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Crítica | Loucos por Justiça

por Felipe Oliveira
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A vida pode aplicar peças inesperadas ou fazemos parte de algo interligado que ainda saberemos? Isto é coisa para o piloto de This is Us, mas talvez, por essas coisas improváveis da vida, Loucos por Justiça inicie como se fosse um conto, ou melhor, um típico conto natalino adocicado, esperançoso, com músico ao fundo e um tom simpático embrulhado numa simples cena numa bicicletaria: enquanto a música não para, a sequência pode parecer inofensiva, e é onde o longa já quer fisgar a atenção. Para uma história que previamente se trata sobre vingança, Anders Thomas Jensen, que já ganhou um Oscar pelo seu curta-metragem de comédia Election Night em 1999, apresenta o seu filme de forma branda, mas já nos dando razão de desconfiança para tal calmaria.

Retomando a parceria com Mads Mikkelsen após Depois do Casamento (o qual Jensen co-escreveu ao lado de Susanne Bier em 2006) e Men & Chicken, o novo trabalho do diretor dinamarquês pode funcionar muito bem como uma fábula hilária, por vezes catastrófica e improvável sobre a vida nesta trama onde um militar, Markus (Mikkelsen) descobre que o acidente de trem o qual causou a morte de sua esposa, Emma (Anne Birgitte Lind) e por pouco também de sua filha Mathilde (Andrea Heick Gadeberg), ora, não passou de algo arquitetado e em que ela foi uma das vítimas. A polícia não faz nada a respeito, e todos os sinais indicavam que este seria mais um caso de vingança implacável, tendo como diferencial o ator do recente Druk – Mais Uma Rodada de visual barbudo encarnando um brucutu. No entanto, conhecendo o estilo de Jensen de combinar comédia e drama em nuances inusitadas e humor ácido, o resultado não seria tão óbvio ao vir com um arco tão comum em filmes de ação.

O ponto de partida aqui surge de maneira abrupta com um gesto de gentileza num trem sendo interrompido por uma batida e apagão — olha a calmaria indo embora —, e é nessa abertura que Jensen já insere sua conjectura acerca da vida, uma vez que, a tragédia traz sempre consigo o questionamento do “por quê comigo?”, ou “por que isto aconteceu agora?”, como se fosse inevitável, quando somos surpreendidos por alguma fatalidade, irmos em direção a linha infinita de pensamentos e finalidades para formar um sentido. À medida que os personagens de Riders of Justice (no original) avançam para tentar firmar um significado e justiça pelas motivações por trás do acidente, o roteiro de Jensen é inteligente o suficiente para fazer o telespectador embarcar nesse abismo que mistura várias facetas dos personagens, afinal, o filme não pretende se limitar no caminho que se espera pelo estilo da trama, pois a proposta aqui trata sobre relações, traumas, do sentimento do luto, e principalmente, sobre encarar a chacoalhada que a vida deu por um meio trágico.

A maior parte desses tópicos, claro, são centrados em Markus e Mathilde, cuja interação entre pai e filha já se mostra afetada e de difícil concordância: a ausência paterna, o jeito duro e retido querendo impor uma facilidade, ou até mesmo normalidade para seguir com a situação, enquanto a ainda adolescente acha que um acompanhamento psicológico seria ideal para se ajudarem. Em dado momento, o roteiro de Jensen consegue inserir um questionamento acerca da perda e do luto sob a ótica da religião; a morte de Emma já aconteceria de qualquer forma? Foi fruto de uma consequência? Lugar errado e na hora errada? Esse não seria o aspecto com foco na narrativa, mas é um exemplo do domínio e maturidade do texto em conseguir transitar em questões que surgiriam naturalmente numa situação de perda e diferente pressão que cada figura sente.

Junto desses acertos, a direção de Jensen também se mostra formidável quando o assunto são os personagens. O enredo se encarregou de trabalhar com vários elementos sendo arrastados num efeito cascata graças a um fato: não foi um acidente. A graça nesta responsabilidade, é que foi possível sentir o diferencial no caminho traçado, quando as escolhas substituem frases de efeitos, segundos de demonstração de talento ou peso para os papéis, simplesmente se apoiando nas personalidades distintas se reunindo para realizar algo que com o cálculo parecia infalível: vingança. Há sequências tão irreverentes e constrangedoras aqui, sejam numa explosão de raiva ou efeito cômico, que parecem improvisadas pela maneira descomprometida e dúbia que o roteiro joga, conseguindo o resultado de serem pitorescas e ácidas, funcionando dentro de uma trama que em sua maior parte dialoga com o drama e filosofias. Loucos por Justiça lança todas as cartas, e para o bem de sua relevância, não soam simplesmente jogadas.

Nesta busca por algo que suprisse a sensação de impunidade ou de fazer valer a perda, Jensen ressalta em seu texto que a vingança pode muito bem ser cega e improvável; ter uma razão pode não levar a lugar algum. A ideia desenvolvida parte no que um simples ocorrido culminou no decorrer da trama. É como se neste conto, Markus e as figuras que com ele se une, dançassem incertos cutucando a onça com vara curta. Ou sob outra ótica, seria tudo sobre coincidências e consequências? De um jeito ou de outro, se torna um ato irônico chegar ao ápice com os personagens lidando agora com as rachaduras que criaram, enquanto outrora buscavam por reparação e este ser o desfecho. E voltamos para o começo: o tocar de instrumental leve e harmonioso, a neve, a calmaria, que bem, pode parecer debochado, mas foi a forma genial em que Jensen finalizou esse exercício de casualidades. Em uma ponta, a parte “azarada” depois da tempestade, e na outra, a parte intocável mesmo depois da tempestade.

Loucos por Justica (Retfærdighedens Ryttere / Riders of Justice) – Dinamarca, 05 de agosto de 2021
Direção: Anders Thomas Jensen
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Elenco: Mads Mikkelsen, Andrea Heick Gadeberg,Nikolaj Lie Kass, Lars Bygmann, Nicolas Bro, Gustav Lindh, Rolland Møller, Jacob Lohmann, Gustav Dyekjaer Giese, Albert Rudbeck Lindhardt, Omar Shargawi, Anne Birgitte Lind
Duração: 116 min.

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