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Crítica | Lost – 5ª Temporada

por Iann Jeliel
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Lost

  • PODE CONTER SPOILERS DE TODAS AS TEMPORADAS! Leia, aqui, as críticas de todo nosso material do Universo Lost.

O que aconteceu, aconteceu. Lost 

Não é mais sobre como fugir da ilha, e sim permanecer nela para explorar seus conceitos. Tanto se reclama que Lost não entregou respostas para o seu público, sendo que esta temporada adaptou sua linguagem novamente só para satisfazer um pouco essas cobranças e entregá-las de modo mais direto – porque já estava entregando muitas ao longo das outras. Mas como série vanguardista que é, Lost não iria simplesmente fazer isso de mão beijada. A temporada se desvirtua completamente de estruturações anteriores, bagunçando-as propositadamente num jogo temporal aleatório para promover um grande “desvio” nos fechamentos dramáticos da narrativa dos personagens e levantar um novo processo dramático sobre a história de seu icônico cenário.

Em outras palavras, é uma temporada sobre a ilha e seus diferentes tempos, em que ela está no controle e os personagens (e público) ficam completamente à mercê de suas decisões. A grande criatividade dessa solução está no fato de ela exigir que as explicações mitológicas sejam ativas, quando os personagens participam da criação dos enxertos que faltavam ser mostrados, o que naturalmente cria uma ambiguidade que sustentará de alguma maneira a curiosidade do que será o consequencial fim. Não teria sentido, ou a menor graça, se a série optasse através de qualquer uma das suas formulações anteriores, sejam flashbacks ou flashforwards, simplesmente explicar a influência do passado ou do futuro da ilha que convinha, expositivamente. Por isso, surgem os flashs paralelos, que em primeira instância, trata-se de um jogo de influência entre causa e consequência sobre duas linhas temporais (fora e dentro da ilha) cruzadas entre os diferentes tempos (presente do futuro pós-saída da ilha e passado/presente/futuro na ilha), mas que fazem parte do mesmo presente (o presente dos personagens juntos).

Sim, é confuso, mas em suma, é uma linearidade entre passado e futuro que torna tudo um bolo só, naturalmente gerando muitas dúvidas, principalmente quando estabilizada unicamente na ilha, só que sobre novos diferentes tempos (o passado da ilha e a continuidade do futuro pós-ilha, só que na ilha). Novamente, dúvidas que não surgem sobre “o quê”, e sim “como”, no caso, um “como” até mais específico porque é o “como” tal coisa seria possível se outras que já aconteceram poderiam, na convergência de linhas temporais, impedir que essa nova acontecesse. O grande problema dessa escolha da série estava – como sempre – na reação do público da TV aberta que, já contaminado pelas teorizações, era tão pego na ludibriação entre causa e consequência dos tempos que simplesmente ignorava o conteúdo central que já estava lhe dando as informações que queria e mais, já lhe dava as informações do que viria a ser o vencedor, desse momento que é basicamente o ápice da ambiguidade entre fé e ciência.

Contudo, nesse caso não tiro tanto a razão das reclamações diante, principalmente, da exibição de episódios espaçados semanalmente. A forma semanal, aliás, indiretamente sempre prejudicou, no mínimo dificultou o entendimento de linguagem da série, mas isso é agravado nessa temporada pela intenção de gerar um efeito emocional crescente para o fim. Parece que a tensão de que tudo poderia se perder era uma grande barriga que as pessoas não tiveram mais a paciência de esperar, no caso, a sensibilidade de perceber que aquilo era apenas um princípio de continuidade, e não o centro do conteúdo, que de fato, como dito, pensava em ser uma extensão para respostas mais diretas, embora ainda não óbvias. Nisso as coisas se misturaram, especialmente se levarmos em conta que alguns arcos implementam essa dubiedade de continuidade no meio do que deveria ser somente uma exploração.

Assim, a cobrança por respostas meio que só aumentou pela falsa impressão de que tudo seria correspondido somente na próxima temporada, sendo que estava dividido entre as duas últimas, nessa com o princípio de exploração das brechas mitológicas, e na próxima como fechamento de arcos dramáticos. Divisão essa que também não é 100% equilibrada, a mitologia talvez tenha tomado tempo demais acima dos personagens, diminuindo o poderio de vários desenvolvimentos (ainda que alavancando outros), e na próxima os personagens já concluídos precisavam de melhor auxílio da diretriz mitológica para preencher mais objetivamente as lacunas decisivas. Independentemente disso, não é porque Lost se propus a bagunçar que ela estava se perdendo e vou provar isso dividido sua temporalidade..
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A Ilha Pós Saída

