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Crítica | Lovecraft Country – 1X10: Full Circle

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.

Full Circle é um episódio de encerramento de temporada – ou até de série, não sei – que realmente tinha como objetivo cruzar todos os Ts e colocar todos os pingos no Is e, por isso, o roteiro final de Misha Green, baseado em argumento dela e de Ihuoma Ofordire, é um foguete acelerando enlouquecidamente para chegar ao seu objetivo e, no meio do caminho, derramando explicações e reviravoltas para fazer todas as peças encaixarem-se. E elas efetivamente encaixam-se, mas, infelizmente, somente na superfície.

Se o plano ancestral todo em vermelho para aonde vão Tic e Leti no momento em que eles quebram o encantamento para abrir o Livro dos Nomes é uma ideia excelente e muito bem executada que permite que o casal faça as conexões históricas necessárias para dar volume e contexto à narrativa, tornando-a mais ampla do que parecia e com direito a vermos Hanna (Joaquina Kalukango), Hattie (Regina Taylor) e Dora (Erica Tazel) com mais vagar e se o encantamento que traz Titus Braithwhite (Michael Rose) de volta é uma sequência excepcional, que imediatamente me lembrou a possessão de Tic no porão de Leti, todo o restante foi, para ser simpático, apenas burocrático e, diria, desapontador. Aliás, minto. Quase todo o restante, pois os sete cantando “Sh-Boom” dos The Chords resultaram em alguns belíssimos segundos de união familiar antes da tragédia.

O ponto mais relevante é uma afirmação que talvez seja controversa, mas que, sinceramente, acho que faz sentido: Christina não é exatamente uma vilã. A série tem o racismo sistêmico como grande vilão, algo que é dolorosamente visto na viagem de carro do primeiro episódio, no assassinato de Emmett Till, no encantamento de Dee, na recriação do Massacre Racial de Tulsa e em mais um sem-número de situações tenebrosas que Green não se furta em utilizar o máximo possível e com excelentes resultados no geral. Os Braithwhite e todos os magos brancos que orbitam ao redor deles eram, claro, os símbolos ficcionais desse horror todo, mas Christina, logo ela, era a única que não parecia ter preconceito racial, pelo menos não em qualquer nível semelhante aos demais brancos que vemos em tela. Seu desejo de ser imortal era próprio dela e desconectado com raça e sua vontade de matar Tic não era exatamente vontade, mas sim necessidade dado seu objetivo. Ela no máximo poderia ser a metáfora para toda a opressão causada aos negros ao longo dos séculos nos EUA.

E isso esvazia um pouco a catarse de sua morte. Claro, ela matou Ruby off-screen – mas, novamente, porque sua amante iria traí-la, não porque ela negra – e claro ela queria matar o “herói” da série, mas sua mais do que esperada e também merecida morte ao final não combina com Leti dizendo que o feitiço era muito maior e que, agora, a magia é exclusiva de pessoas de cor (o efeito que Hanna queria). Entregar o poder para os negros pela primeira vez é uma escolha magnífica de roteiro, vale dizer, tanto que ela precisava de mais pompa e circunstância, mais ressonância dentro do episódio e da série. Mas isso inexiste em Full Circle justamente porque o contraste é em relação a alguém que não carrega diretamente a culpa ancestral que o roteiro tenta impingir nela. Afinal, temos que combinar que, em toda a cadeia de brancos genocidas, Christina era quase que literalmente inocente. Não sei, mas teria sido mais interessante que, de alguma forma, ela fosse um avatar inconsciente de Titus cuja reencarnação, aliás, mostra-se particularmente poderosa, inclusive fugindo do círculo de encantamento ou algo mais amplo. Christina certamente não tinha o peso para carregar com sua morte a libertação necessária ao final, algo que acaba impactando também no quão pouco a morte do próprio Tic – que tinha certeza de seu fim – parece ecoar.

Mas tem mais. Lembram-se que comentei diversas vezes que o bacana nessa série – com exceção de Dee e talvez Hippolyta – era que todo os personagens por quem deveríamos torcer são “defeituosos”? Tic é intolerante, Montrose violento, Leti egoísta e Ruby volúvel? Pois bem, aqui no encerramento pelo menos Tic e Leti não aprenderam absolutamente nada com os acontecimentos, já que, sem pudor, cada um parte para aliciar aliados quando lhes é conveniente. Tic, depois de enxotar Ji-Ah da casa de Leti, corre atrás dela para pedir ajuda e Leti, mais uma vez, aproxima-se de sua irmã para pedir um favor, algo que inclusive Ruby deixa bem claro. E, com isso, o pior acontece. Ji-Ah, que basicamente entra muda e sai calada, tem seus cinco segundos de raposa ex machina usando suas caudas para fazer a união necessária para a magia funcionar (Misha Green poderia escrever um livro sobre como desperdiçar uma personagem…) e Ruby, que vinha sendo magnificamente construída como uma personagem dúbia, acaba caninamente tentando ajudar sua irmã, pagando um preço alto por isso (seria incrível se ela acabasse sendo uma sucessora de Christina ao final, já imaginaram?).

Outro incômodo grande é a velocidade vertiginosa como as “revelações” e “reviravoltas” são abordadas por meio das visões de Ji-Ah, como a explicação de como surgiu o novo feitiço de invencibilidade em Leti e, também, como o shoggoth preto de Tic conectou-se com Dee, explicando o monstro ex machina. Parece a versão fast forward dos diálogos expositivos sobre quem é o criminoso ao final de cada episódio de Scooby-Doo. Por outro lado, o finalzinho que parece posicionar a pequena Dee como a ciborgue sanguinária dos infernos mostra promessa e eu não ficaria nada triste em continuar acompanhando suas aventuras dimensionais e temporais ao lado de seu bichinho de estimação e de Orynthia Blue.

Claro que Lovecraft Country é mais do que seu final. Claro que a temporada como um todo tem enorme valor artístico e dramático, com uma mensagem poderosa e essencial que precisa ser compreendida. Mas, inevitavelmente, finais sempre marcam e Full Circle, apesar de realmente fazer o que promete no título e fechar o círculo sob o ponto de vista prático e de conter momentos realmente muito bons em sua primeira metade, não consegue entregar o tipo de encerramento que uma obra dessa magnitude merecia.

Lovecraft Country – 1X10: Full Circle (EUA, 18 de outubro de 2020)
Showrunner: Misha Green (baseado em romance de Matt Ruff)
Direção: Nelson McCormick
Roteiro: Misha Green (baseado em história de Misha Green e Ihuoma Ofordire)
Elenco: Jurnee Smollett, Jonathan Majors, Michael K. Williams, Aunjanue Ellis, Abbey Lee, Jada Harris, Wunmi Mosaku, Jamie Chung, Joaquina Kalukango, Regina Taylor, Erica Tazel, Michael Rose
Duração: 60 min.

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