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Crítica | Lua Azul

Mais uma joia com alto teor psicológico do cinema romeno.

por César Barzine
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Desde os anos 2000, a cinematografia romena vem sendo uma das mais chamativas em todo o mundo. Histórias minuciosas e de abordagem intimista têm formado belos ensaios sobre o comportamento humano, obtendo esse sucesso sem apelar a um tratamento obscuro dos problemas que enfrentam seus personagens, mas sim por um viés de frieza, um distanciamento ao olhar para os transtornos que rondam as relações sociais. Lua Azul enfrenta essa mesma dinâmica numa história de uma jovem que é ofuscada por sua família, tendo seu ideal de progresso vilanizado pela mentalidade rústica presente neste convívio.

Em dado momento do filme O Colecionador, o protagonista John Fowles acusa sua paixão platônica, Miranda, de elitismo e arrogância pelo simples fato dela estimar uma obra de Picasso. John tem o seu desejo por Miranda amargado pela sensação de que ela é uma pessoa superior por pertencer a um universo de classe mais elevada. O ressentimento atormenta o seu ego, levando ao filistinismo de sua conduta. Esse mesmo complexo de inferioridade se faz presente em Lua Azul, em que uma família se sente intimidada pela erudição e as aspirações de Irina, que almeja sair do ambiente rural onde vive e fazer um curso superior. O que poderia ser um coming of age, acaba sendo quase que um terror psicológico sem qualquer apego aos clichês nessa fase de mudanças.

O filme já começa numa cena meio maluca de Irina sendo atacada por sua irmã. Tal momento pode ser encarado como uma síntese do modo de como parte dos familiares de Irina a tratam. Outro momento ambíguo e vago é a experiência sexual que ela passa numa festa. Irina dorme com um homem, mas ao acordar não se lembra de nada, levando a forte sugestão de que houve um estupro. Ela toma consciência de quem foi seu parceiro, o que não esclarece as coisas por completo, no entanto acaba não se importando tanto com isso, pois passa a desenrolar com essa mesma pessoa uma relação amorosa.

Liviu, primo dela, não gosta de seu novo namorado, da mesma forma que também não gosta do companheiro de sua outra prima. O motivo se concentra no fato dele ser judeu, colocando num patamar ainda mais forte todo o lado agressivo e rude que possui. Um sujeito extremamente provinciano, é um homem preso a suas raízes, apegado a dogmas que corrompem a harmonia de seu tecido familiar. Após agredir o parceiro judeu de sua prima, essa, numa reunião familiar, se revolta completamente, enquanto a reação de seu pai é somente tentar minimizar o clima em frente a uma autoridade religiosa que estava presente. Trata-se de uma família presa a um firme ideal de produtividade no negócio que possuem, estando sob total processo de vigilância para ninguém sair dos trilhos. Daí vem a aversão por Irina ir estudar distante deles e o antissemitismo de Liviu. Os demais transtornos decorrentes – um deles tão agressivo quanto este último citado – também não ocupam nenhum ponto de reflexão para os chefes daquela família.

Para Liviu, o que importa em relação a cada membro familiar é apenas continuar mantendo o fluxo de labor na respectiva empresa em que faz parte. Ele se dedica completamente a este trabalho, levando Irina a alguns de seus afazeres – onde ela irrita o rapaz através de simples comentários que apresentam seu notório conhecimento. Assim surge uma comparação com outro filme romeno, Graduação, que possui um argumento cuja protagonista – também uma jovem prestes a ingressar na faculdade – enfrenta um problema oposto – e, ao mesmo tempo, parecido – ao de Irina: no filme de Cristian Mungiu, a jovem Eliza se sente completamente pressionada por seu pai a seguir o caminho que ele planejou para ela – cursar Psicologia em Cambridge. Não que a adolescente deixe de corresponder a essa ideia, mas o determinismo em torno deste rumo a tomar é tamanho que a sua posição como indivíduo é sufocada pela mentalidade ultrapragmática de seu pai. Já em Lua Azul, a pressão e o pragmatismo correm por um caminho oposto, que é prender Irina a aquele mundo e, consequentemente, fornecer um julgamento moral pelo desejo de ir além.

A permanência de Irina naquele meio e, principalmente, ao lado de Liviu, é de uma violência que acaba sendo elevada em passagens como a que ele corre atrás de sua prima no campo, evidenciando uma espécie de caça contra ela; e também quando Irina, já completamente atordoada por aquela vida, relembra do caso em que seu primo a agrediu após socorrer ela num afogamento. Ou seja, a ojeriza dele por ela vai além de meras questões específicas. Talvez seja também um caso de machismo por ter uma mulher na família indo muito mais longe do que ele – uma problemática que não é muito explícita dentro do filme, mas ainda sim carrega uma coerência. Em meio a tamanha toxicidade, o clima de Lua Azul não é nem áspero e nem melancólico demais. A produção cria um senso de despertencimento, mas sem espaço para monólogos existencialistas que poderiam facilmente pasteurizar a narrativa e suavizar esse lado seco que funciona de maneira brutal aqui.

Lua Azul (Crai Nou) – Romênia, 2021
Direção: Alina Grigore
Roteiro: Alina Grigore
Elenco: Ioana Chitu, Mircea Postelnicu, Mircea Silaghi, Vlad Ivanov, Ioana Ilinca Neacsu, Ioana Flora, Robi Urs, Ionut Achivoaie, Ion Arcudeanu, Alex Aninosanu, Ioana Asofiei
Duração: 85 minutos.

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