“E por que eu não me lembro de nada disso?” – Richard Alpert

“Porque ainda não aconteceu.” – John Locke

Começando pelo que ficou de gancho da última temporada, o que aconteceu com aqueles dentro da ilha? Sabemos que Ben conseguiu sair após mover a ilha, mas para onde ela seria movida era a grande questão. A temporada abre com uma cena de Chang, o famoso narrador dos vídeos da iniciativa Dharma (dando indícios de que finalmente a série a exploraria), descobrindo a alavanca de energia que Ben havia puxado anteriormente para mover a ilha, no mesmo local que mais tarde descobríamos se tratar da construção da escotilha presente na segunda temporada. No diálogo com seus operários, Chang fala sobre os efeitos imprevisíveis que aquela energia poderia gerar, caso aquele bolsão fosse perfurado. Implicitamente, já sabíamos desses efeitos através de Desmond, que absorveu grande parcela dessa energia para si quando implodiu a escotilha para salvar todos em Live Together, Die Alone. Então, a tal imprevisibilidade mencionada se conectaria às viagens temporais, antes limitadas à consciência de Desmond, e agora embolsadas em corpo de todos os personagens que ficaram quando a ilha foi movida.

Diferentemente de Desmond em The Constant, a troca de temporalidades entre os personagens seria mais instável e não apenas entre dois tempos, graças ao fato de que Ben não movera a alavanca por completo – algo revelado um pouco à frente na temporada. Todos ali presentes começaram a saltar entre diferentes épocas, múltiplas vezes em períodos cada vez mais curtos de tempo. Contudo, as bases consequenciais eram as mesmas, quanto mais tempo dentro dessas várias viradas de looping temporal, mais próximos da insanidade, ou mesmo morte, Locke, Sawyer, Juliet e companhia estavam. Elementos esses obviamente colocados para instaurar um grau de urgência a outra necessidade de polo dramático fora da ilha de ter que voltar o mais rápido possível para salvá-los, mesmo sem saber “como”, as noções de tempo entre os períodos se cruzavam. Mais uma vez, o mistério e a expectativa eram criados no “como”, e por questão de coerência deveriam ser fechados no “como”. Assim, demonstrar esses encontros com o passado só agora sem tê-los estabelecido exatamente no prévio não se torna uma muleta e criação narrativa simplesmente tirada do nada.

Isso não foi contado antes simplesmente por uma escolha de linguagem, que ainda é coerente pois corresponde à forma em que foi implantada inicialmente (e Lindelof não cansa de brincar e subverter o conceito da caixinha misteriosa do J.J). Fora que é conduzido de forma tão organicamente colocada que soa como planejado desde sempre, mesmo que possivelmente não fosse, porque é trabalhado o conceito e suas possibilidades interligadas a fontes dramáticas extremamente bem desenvolvidas anteriormente, ficando muito fácil juntá-las com o agrupamento posicional de informações. As visitas temporais são calcadas exatamente nesse pressuposto metalinguístico de não planejamento planejado. Se o personagem com informações de agora viaja ao passado para conectar algo solto do futuro, não deixa de ser os roteiristas visitando as pontas antes elaboradas por eles para um efeito de mistério, fechando-as para a criação de novos efeitos dramáticos. Afinal, a série não fez isso em todo momento em seu método? A única diferença é que agora é num maior campo de espaçamento temporal, para pontas que tinham esse tipo de distanciamento.

Por exemplo, Jin não morre para ser o convencimento de Sun a voltar estando em outro lugar da ilha, é um auxílio para explorar momentos temporais por outros ângulos, como a chegada de Rousseau à ilha. Todo aquele lance da doença tão falada pela personagem no início era nada mais que a influência negativa do monstro de fumaça dentro do jogo de tabuleiro da ilha, também tão sugerido anteriormente. Aí você questiona, mas como ela no futuro não reconheceu o Jin quando cai da ilha? Parece realmente uma incoerência pensando no que Daniel diz, onde tudo que aconteceu ali não poderia ser alterado, mesmo que ele negue o que disse em episódios posteriores (há um motivo para isso também, mas falaremos depois). A base, de fato, permanece essa, onde tudo que aconteceu, acontece. Richard é a prova disso, pois ele  com sua imortalidade (já colocada em pauta desde The Man Behind the Curtain) testemunha esses eventos de troca temporal e é usado pelos personagens como base de segurança para informações. Ele e o próprio Desmond, que estará mais como conectivo entre os núcleos de fora e dentro, enquanto o Richard com apenas os de dentro.

