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Crítica | Los Angeles: Cidade Proibida

por Ritter Fan
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Los Angeles: Cidade Proibida foi um dos filmes literalmente afundados nos anais do tempo pela onipresença maciça de Titanic, em 1997, o mega-blockbuster que amealhou todas as estatuetas do Oscar a que concorreu na 70ª edição da festa, em 1998. No entanto, ainda que o clássico de James Cameron realmente mereça todas as láureas que recebeu, a obra neo-noir do saudoso Curtis Hanson (A Mão que Balança o Berço, 8 Mile: Rua das Ilusões), não pode ser esquecida, pois, arriscaria dizer, é um dos mais bem estruturados roteiros de filme americano dos anos 90, contando com um elenco estelar parte já consagrado e parte que seria consagrado nos anos seguintes, além de uma direção de arte reconstruindo a Los Angeles dos anos 50 que é simplesmente de se aplaudir de pé.

A história é complexa, mas lida com a corrupção generalizada das autoridades angelenas, especialmente da polícia, em 1953, conectando a tentativa de entrada do crime organizado na região, a construção de artérias rodoviárias, prostituição sofisticada e tráfico de drogas em um jogo narrativo muito inteligente que coloca em rotas convergentes três policiais bem diferentes: o escorregadio Jack Vincennes (Kevin Spacey) que faz de suas ações para a força verdadeiras sessões fotográficas com a ajuda de Sid Hudgens (Danny DeVito), editor do tabloide Hush Hush; o brutamontes violento capaz de “dobrar” a lei, mas dono de um bom coração Bud White (Russell Crowe), parceiro de Dick Stensland (Graham Beckel) e o novato ambicioso, mas certinho e completamente by the book Ed Exley (Guy Pearce), que vive à sombra da reputação de seu pai, também policial, mas que fora assassinado. Ao longo de boa parte da narrativa, o roteiro co-escrito por Hanson e Brian Helgeland (Coração de Cavaleiro, Sobre Meninos e Lobos) e baseado em aclamado romance de James Ellroy), aborda casos aparentemente diferentes e desconectados que são investigados separadamente por cada um dos três protagonistas, em uma escolha narrativa arriscada e que, em mão menos hábeis, poderia resultar em algo desastroso.

Mas é justamente o contrário que vemos aqui. O roteiro adaptado, ganhador de uma das poucas estatuetas do Oscar a que Titanic não pode concorrer, é uma aula de como se escrever um filme. Helgeland e Hanson mantém cada personagem segregado em seu mundo particular, mas sem que a coisa pareça artificial, já que os três se conectam em momentos mais, digamos, mundanos que cuja relevância só entendemos mais para a frente. Ao mesmo tempo, para o espectador, não fica em momento algum a sensação de que essas histórias terão que lutar para serem conectadas, pois desde o começo, apesar de nunca de maneira evidente ou didaticamente explicada, fica evidente a rima temática que dá a unicidade necessária para o filme. Isso acontece não só pela introdução de personagens-chave, como o magnata Pierce Patchett (David Strathairn, com pouco espaço para atuar, mas sempre de presença marcante), o chefe de polícia Dudley Smith (James Cromwell mais uma vez estupendo) e, principalmente, a femme fatale Lynn Bracken (Kim Basinger, recipiente do único outro Oscar do filme, de atriz coadjuvante), mas também pela forma como pequenos detalhes de cada história escorrem para a outra e assim por diante, permitindo que o espectador comece a ver o quebra-cabeças formar-se antes de Vincennes, White e Exley.

Estilisticamente, Hanson elegeu tratar sua obra como um filme noir, fazendo uso de quase todos os artifícios clássicos do gênero, incluindo narração em off, homens durões e cínicos e mulheres estonteantes e perigosas. E essa escolha funciona não só para retratar visualmente a época em que o filme se passa, como também para tornar mais fácil a construção narrativa de cada história principal, que depende de pistas visuais claras e estereotípicas para não confundir o espectador. Por exemplo, precisamos que Bud White sempre seja visto como o valentão que bate antes de perguntar, da mesma maneira que é necessário que Jack Vincennes seja sempre um espertalhão mais preocupado com sua imagem do que com qualquer outra coisa. Não há, em linhas gerais, o desenvolvimento clássico que se pode esperar dos personagens. Ninguém realmente “se transforma” ao longo da investigação, com cada um mantendo suas qualidades e, principalmente, seus defeitos. E isso vai até o fim, com Hanson sempre fiel a seus personagens, como podemos ver pela decisão ambígua que Ed Exley toma sobre o caso que eles acabam tendo que investigar juntos.

