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Crítica | Los Lobos (2020)

por Michel Gutwilen
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Não é uma novidade para o cinema contar histórias que desconstruam o american dream; esta ideia dos Estados Unidos como um lugar livre e mágico; de concretização de uma liberdade individual e financeira. Sempre existiu uma outra face deste país não-tão-perfeito, aquela que não querem que você veja, a dos subúrbios com pessoas que vivem condições mais do que precárias. Para muitos imigrantes, a mínima possibilidade de uma vida melhor, a mera chance de apostar e arriscar, já é melhor do que permanecer em seus países diante da incerteza da miséria. O filme mexicano Los Lobos trata exatamente sobre isso, misturando contextos atemporais (sonho do american dream) e o temporais (contexto migratório de latinos na Era Trump), ao mesmo tempo que também fala das dificuldades de uma mãe solteira, assemelhando-se ao recente Projeto Flórida, a nível comparativo.

Inclusive, a abertura de Los Lobos reforça esse tom otimista que a possibilidade de mudança para os Estados Unidos pode gerar. Em um estilo de road movie, planos abertos da estrada são escolhidos enquanto, em voice over, uma voz infantil pergunta se já chegaram a Disney. O Sol ilumina o plano, fotografado de uma maneira até quase que espiritual e a mão da criança toca o vidro, então surge a bandeira azul, vermelha e branca. Todos esses símbolos e escolhas formais realçam os EUA como o Paraíso a ser alcançado. Porém, rapidamente, a realidade se mostra outra. Para aquela mãe, não há o que fazer além de ir para um apartamento em péssimas condições e deixar seus dois filhos sozinhos enquanto vai para seu trabalho fabril. O que se desenrola a partir daí, então, é um foco narrativo que se afasta das dificuldades enfrentadas pela mulher adulta e que está mais preocupado em filmar o impacto deste abandono forçado na vida dessas crianças.

Portanto, os Estados Unidos, para aquelas duas crianças, não é um país da liberdade ou da Disney, mas, pelo contrário, uma prisão que se torna aquele apartamento. Tal situação, aliás, me lembra muito o que acontece no clássico africano A Negra De.., de Ousmane Sembène, no qual uma jovem senegalesa vai, cheia de sonhos, para a França mas seu espaço também se limita ao apartamento onde atua como doméstica. Logo, é estabelecida uma dialética entre a impossibilidade física e a possibilidade imaginativa, o que ocupa boa parte de seu tempo tempo. Diante da miserabilidade concreta — a falta de uma figura materna, de uma educação formal que a escola poderia oferecer, da solidão forçada — sempre filmada de uma maneira realista, as crianças fazem o que podem dentro daquelas paredes sufocantes: uma bola de papel vira futebol, uma criança sobe em cima da outra como halter para musculação, a parede vira espaço para pintar, um gravador vira uma im. Percebe-se então, que tudo aqui envolve ações que envolvem a criatividade, literalmente o ato de criar diante do que não há. 

Apesar de ser um filme carregado por uma estética realista, talvez a escolha mais interessante do diretor Samuel Kishi seja o paralelismo criado entre os planos nos quais as pessoas estão olhando de frente para a câmera, quase como se quebrassem a quarta parede. Na 1ª vez que este recurso é utilizado, ele se dá no contexto em que Lucia está procurando moradias na região e uma montagem dinâmica vai evidenciando a heterogeneidade dos moradores daquela região, que não estão com cara de muitos amigos para a nova imigrante, vendo-lhe mais como uma estranha. Já no fim da narrativa, o diretor aplica novamente este recurso, desta vez acrescendo Lucia e seus filhos a este plano que olha direto para tela. Agora, ela se integrou aquele meio, que aceitou ela. Afinal de contas, esta é uma história sobre superação, adaptação, encaixar-se em uma nova comunidade. 

Neste sentido, o roteiro vai caminhando em uma direção progressiva da condição de isolamento e rejeição para situações nas quais o contato com o mundo exterior vai aumentando. As crianças são cuidadas pela chinesa, o menino do outro apartamento entrega o dinheiro de volta; Lucia flerta com o trabalhador. Uma pena que, a bem da verdade, nenhum dos eventos que acontecem saem de uma mera zona de conforto, tanto no sentido de direção quanto de roteiro, vide a óbvia cena da seringa encontrada no chão. Ao fim, fechando o ciclo de uma história sob a ótica infantil, é óbvio que o final não poderia ser em outro lugar senão na Kiddieland, com as crianças alegremente fingindo que aquele lugar é a Disney, pois o poder da imaginação é gigante.  

Los Lobos (Idem, México — 2020)
Direção: Samuel Kishi
Roteiro: Samuel Kishi Leopo, Sofía Gómez Córdoba, Luis Briones
Elenco: Martha Reyes Arias, Maximiliano Nájar Márquez, Leonardo Nájar Márquez
Duração: 95 min.

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