Assim, se Richard não se esquece do que aconteceu nos encontros ao longo da temporalidade, assume-se que o problema de esquecimento é apenas da Rousseau, o que na boa vontade dá para afirmar por ela sofrer a perda de toda a equipe e mais tarde de sua filha, somando-se ao fato de ficar presa anos e anos na ilha, deixando-a louca o suficiente para momentaneamente perder a memória sobre já ter conhecido Jin antes. Enfim, é uma solução bem implícita, mas que tem algum sentido, já disse algumas vezes que Walt e ela são os personagens que mais tiveram problemas nas amarras da série. Contudo, todas essas conexões na estrutura de passeios são mesmo arbitrárias, como a introdução de  Widmore e Eloise com lapsos de sua personalidade que maturariam as suas motivações no futuro, o conselho de Locke a Richard que só aconteceu porque Richard deu o conselho a Locke de procurá-lo, que o fez visitar no futuro quando criança, ou mesmo já os eventos posteriores, como a queda de um novo avião na ilha, o Ajira, que trariam todos de volta, mas que naquele momento acreditávamos ser o Oceanic.

Enfim, dentre várias dessas interferências, a única realmente mais direta era a de Daniel, porque na mesma primeira cena da temporada, ele estava como um dos operários de Chang. Desse modo, ele não seria apenas um guia das regras da mitologia temporal, como seria a principal transição entre os tempos, e isso seria motivado no seu amor por Charlotte, primeira vítima fatal das consequências temporais. No leito de morte, ela diz ter nascido na ilha e lembrado de Daniel nela avisando para não voltar porque senão ela morreria. Dito e feito, ela morre ali como confirmação da regra estabelecida (o que aconteceu, aconteceu), mas morre deixando Daniel absolutamente perturbado para que quando a pausa temporal acontecesse (com Locke terminando de girar a alavanca) se tornasse obcecado em tentar mudar esse destino por possibilidades científicas, algo que seria a base climática da sesson finale.
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Fora da Ilha Pós Saída

“Isso é ridículo!” – Jack Sherpard

“Pare de pensar em como ridículo parece e comece a perguntar a si mesmo se você vai acreditar ou não que vai funcionar. É por isso que chamam de ter fé, Jack.” – Eloise Hawking

Se na quarta temporada o futuro visto em flashforward era um contextualizador para o presente na ilha dentro de uma inversão da linguagem dos flashbacks, agora ele é o presente na história e não precisava mais ocultar informações como método de engajamento narrativo, porque existia o paralelismo com a urgência de salvar o restante do pessoal do passeio entre temporalidades na ilha. Os primeiros cinco episódios da temporada conseguem trabalhar perfeitamente com esses núcleos em conjunto, através de uma série de decisões de dependência entre essas linhas. De certo modo, é isso que fez o gancho da temporada anterior ser mais eficaz do que ele de fato foi por lá. Sabendo de Locke morto e acompanhando a suposta importância disso na linha da ilha, quando o presente fora da ilha não a corresponde, fica ainda mais angustiante e imprevisível desvendar “como” as motivações de todos os Oceanics vão sincronizar para que eles possam voltar.

Especialmente quando Ben surge como esse recruta para que todos se reúnam, utilizando métodos trapaceiros como sempre. Ele mente para Jack sobre a causa da morte de Locke, mente para Sun sobre como conseguiu com Locke o paradeiro de Jin vivo para tê-la ao seu lado (o anel), tenta persuadir Kate através da revelação da verdade sobre Aaron, faz com que Sayid fique ainda mais paranoico sobre Widmore estar caçando os Oceanics pelos assassinatos que ele cometeu para Ben no período, ainda sendo direcionado a envolver Hurley por supostamente ele já estar sendo vigiado. Enfim, Ben sendo a caótica da narrativa não é novidade, e talvez por isso já estar ficando um tanto repetitivo, o roteiro opta por revelar precocemente a validade do retorno da ilha antes do processo de acompanhamento ser concluído. Não é uma decisão plenamente satisfatória, pois é tomada no ápice da separação de todos quando descobrem que estavam sendo manipulados de novo por Ben. Corta, e o episódio seguinte já começa com Jack acordando novamente na ilha, de modo bem parecido com o Piloto, encontrando Kate e Hurley, instaurando um novo mistério um tanto desnecessário sobre o que vai ser já a próxima linha dos sobreviventes na ilha, com Jin no uniforme Dharma.

Esse é um dos exemplos de ganchos que geram continuidades que acabam travando um pouco o processo de descobrimento mitológico e estendendo a temporada. Isso porque depois da efetivação do retorno à ilha, a estruturação volta ao status mais comum de contagem de história por flashback, só que através de um distanciamento temporal mais curto, logo, direcionado mais para a explicação da motivação final que à exploração dessa motivação por espelhamentos narrativos que crescem a dramaticidade do personagem sobre a situação. Eventualmente, isso não seria um problema se fosse feito com todos em conjunto, mas se decide separá-los para criar algum tipo de mistério, de novo, não mais necessário naquele contexto. Kate e Sayid mesmo vão ganhar suas explicações tempos depois, já com episódios próprios na construção climática do núcleo do passado fixo da ilha, justamente porque nesses episódios eles tomaram decisões importantes no rumo dos desdobramentos de lá, mas como essas não têm tanta força de respaldo dramático, ambas as atitudes correram o risco de não funcionar como gatilhos de conflito, inclusive, a de Sayid definitivamente se torna um problema.