O único recurso narrativo dos filmes noir ostensivamente ausente de Los Angeles: Cidade Proibida é a fotografia escurecida. O que vemos é exatamente o oposto disso, com o trabalho do diretor de fotografia Dante Spinotti (O Último dos Moicanos, Homem-Formiga e a Vespa) focando em banhos de luz na maioria das sequências ao ponto de chegar a dessaturar a película, algo amplificado pela escolha de uma paleta de cores geralmente clara e muitas vezes branca, inclusive em figurinos, como são os casos das vestimentas de Vincennes e principalmente Bracken. Com isso, Spinotti consegue criar forte contraste entre a sujeira da corrupção da Cidade dos Anjos e a aparente limpeza e claridade dos cenários, estabelecendo uma conexão com os filmes noir que só existe na completa antítese e na “sujeira limpa” dos filmes dos anos 40 e 50. É saliente a ausência de sangue e de imagens grotescas apesar da quantidade de mortes que a obra traz, algo que vem justamente ficar em linha com a beleza que esconde a feiura que a fotografia procura transmitir e é muito bem-sucedida nessa missão.

A reconstrução de época é outro elemento que merece destaque e que chama atenção no filme justamente por parecer tão natural e tão cuidadosa. Não há grandes cenários internos ou tomadas externas em plano aberto para permitir que o espectador tenha alívio visual. Tudo fica nas ruas empoeiradas da cidade ainda em seu “início de vida”, sem saber muito bem o que um dia se tornaria. Carros, figurinos, arquitetura e elementos de cenário são precisamente distribuídos em cada frame de maneira a transparecer uma certa atemporalidade à fita, que poderia igualmente ser interpretada como um faroeste moderno ou um drama policial à moda antiga. Hanson consegue criar uma obra que está quase que “fora” de seu tempo, conversando muito facilmente, assim com o espectador que é imediatamente envolvido pela narrativa que começa perdida e desfocada, até mergulhar de vez na ação em via única nos últimos 50 minutos de projeção. Essa impressão de atemporalidade é ainda reiterada pela trilha sonora de Jerry Goldsmith que não se acanha em trazer notas facilmente reconhecíveis de obras do gênero para um resultado que é quase que integralmente não-intrusivo, somente sendo quando realmente precisa ser em um excelente exercício de sincronização.

Los Angeles: Cidade Proibida é uma joia cinematográfica que desafia sua temporalidade noventista e nos apresenta a um maravilhoso mundo sujo, complexo e tenso populado por personagens intrigantes vividos por um elenco estelar, histórias divergentes que convergem sem esforço graças a um roteiro sem igual e de uma beleza inebriante que é capaz de prender o espectador desde seu primeiro fotograma. O drama neo-noir de Curtis Hanson pode não ter sobrevivido incólume ao tsunami causado pelo navio de James Cameron, mas o filme definitivamente merece uma segunda chance de provar-se como a obra-prima que é.

Los Angeles: Cidade Proibida (L.A. Confidential, EUA – 1997)
Direção: Curtis Hanson
Roteiro: Brian Helgeland, Curtis Hanson (baseado em romance de James Ellroy)
Elenco: Kevin Spacey, Russell Crowe, Guy Pearce, James Cromwell, Kim Basinger, Danny DeVito, David Strathairn, Ron Rifkin, Graham Beckel, Amber Smith, John Mahon, Paul Guilfoyle, Matt McCoy, Paolo Seganti, Simon Baker, Tomas Arana, Michael McCleery, Shawnee Free Jones, Darrell Sandeen, Marisol Padilla Sánchez, Gwenda Deacon, Jim Metzler, Brenda Bakke
Duração: 138 min.

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