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Crítica | Lua de Fel

Interessantes alegorias sobre estes relacionamentos tempestuosos.

por Leonardo Campos
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Em sua carreira de filmes controversos e vida pessoal polêmica, Roman Polanski se firmou como um cineasta peculiar, realizador de poucas narrativas se comparado ao fluxo de realização de mestres do cinema mais assíduos com a indústria. Lua de Fel, drama com doses generosas de erotismo, lançado em 1992, é uma dessas pérolas oriundas de períodos relativamente longos de pausa, haja vista o desaparecimento do diretor durante a década de 1980. A recepção, como já era de se esperar, foi turbulenta, com algumas críticas favoráveis que compreenderam o estilo e a perspectiva exagerada da história cheias de camadas de interpretação não disponíveis imediatamente em sua superfície, num contraponto com os críticos que consideraram a trama um emaranhado misógino e burlesco de relações sexuais perversas e banais, pensamento típico dos espectadores puritanos que ainda enfrentam tais temáticas com assombro.

E sim, há em Lua de Fel alguns elementos tangenciais com o desenvolvimento de personagens femininos fatais, aquelas figuras que usam a sexualidade e o poder de sedução para derrocar homens que se encantam facilmente com o perturbador canto destas sereias que constantemente estão presentes na cultura cinematográfica, reinventadas a cada prisma fornecido por roteiristas, diretores e produtores diferentes. Dirigido por Polanski, com base no roteiro assinado pelo próprio diretor em função colaborativa, ao lado de Gerard Brach, John Brawjohn e Jeff Cross, inspirados pelo romance de Pascal Brukner, acompanhamos a trajetória de um casal, Nigel (Hugh Grant) e Fionna (Kristin Scott-Thomas) que acabou de completar sete anos de casamento. Eles embarcam num cruzeiro rumo ao território indiano, tendo em vista melhorar o casamento e reforçar os votos de uma relação branda, já desgastada pela mesmice do cotidiano e pela falta de reinvenção.

Durante o percurso turístico, eles conhecem uma francesa, Mimi (Emanuelle Seigner), e seu marido paraplégico, Oscar (Peter Coyote), homem enigmático que aos poucos revela a sua curiosa relação com a esposa. Assim, neste filme hedonista sobre se apegar ao prazer e se deixar levar pelos desejos, Nigel observa que na ousada relação do casal, há muito mais emoção que o seu período de compromisso com a esposa. Num determinado momento, Mimi dança sozinha no bar do navio. “Aceso”, o personagem de Grant fica atordoado com a sensualidade da jovem. Será essa curiosidade que o levará até a moça e, consequentemente, ao seu marido, homem que lhe revela a história por detrás de sua deficiência adquirida numa situação inusitada. Ao narrar a sua história para o mais jovem, Oscar delineia o seu interesse pela escrita literária, mas a frustração por ser um fracassado que nunca conseguiu publicar nada.

Esse desalento na veia literária também toma de assalto o seu relacionamento obsessivo com Mimi, uma mulher que ele maltratou constantemente e que, depois, colocou-o em seu devido lugar, numa saga de vingança e manipulação envolvendo um forte esquema de erotismo. É quando as revelações sobre bondage, sadomasoquismo, voyeurismo, dentre outras práticas, revelam as predileções deste casal que vive audaciosamente os seus interesses sexuais. Mimi, antes ferida, se torna afiada em situações que vão da visita cruel ao companheiro internado após um acidente automobilístico e uma arma dada de presente ao homem que constantemente lhe revela ter interesse em ceifar a própria vida. Descobrimos, nesta reversão de Mimi, ser a jovem a responsável por tornar Oscar em recuperação em um homem impossibilitado de caminhar para sempre. Em linhas gerais, um casal aprende com o outro e no desfecho, algumas histórias se encerram para sempre enquanto outras ganham fôlego para seguir adiante.

Para contar a sua história, o cineasta Roman Polanski conta com uma eficiente equipe. Nos figurinos de Jackie Budin, temos a expressividade das cores que expõem os contrastes oriundos das dimensões físicas, sociais e psicológicas de cada personagem. Na direção de fotografia de Lua de Fel, Tonini Delli Colli cria quadros com movimentação sensual, captação de imagens acompanhadas pela textura percussiva sempre muito eficiente de Vangelis, atmosférica ao compor os temas que simbolizam os comportamentos e estados espirituais de cada figura ficcional que circunda pelos também eficientes espaços concebidos pelo design de produção de Willy Holt e Gerard Viard, dupla responsável por fazer do navio um ambiente propício para as alegorias dispostas no desenvolvimento dos diálogos e nas ações nos personagens. Cada objeto de cena é pensado para expor, pelo jogo de interpretações dos espectadores, os esquemas psicológicos que movem as peças deste vertiginoso jogo corrosivo e erótico.

Ao longo de seus 139 minutos, extensivos demais para uma proposta que se completaria tranquilamente em um punhado a menos de narrativa, Lua de Fel traz interessantes alegorias sobre estes relacionamentos tempestuosos, como por exemplo, na agitação do mar e na efusiva festa de réveillon, momentos de intensidade que dialogam com os acontecimentos em torno dos personagens. Neste clima há ainda espaço para alguns momentos de tensão lésbica, mais sugerida que cometida, numa produção que demonstram a pavimentação de um relacionamento apaixonante que se tornou odioso (Oscar e Mimi), preocupação para os jovens Nigel e Fiona, arrebatados pelos ensinamentos deste breve período tomado por um tema constante na cinematografia de Polanski, isto é, o desejo e o prazer oriundo dessas vontades, algo que se desdobra em momentos de dor e sensações angustiantes, com um pouco de gozo, nem sempre sexual, mas psicanalítico, gerado pela busca de seus personagens por atendimentos aos anseios que os corroem por dentro.

Lua de Fel (Bitter Moon | França – 1992)
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski, Gérard Brach, John Brownjohn (Baseado em obra homônima Pascal Bruckner)
Elenco: Peter Coyote, Emmanuelle Seigner, Hugh Grant, Kristin Scott Thomas, Victor Banerjee, Sophie Patel, Patrick Albenque, Smilja Mihailovitch, Leo Eckmann, Luca Vellani, Richard Dieux
Duração: 139 minutos

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