A motivação de Hurley, então, só vai ser revelada em última instância na season finale, algo de fato mais justificável visto com quem ele contracena, ainda assim não deixa de ser um tanto conveniente. Creio que a série tinha outras ferramentas para reuni-los de modo mais objetivo, usando o Desmond, por exemplo, que como bem havia sido estabelecido, deveria ser a constante para o núcleo fora da ilha – as regras da viagem no tempo não se aplicam a ele. Mesmo que ele não quisesse cumprir sua função naquele momento pela paternidade, quando ativado por Daniel lá nas confusões temporais da ilha, ele não hesita em ir procurar Eloise para que pudesse salvar o pessoal da ilha. Portanto, era só prosseguir nesse objetivo e alinhar a quase fatídica perda de Penny nas mãos de Ben, quase assassina por vingança ao que Widmore fez com sua filha, contudo essa linha, apesar de se passar no mesmo tempo de todos os acontecimentos, é só revelada depois como tentativa de fortalecer a linha dramática de Ben.

Funciona para Ben, mas funcionaria da mesma forma para ele e Desmond se fosse um acontecimento sincronizado ao possível gatilho de Desmond ser o promotor da reunião para todos voltarem com suas motivações exploradas em conjunto. Ou, mais fácil que isso, não mudaria nenhum acontecimento, somente mudaria a ordem de episódios, colocando o de Locke antes desse episódio do retorno do pessoal à ilha, apagando esse senso de continuidade que soa um tanto trapaceiro ou enrolativo. Os episódios se contextualizariam melhor, já que a dramática de The Life and Death of Jeremy Bentham expõe a falha de Locke na sua missão, mas demonstra que ele de algum modo, quando tentou fazer com que todos voltassem, influenciou na decisão final de cada um. Assim, tornaria mais palpável a entrega logo em sequência desse episódio em que no fim eles voltaram – até fortaleceria o impacto de sua morte –, e saberíamos os porquês quando fosse oportuno no núcleo momentâneo. Desse modo, o gancho de Jin na Dharma logo no episódio seguinte também seria desvirtuado de estranheza, pois garantiria seu sequenciamento em um respaldo dramático absurdo do grande personagem da temporada.
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A Ilha no Passado da Volta

Espere duas semanas, é só isso que estou lhe pedindo. Duas semanas. – James Ford

Ok, então. Duas semanas. – Juliet Burke

Independentemente desse caráter motivacional particular disperso para cada personagem, mitologicamente toda a orquestração do retorno do Oceanic à ilha é muito bem articulada dentro das possibilidades já regradas da série. Finalmente é detalhado o conceito de conexão do bolsão eletromagnético da ilha com o deserto da Tunísia – de onde surgiram Locke e Ben depois que giraram a manivela da ilha. Eloise explica sobre as conexões da ilha com outros bolsões magnéticos no mundo – só um apresentado era suficiente para essa lógica ser plausível –, e baseando-se na matematização de probabilidades das equações montadas possivelmente por Daniel, era possível traçar uma rota entre os pontos de conexão com picos de energia que seriam os mais prováveis locais por onde a ilha se moveria e escolher um voo que estivesse nesse trajeto na esperança de que aconteceria.

A temporada reforçaria novamente a ideia de alinhamento entre ciência e destino, onde a incerta probabilidade só poderia ser completada na fé de que iria dar certo. Desse modo, o retorno só foi possível graças à encenação do antigo cenário do acidente – todos os seis + o piloto que seria envolvido no outro acidente (Lapidus) + alguém em um caixão (no caso, Locke com os pertences de Christian) –, fazendo a noção do destino agir para resolver as questões inacabadas. Em vista que a emulação não era exatamente igual às condições iniciais, uma nova bagunça temporal foi remontada, levando Jack, Kate, Hurley e Sayid ao passado em que Sawyer, Juliet, Miles, Daniel e Jin estavam, deixando Sun, Ben e Locke no caixão no presente temporalmente estável. Não houve muito critério de separação, colocar Jin e Sun das linhas temporais, por exemplo, imagino que foi feito de sacanagem mesmo para manter o casal mais tempo sem se ver. Já Jack e Kate precisavam estar ao lado de Sawyer para serem dois contrapontos interessantes a sua nova personalidade, LaFleur – o tal grande personagem da temporada mencionado.

