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Crítica | Lolita (1962)

por Rafael W. Oliveira
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Em tempos liberais como os de hoje, a versão cinematográfica de Stanley Kubrick para o polêmico livro Lolita, de Vladimir Nabokov, pode ser considerada como um filme já sem o mesmo impacto da época em que foi lançado (e talvez por isso seja considerado por muitos como um filme menor de Kubrick). Ledo engano e grande erro. Lolita preserva uma boa parte de sua força emocional sobre o espectador, e ainda se mantém atual ao abordar um tema ainda em alta nos dias de hoje. De fato, Lolita pode ser encarado como o marco inicial na carreira de Kubrick, como o filme onde o diretor conseguiria, pela primeira vez, filmar uma história com a liberdade desejada, apesar dos diversos problemas envolvendo a produção.

Problemas estes já advindos da repercussão alcançada pelo livro de Nabokov, que foi considerado como um atentado ao pudor e uma ofensa aos bons costumes, sendo que antes do livro original, uma versão pornográfica da obra foi lançada para testar a reação do público. Em tempos conservadores como os anos 60, o resultado não poderia ser outro que não seja o de total repúdio pela história concebida por Nabokov sobre um cinquentão que se apaixona por uma ninfeta de 12 anos de idade.

O estúdio criou diversas intervenções para Kubrick, numa tentativa óbvia de amenizar o tratamento ousado que o diretor gostaria de conceber a sua visão do livro: Lolita se torna uma garota de 14 anos de idade, uma vez que os censores só permitiriam a realização das filmagens se a personagem já tivesse seios desenvolvidos. Da mesma forma, nenhuma cena de sexo seria permitida, restando para Kubrick trabalhar apenas com a sugestão do ato. E apesar de toda a pressão em cima da produção, muitos reconhecem Lolita como um dos grandes trabalhos de Kubrick, onde o diretor traduz genialmente os sentimentos experimentados na obra de Nabokov, onde mesmo diante de um tema repulsivo, compreendemos e (pasmem!) e nos identificamos com as atitudes e escolhas de seus personagens.

Humbert Humbert (James Mason) é um professor de inglês que se muda para um dos quartos da pensão de Charlotte Haze (Shelley Winters), onde de início demonstra certa recusa em permanecer no local, mas muda de ideia ao se deparar com Lolita (Sue Lyon), filha de Charlotte. Enquanto que Charlotte enxerga em Humbert a possibilidade de ter um novo marido, o professor vai se tornando obcecado pela presença provocante de Lolita, o que o leva a se casar com Charlotte apenas para permanecer perto da garota.

Pode-se dizer que o veto do estúdio em cima de Kubrick para as cenas mais “calientes” foi um acerto e tanto, pois Kubrick, como o gênio que era, subverte essa armadilha e cria uma atmosfera hipnotizante de tensão sexual com uma pitada do cinema noir. Ao trabalhar apenas com a sugestão daquilo que gostaria de ser visto, o diretor deu vida cenas emblemáticas que nos permite, de certa forma, compreender os motivos da crescente obsessão de Humbert por Lolita. A cena em que o homem pinta as unhas de Lolita é carregada de um erotismo nunca antes visto no cinema, uma sequência onde um simples ato consegue dizer bem mais do que qualquer outro momento explicito que o filme poderia ter tido. Kubrick, de fato, trabalha maravilhosamente com sua câmera ao namorar a imagem de Lolita de maneira extremamente sutil, mas brilhante, colocando o espectador como uma espécie de vouyer em cima da história, onde o pouco do que conseguimos ver alcança significados extremamente profundos e humanos. Afinal, Lolita é sobre a degradação moral não apenas de um homem, mas de um ser humano, como qualquer um de nós. Por isso mesmo, Lolita também pode se tornar um filme assustadoramente pessoal e intimidador para alguns. No fim das contas, o objetivo é exatamente esse: fazer com que encaremos nosso próprio eu.

James Mason está brilhante no papel do professor Humbert, traduzindo muito bem toda a crescente obsessão pela figura de Lolita e sua visível fragilidade emocional diante desta poderosa figura feminina. Figura esta que também se adequou perfeitamente para a atriz Sue Lyon, exemplar na concepção da inocência da personagem, que lá na frente acaba se revelando como uma garota que se deixou levar pela intensidade de seus sentimentos. Shelley Winters tem boa presença como a mãe de Lolita, e Peter Sellers, apesar de não dar muito as caras, rouba a cena como o sarcástico e misterioso Clarie Quilty.

Por essas e outras, se você ainda não assistiu ao filme, não acredite quando afirmarem que Lolita é “um dos filmes menores de Kubrick”. Talvez o único problema seja a duração levemente excessiva, mas isto em nenhum momento diminui o feito alcançado por Kubrick na realização de Lolita que, definitivamente, é um dos (muitos) grandes filmes na brilhante filmografia deste diretor.

Lolita (idem, Reino Unido, 1962)
Roteiro
: Vladimor Nabokov
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: James Mason, Sue Lyon, Shelley Winters, Peter Sellers, Lois Maxwell
Duração: 152 min.

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