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Crítica | Lovecraft Country – 1X08: Jig-a-Bobo

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.

Jig-a-Bobo começa ousando ao estabelecer uma elipse de pelo menos uma semana que marca o brutal assassinato de Emmett Till – que, conforme descobrimos, era Bobo, um dos melhores amigos de Diana (Dee) -, mas sem mostrá-lo, sem mostrar sequer o corpo do garoto cujo inacreditável linchamento no Mississípi e velório com caixão aberto em Chicago marcou a história da luta pelos direitos civis nos EUA, transformando o jovem em símbolo póstumo do movimento. Toda essa situação, que é integralmente vista a partir da reação dos personagens a todo o horror, exige alguns minutos de aclimatação pelo espectador, muito provavelmente porque, assim como aconteceu com a sequência do Massacre de Tulsa em Watchmen, pouca gente infelizmente conhece ou se lembra do ocorrido.

A escolha de Misha Green – que dirige pela primeira vez em sua carreira – em focar na visão de fora para dentro é brilhante e cria um impacto imediato na narrativa como um todo, afetando cada personagem de maneira diferente, com especial foco em Dee que luta com sua dor fugindo pelas ruas até ser abordada brutalmente pelo capitão de polícia que está atrás do planetário e coloca um maldição na jovem que passa a ser perseguida por duas versões assustadoramente malignas de Topsy, a menina escrava de A Cabana do Pai Tomás, obra anti-escravagista seminal que contribuiu muito para a abolição nos EUA, mas que, com adaptações posteriores, acabou ganhando uma injusta aura ruim e depreciativa dos negros.

Se Hippolyta foi a estrela absoluta em I Am., agora é a vez de sua filha brilhar, com Jada Harris sequer hesitando um segundo para mostrar sua qualidade dramática ao construir uma personagem que usa sua tristeza e raiva – a morte de Bobo, de seu pai e o desaparecimento de sua mãe são fatores essenciais, claro – para não só enfrentar o Capitão Lancaster com uma merecida cusparada em sua gravata, como também as aparições, o que a leva a usar a garagem de seu pai como seu Álamo, com direito até a um trecho do discurso de Naomi Wadler em 2018. Tudo o que gira ao redor de Dee funciona muito bem, inclusive a forma quase que banal com que ela absorve a existência de mágica, pois não há mais espaço na série para “curvas de aprendizado”. Afinal, ela é uma criança e, se tem alguma faixa etária mais suscetível a acreditar em magia – normalmente benigna, claro, mas essa não é a realidade de Dee – é justamente esta.

Mas o mesmo não pode ser dito de algumas outras abordagens. A que talvez mais chame atenção seja a chegada de Ji-Ah e a revelação do que ela exatamente é tanto para Tic quanto para Leti. Quando a sequência larga Ji-Ah e foca na briga de Leti com Tic por ele ter escondido seu encontro com o sobrenatural na Coréia do Sul, Jamie Chung é completamente desperdiçada. Considerando o avançado da série, espero que ela não seja apenas utilizada como uma deus ex machina, especialmente depois do sensacional Meet Me in Daegu ter lhe dado um excelente história pregressa. Mas o que realmente causa espécie é que esse segredo de Tic, agora revelado, deixa às escâncaras os segredos que são ainda mantidos assim. Leti reclama de Tic, mas esconde sua gravidez dele. Os dois e Montrose escondem de Dee o desaparecimento mágico (ou seria tecnológico?) de Hippolyta e há pouco Montrose escondia do filho sua orientação sexual. E eu poderia continuar, pois Leti também esconde a marca de Caim de Tic e Ruby somente aqui conta seu segredo a Leti, com a própria Dee não correndo para os adultos para pedir ajuda contra as aparições.

Sei que isso faz parte da dinâmica da série, mas a forma como Leti reagiu à presença de Ji-Ah trouxe esse efeito dominó em minha mente quase que imediatamente. Considerando o quanto de mágica cada um tem conhecimento no momento, essa maneira fragmentada de agir parece-me contraproducente para dizer o mínimo.

Por outro lado, a forma como Ruby luta contra a dor leva a um excelente momento de confrontação com Christina. Se Ruby joga no colo de sua “parceira” o fato de ela nada sentir pela morte de Till, ela recebe de volta outra verdade, que talvez a própria Ruby não sinta o tanto que diz que sente. Esse egoísmo é inclusive reiterado na sequência do quarto escuro em que Ruby conta para Leti que sabe sobre mágica, já que vemos, naquele momento, que ela quer aprender encantamentos para seu próprio uso e não exatamente para o bem da humanidade ou mesmo de sua comunidade. Como disse algumas vezes, um dos aspectos mais interessantes de Lovecraft Country é retirar dos mocinhos aquela unidimensionalidade tradicional que, lá no fundo, até esperamos que seja assim de forma a torna mais fácil torcermos por eles. Aqui, todos por quem “devemos” torcer – talvez com exceção de Hippolyta e Dee – tem diversas facetas e algumas delas nada agradáveis.

Mas essa mesma sequência potente na mansão de Christina leva a um momento estranho em que ela paga dois homens para matá-la exatamente da mesma forma que Till fora assassinato. Aquilo que não vimos antes em uma escolha excelente da diretora, co-roteirista e showrunner, ganha forma diante de nossos olhos, mas talvez não com o resultado desejado. Aliás, não sei dizer exatamente qual foi o resultado desejado, confesso, mas pareceu-me um tentativa bizarra de Christina de tentar sentir alguma empatia pelo jovem morto, mas que, na verdade, acabou sendo uma sequência gratuita que, arriscaria dizer, chega a banalizar o tragédia.

Na gangorra de altos e baixos – com altos bem altos e baixos não tão baixos assim – temos que lembrar a sensacional revelação de que Tic foi para o futuro e que aquele livro que ele trouxe de volta não foi escrito pelo George Freeman que já conhecemos, mas sim por seu filho. Só eu que fiquei com vontade de ver um episódio extra dedicado a essa viagem de Tic? Seja como for, o encantamento que ele e seu pai fazem (a revelação da dislexia foi completamente perdida na história e não faz o menor sentido deixar magia na mão de um disléxico se cada palavra for importante, mas…) e que aparentemente não resulta em nada, somente para tudo explodir em um shoggoth protetor de Tic que despedaça os policiais, inclusive – e especialmente – o capitão Lancaster, foi uma daqueles vários momentos absolutamente deliciosos da série. Na outra ponta, não sei se gosto da invulnerabilidade de Leti, mas veremos no que isso vai dar…

Lovecraft Country nunca deixa de surpreender de alguma maneira, mesmo dentro de um episódio funcional, pensado com mais foco no impulsionamento da narrativa do que em viagens cósmicas ou para o passado. Ao trazer o assassinato de Emmett Till para servir de base narrativa, Jig-a-Bobo é novamente um acerto, ainda que ele tenha seus problemas aqui e ali.

Lovecraft Country – 1X08: Jig-a-Bobo (EUA, 04 de outubro de 2020)
Showrunner: Misha Green (baseado em romance de Matt Ruff)
Direção: Misha Green
Roteiro: Misha Green, Ihuoma Ofordire
Elenco: Jurnee Smollett, Jonathan Majors, Michael K. Williams, Aunjanue Ellis, Abbey Lee, Jada Harris, Wunmi Mosaku, Mac Brandt, Jamie Chung
Duração: 60 min.

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