Tudo que envolve a sua virada é simplesmente espetacular. É o momento em que a quinta temporada de Lost prova que a série ainda tinha um controle primoroso de desenvolvimento das suas principais peças, sendo Sawyer ligeiramente aquele que estava mais defasado dentro da história. Em apenas um capítulo, intitulado LaFleur – disparado o melhor episódio da temporada –, a série consegue aglutinar todo o desespero da urgência anterior e direcioná-lo para a melancolia de todo o histórico anterior do personagem, enfim dando sua redenção numa oportunidade de evoluir ao lado da iniciativa Dharma e Juliet – quem diria – durante três mágicos anos de amadurecimento. Parece mancada não ter mostrado tudo que aconteceu durante esse salto temporal, mas honestamente, não precisava, pois as decisões de antes desse salto ser realizado e as que vão ser demonstradas depois que as confusões começam, quando Jack e Kate voltam, são tão bem sincronizadas que capturam todas as nuances que fizeram o personagem ter tamanha mudança.

Uma mudança não planejada sozinha, a transformação de Juliet anteriormente construída  é ainda mais compensada na reunião dos dois como casal, que como vários outros da série, podem ter sido montados em tempo curto, mas não deixam de ser extraordinariamente compráveis. Nesse caso, até melhora aquele quarteto amoroso confuso entre eles, pois com a volta, tudo começa a se corroer, principalmente para Sawyer, fazendo-nos duvidar se de fato todos aqueles sacrifícios para sair e depois voltar foram inúteis. É o início de um conflito que pode pôr tudo a perder, mas ainda precisava de um estopim maior para isso começar a se concretizar em todos os personagens, e obviamente esse que estava na possível descoberta dos membros da Dharma sobre a verdade de todos ali. Aí entra aquela problemática Sayid anteriormente mencionada, ele se torna esse grande propulsor desse inevitável conflito através de uma “involução” voluntária de seu personagem.

Na ideia de cada um estar voltando para um propósito, Sayid pensa no seu estar interligado ao de Ben pela conexão que ambos estabeleceram no último passado. Por ser considerado um “outro” quando capturado, Ben pequeno vai visitá-lo e o ajuda. O episódio todo tenta vender a ideia de que Sayid abraçaria esse destino de ser o responsável por unir Ben aos outros, temporariamente meio que se tornando um vilão por espontaneamente complicar a situação de Sawyer. E se isso já não parece forçado o suficiente – apesar de ainda coerente com o personagem que tem tendência ao lado escuro do tabuleiro –, ao final do capítulo ele ainda atira em Ben criança, levando a incerteza do gancho de continuidade se ele foi morto ou não, o que é profundamente sacana por parte da série. Parece realmente que ela se perdeu nesse momento, chutando o balde para a própria lógica como tentativa de manter o engajamento, técnicas baixas que Lost nunca precisou usar.

Torna-se mais forçado quando Richard leva Ben ao templo que visitará no futuro e dirá que “renasceu”, plot literalmente jogado ali para que esse acontecimento de alguma forma não traia a lógica de “o que aconteceu, aconteceu”. Contudo, existe uma cena de Ben criança após esse “renascimento” que demonstra que ele não perdeu a memória dos fatos recentes, assim, no futuro é incoerente que ele adulto não lembre que Sayid foi o homem que quase o matou e o que lhe firmou no grupo dos Outros. E é estranho porque todo esse plot fecha uma ponta muito mais insignificante, como o fato de Roger (seu pai) quando adulto ter se entendido com ele (The Man Behind the Curtain), parece que foi muito reflexo do medo de quase tê-lo perdido um dia, quando ele levou um tiro. Portanto, não dá para relativizar, aliás até dá, se for considerar que não existe uma linha temporal comum, como Hurley e Miles discutem, mas a série assume que tem posteriormente, ou seja, ela faz essa bagunça apenas para gerar o conflito, e na real, existiam várias outras ferramentas ali disponíveis que o fariam ser gerado, sem levantar dúvidas sobre os funcionamentos de sua lógica temporal.

