo de economia que o espectador percebe facilmente. Toda a mitologia por trás das chaves, das portas, da vilã Dodge (a brasileira Laysla De Oliveira) e da Key House como um todo é abordada com cenários variados que mostram muito carinho pelo material fonte (a casa é magnífica por dentro e por fora) e com um encadeamento de eventos que mantém a lógica interna intacta.

Não gostei muito, no entanto, da simplicidade do clímax, pois ele subestima a inteligência dos Lockes e, por tabela do espectador. E gostei muito menos do gigantesco epílogo de mais de 20 minutos que só existe para armar uma segunda temporada, ainda que conte com reviravoltas bacanas, mesmo que previsíveis, pois ele quebra a cadência narrativa completamente e poderia ter sido encaixado de maneira mais orgânica nos últimos dois episódios, pelo que espero que essa escolha equivocada gere dividendos extras em possível futura temporada.

Quem não gosta de “séries de adolescente”, algo que o canal de streaming tem em profusão, pode até virar o nariz para Locke & Key, mas isso seria um erro. Não é ainda uma obra desafiadora como Dark (e provavelmente nunca será) e pode não ter a magia nostálgica de Stranger Things (ainda que com a mesma qualidade narrativa), mas a adaptação da HQ de Joe Hill e Gabriel Rodriguez, mesmo com suas concessões para domá-la e torná-la mais universal, oferece diversão inteligente em um mundo mágico realmente fascinante.

Locke & Key – 1ª Temporada (EUA – 07 de fevereiro de 2020)
Desenvolvimento: Carlton Cuse, Meredith Averill, Aron Eli Coleite (baseado em HQ de Joe Hill e Gabriel Rodriguez)
Direção: Michael Morris, Tim Southam, Mark Tonderai-Hodges, Dawn Wilkinson, Vincenzo Natali
Roteiro: Joe Hill, Aron Eli Coleite, Liz Phang, Meredith Averill, Mackenzie Dohr, Andres Fischer-Centeno, Brett Treacy, Dan Woodward, Michael D. Fuller, Vanessa Rojas
Elenco: Darby Stanchfield, Connor Jessup, Emilia Jones, Jackson Robert Scott, Petrice Jones, Laysla De Oliveira, Griffin Gluck, Bill Heck, Aaron Ashmore, Sherri Saum, Thomas Mitchell Barnet, Kevin Alves, Genevieve Kang, Hallea Jones, Kolton Stewart, Asha Bromfield, Jesse Camacho, Eric Graise, Felix Mallard, Steven Williams, Coby Bird
Duração: 469 min. (10 episódios)

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