Como posteriormente acontece com Kate, dando prosseguimento coerentemente ao estopim sendo a responsável por Ben aos “outros”, interligada na motivação que a fez voltar à ilha, no caso, encontrar Claire para que Aaron tenha sua mãe verdadeira de volta. Ela não podia deixar a temporalidade se alterar, portanto, Ben não poderia morrer ali. Simples, eficiente e ainda conclui tudo sobre sua relação de amizade com a mãe da filha de Sawyer. Outra sacada muito boa acontece com Miles, que nem exatamente participa da continuidade direta do conflito principal, mas ganha um episódio aos moldes antigos de flashbacks dramáticos, para enfim ter a sua história relatada. Um episódio bem nerd que faz paralelos diretos com O Império Contra-Ataca para potencializar o drama de sua problemática paterna com Chang, quando a viagem temporal surge como esse intermédio para propor uma redenção particular entre os dois. É belíssimo, bem divertido e ainda deixa o gancho principal com a chegada de Daniel à ilha novamente para o último encaminhamento do conflito.
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A Ilha no Presente da Volta

Lost

Como é que sabe para onde temos que ir? – Benjamin Linus

Eu apenas sei. – John Locke

Como é que funciona isso? Esse conhecimento. Foi algo que descobriu gradualmente ou você acordou um dia entendendo os mistérios do universo. – Benjamin Linus

Você não gosta disso, não é? De ter que fazer perguntas que não sabe as respostas… Seguir alguém cegamente na esperança de que levará você ao que está buscando. – John Locke

Não, John, eu não gosto mesmo. – Benjamin Linus

Bem… Agora você sabe como eu me sentia. – John Locke

Com a nova divisão temporal, surge a cartada derradeira do plano do monstro de fumaça sobre a manipulação de seus peões “especiais”, Ben e Locke. Processo que começa lá na primeira temporada, com sua primeira aparição física puxando John para um buraco, extremamente semelhante ao buraco em que a mesma fumaça puxa os aliados de Rousseau lá nas viagens temporais, transformando-os em peões do lado negro, o qual ela denominava como doença. Aquela é a primeira grande pista escancarada da temporada do que iria acontecer com Locke, mas claro que o roteiro não deixa tudo tão facilmente desvendável. Em The Life and Death of Jeremy Bentham é implantada a dúvida sobre o seu paradeiro, ele realmente voltou à vida na ilha por ser especial ou era outro alguém em seu corpo? Dá para matar a charada facilmente retomando pistas que a série toda nos deu e correlacionando-as ao contexto atual.

Se a ideia para o destino atuar e fazer com que os Oceanics voltassem era o cenário mais próximo possível do outro acidente, Locke seria o Christian, que em White Rabbit, lá na primeira temporada, havia também se soltado no caixão, porque tempos depois seria revelado como corpo da fumaça que recrutaria Claire e manipularia Locke na cabana (mentindo ser Jacob), dizendo que seu destino era mover a ilha para salvar todos e que tinha que ser ELE. Como Ben tomou a frente de mover a ilha pelo orgulho de querer ser o especial à frente do Locke, os planos da fumaça acabaram sendo adiados, mas de qualquer forma, a fumaça (Christian) consegue manipular os dois numa cartada só quando dá o direcionamento a Locke de que ele tem que se sacrificar para que o retorno se concretize, assim, Locke voltaria em um caixão e ele poderia assumir seu corpo.

Algo antecipado por Walt em The Life and Death of Jeremy Bentham, quando os dois se encontram e ele menciona que quem chegaria na ilha não seria o Locke, e sim alguém mais sombrio. Esse mesmo episódio também conecta tudo envolvendo o negro misterioso que trabalhava para Widmore e espionava os personagens antes do acidente. Enfim, para o plano do monstro ser possível, Locke-Fumaça usa Richard (que não sabe que ele é o fumaça) para convencer o Locke do passado de que ele tinha que morrer, um conselho seguido fielmente, pois teoricamente viria de si próprio de um futuro que concretizava esse destino, se não, não teria como ele ter se avisado, assim, o fumaça garante o sucesso de seu plano, mesmo com Ben tentando impedir de novo.

Ao impedir Locke do suicídio, Ben imaginava estar cancelando o sacrifício que tornaria Locke o “especial”, o que ele não sabia é que só bastava o Locke estar morto para roubar seu corpo. O monstro utiliza essa ideia na cabeça de Ben e o manipula também, diante das circunstâncias que o colocaram novamente ali, no caso, a morte de sua filha. A série aproveita essa oportunidade para dramatizar melhor a relação entre os dois, bem como explorar as origens da rivalidade entre Ben e Widmore. Nada exatamente profundo, novamente por serem flashbacks mais explicativos do que dramáticos, como aquela cena que mostra como Ben tinha acesso à “invocação do monstro”, mas é suficiente para ser convincente a acreditar que Ben sairia completamente disposto a aceitar tudo o que Locke dissesse, pois sua “filha” só o perdoaria se fizesse isso. O teatrinho da fumaça se concluiria ao fazer a encenação no mesmo templo em que Ben havia sido curado no passado (do tiro de Sayid), supostamente influindo que seu destino era realmente ser servo do verdadeiro especial, “Locke”.

Claro que tudo isso não fica exatamente evidente na mesma hora, as pontas só são conectadas na season finale, que revela que o corpo verdadeiro de Locke ainda estava no caixão, o que por sinal leva a um questionamento sobre o que aconteceu com o corpo de Christian, se o fumaça fazia a substituição literal, como poderia haver dois corpos de Locke? Então, a ideia é que não era feita uma substituição, mas nunca ficou exatamente claro essa regra, pois o corpo de Christian nunca foi mencionado ou encontrado em outro momento, ainda que a funcionalidade do monstro seja algo explorado na próxima temporada. Por enquanto esse assunto, assim como tudo envolvendo os ajudantes de Jacob que levariam o corpo verdadeiro de Locke para os “Outros”, parecem ser contribuições bem convenientes ao que a mitologia precisa naquele momento, mas como tudo em Lost, de alguma forma, alcançaria mais tarde a coerência.
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É Possível Mudar o Destino?

Lost

Você sabia. Você sempre soube. Sabia que isso iria acontecer… E me mandou para cá mesmo assim. – Daniel Faraday

No passado, Daniel foi o único que aparentemente não tinha se juntado à iniciativa Dharma, mesmo que tivesse aparecido com Shang na primeira cena. Isso porque, como dito, a morte de Charlotte havia o impactado muito, e ele retorna no antepenúltimo episódio da temporada, The Variable, no momento exato que acreditaria ser o possível para impedir que tudo acontecesse, no dia do incidente eletromagnético que fez a escotilha ser criada. Ora, mas não era ele que tinha dito as regras de que não poderia se alterar nada (o que aconteceu, aconteceu)? Sim e é justamente por isso que a série opta em “reverter” esse pensamento com suas palavras, jogando o público contra a parede para a pergunta final sobre aquilo tudo estar nas mãos da ciência, que na boca de Daniel, agora nessa reta final, passa a ser a possibilidade de mudar o futuro, ou da fé, que o destino de todos não poderia ser mudado, apesar da explosão.

Jack, que passa a temporada inteira passivo ao que a ilha vai oferecer em questão de destino, abraça a ideia “racional” trazida por Daniel para colocá-la no seu discurso que se revela ainda como o mesmo egoísmo de que ele é quem deve consertar as coisas. Como público, acreditamos na via de mão desse Jack disfarçadamente transformado e acreditamos ainda mais nisso quando Daniel morre, pois de impacto imediato, parece que essa morte significa que tudo pode se perder nesse passado, assim o único jeito de reverter a situação seria realmente apagando o futuro para que o acidente de avião nunca tivesse acontecido. Essa ambiguidade trazida garante um aspecto emocional fortíssimo de perda em jogo, que é diretamente atingido em Sawyer, não à toa foi o personagem mais desenvolvido para ser o mais crucificado ao final, cada pedaço do sonho que viveu vai escorregando de suas mãos, e é desesperador acompanhar isso porque foi uma escolha que ele optou fazer pelo mínimo de esperança de um dia eles voltarem, para isso ser o responsável pela queda de tudo que havia construído.

Essa desesperança e tensão tomam tanto o corpo de tela que se torna pouco perceptível olhar o momento da morte de Daniel como, na verdade, um confirmado de que o destino não muda. As variáveis e as pessoas não são o elemento que possibilita a mudança de um destino, na verdade são o que confirma que o destino atuou para uni-las na mesma equação. Daniel percebe isso no leito de morte, quando raciocina que sua mãe o usou a vida toda para descobrir a ilha e o mandou de volta sabendo que iria matá-lo, um ciclo que não poderia ser mudado, porque Eloise queria que ele realmente descobrisse como parar o destino para impedir que ela matasse o próprio filho. Assim, ela fomenta a ideia na cabeça de Daniel que não poderia se relacionar com ninguém, para que nada do destino interviesse sobre ele emocionalmente. No fim, sua primeira namorada, Thereza (mencionada no episódio em que Desmond vai procurar Eloise), acaba virando cobaia de um experimento que daria errado e possivelmente a mataria, e criaria um problema de memória a Daniel, que precisaria de qualquer jeito ir à ilha para conseguir curar e dar prosseguimento à tentativa de mudar o futuro.

Apaixonado por Charlotte, a culpa toma conta de Daniel por conta do que aconteceu com sua última paixão, assim ele não resiste e tenta convencer Charlotte criança de que ela não pode voltar, o que só despertaria no futuro mais curiosidade nela adulta em descobrir a ilha, aceitando entrar no cargueiro de Widmore, morrendo e dando a volta novamente no ciclo de Daniel, obcecado por tentar mudar o destino através da ciência. Nessa morte, a série já escolheria seu lado entre fé e ciência, mas resguardaria essa ambiguidade até o fim como forma de sustentar a máxima do aspecto emocional. The Incident é a primeira prova de que essa escolha funciona, quando a dualidade do dilema de perdas é segurada até o último segundo da catártica e sanguinária ação final, que só não é melhor conduzida porque precisa ser cortada dentre outros núcleos não tão interessantes num primeiro momento.

É legal ver Jacob pela primeira vez, mas até hoje acredito que ele poderia ser segurado um pouco mais, ou ficado nessa temporada somente na primeira aparição da cena inicial de The Incident, pois ela dá a motivação do segundo parâmetro climático do episódio, a busca do Locke-Fumaça em matá-lo, além de dar um gancho para o que seriam “Os Candidatos”, fortalecendo igualmente a motivação de Ben para matá-lo. O problema é quando se mostra a influência dele na vida de cada um dos personagens (no caso, cada candidato), quebra-se um pouco a grandiosidade climática do episódio. Diferentemente das outras season finale, aquelas cenas não exatamente influenciavam na dramática das duas linhas temporais, caracterizando-se mais uma vez naqueles flashbacks oportunos para explicação, que tinham que aparecer um tanto antes para não soarem jogados para a última temporada. Não são, embora a irrelevância ou a pouca quantidade de influência nas cenas em que Jacob apareceu para cada personagem diga o contrário, ela de algum modo monta a personalidade do ser mitológico e o que fez ele não influir diretamente nas ações da ilha até agora.

É demonstrado que ele quer seu candidato como alguém que escolha esse papel por livre arbítrio, por mais que ele fique responsável por convidá-los a participar de seu mundo. Diferente da fumaça, já é estabelecido que Jacob não é um manipulador barato, e isso é ótimo como base para desenvolvê-lo no futuro. Entretanto, não gosto nem um pouco de quando, logo em sua primeira aparição, ele aparentemente morre para o público no clímax do presente da volta à ilha. É um tipo de anticlímax para gerar continuidade que soa mais sacana do que inteligente – como tiveram alguns nessa temporada. Portanto, é bem válido acabar essa cena com “O Jacob serviu para só isso?”, claro que o aproveitamento viria posteriormente, mas não precisava ficar nesse climão, né? Cortava no encontro com antecedência e concentrava toda a sequência final no ato do passado, essa sim, que acaba no bom climão, no ápice do desespero das perdas, com Juliet praticamente morrendo caída dos braços de Sawyer lutando para fazer com que aquela bomba explodisse. Nunca esqueceremos do quão assustador foi aquela imagem do logo de Lost em branco…

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Enfim, depois de todo esse quase “explicado”, reforço que por ter essa característica transicional e assumidamente prolongada para fornecer explicações variadas de aspectos mitológicos e pontas que não necessariamente precisavam ser completadas, a quinta temporada de Lost é de fato como alegam, a mais fraca da série. Entretanto, creio que a julgam pelos motivos errôneos, o problema não está na falta de explicação, e nem nela em si na verdade, porque não é do tipo preguiçosa que está lá para mastigar para o publico o que ele quer. O problema foi desviar tanto a atenção com elas em território temporal que acabou a levando parando no tempo errado, dando a última colher de comida para aqueles impacientes famintos pelo fácil só vendo um caminho bem mais complexo a frente. Mesmo assim, são riscos como esse que a tornaram grande na história das séries, arcando com as responsabilidades do histórico que construiu, mas não abrindo mão nem nesse cenário, sobre aquilo que acredita.

Lost – 5ª Temporada (Idem | EUA, 2008-2009)
Criador(es): Damon Lindelof, Jeffrey Lieber, J. J. Abrams
Diretores: Jack Bender, Stephen Williams, Rod Holcomb, Paul Edwards, Mark Goldman, Greg Yaitanes, Bobby Roth.
Roteiristas: Damon Lindelof, Carlton Cuse, Edward Kitsis, Adam Horowitz, Elizabeth Sarnoff, Brian K. Vaughan, Melinda Hsu Taylor, Greggory Nations, Paul Zbyszewski, Kyle Pennington.
Elenco: Matthew Fox, Terry O’Quinn, Evangeline Lilly, Jorge Garcia, Josh Holloway, Naveen Andrews, Michael Emerson, Henry Ian Cusick, Elizabeth Mitchell, Yunjin Kim, Daniel Dae Kim, Emilie de Ravin, Jeremy Davies, Rebecca Mader, Ken Leung, Jeff Fahey, Alan Dale, L. Scott Caldwell, Sam Anderson, Sonya Walger, Nestor Carbonell, Mira Furlan, Tania Raymonde, John Terry.
Duração: 43 min. (em média) cada episódio – 17 episódios na temporada.

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