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Crítica | Lunar

por Fernando Campos
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Muito antes de dirigir o milionário Warcraft, o cineasta Duncan Jones iniciava sua carreira através do cinema independente e logo de cara escolheu um dos gêneros mais complexos de serem trabalhados: a ficção científica – e que melhor gênero poderia, o filho de David Bowie, escolher? Aliado a isso, ele produziu um filme onde o protagonista aparece sozinho quase que a projeção toda, tornando ainda mais difícil a tarefa de entreter o público. Portanto, temos em Lunar um diretor inexperiente, junto de um gênero complexo, com apenas um personagem em tela durante grande parte do tempo, ou seja, todos os componentes para dar errado. Mas o que Jones consegue aqui é o oposto, apresentando uma das ficções mais interessantes da última década.

A obra mostra Sam Bell (Sam Rockwell), um astronauta que cumpre uma missão de três anos na Lua, em uma base instalada pela Lunar Industries. Sua função é extrair do solo e enviar regularmente à Terra uma substância que ajuda a renovar a energia do planeta. Sam tem apenas a companhia do computador GERTY (Kevin Spacey) e está ansioso para completar o trabalho, uma vez que, começa a sentir o peso da solidão e saudade de sua família. Só que, repentinamente, ele começa a delirar e sofre um acidente. A partir de então, encontra um clone dentro da estação lunar.

A sensação de isolamento descrita na sinopse é extremamente bem construída graças a uma excelente direção de Duncan Jones, utilizando vários planos abertos, planos gerais médios e planos gerais, isolando o protagonista na composição e criando uma forte sensação de isolamento. A direção de arte também reforça a solidão do protagonista com cenários onde predominam o branco e cinza, que, aliado ao figurino de Sam que normalmente utiliza essas cores, destaca como ele é quase parte orgânica daquele local. Para complementar, a bela trilha sonora de Clint Mansell, responsável pela música de Réquiem para um Sonho, aparece pouco, apenas em momentos dramáticos, aumentando ainda mais o sentimento de afastamento.

Outro enorme mérito de Jones como diretor é o trabalho realizado com o baixo orçamento de 5 milhões de dólares (valor baixíssimo comparado à Hollywood), recriando com perfeição a superfície da Lua e tornando totalmente crível tanto os veículos espaciais quanto a base fixada no satélite da Terra, através de maquetes em grande escala, recurso eficiente que, infelizmente, muitos diretores abrem mão hoje em dia para utilizar efeitos digitais totalmente artificiais.

Além de uma boa direção e trabalho técnico eficiente, é fundamental para um filme cujo foco está todo no protagonista que ele funcione, caso contrário, a trama toda desmorona junto dele. Mas o roteiro é competente em explorar todo o peso que o isolamento traz para Sam e como aos poucos aquilo afeta a sanidade dele, por exemplo, na cena na qual ele sonha que está beijando sua esposa na cama e acorda no exato momento em que iniciariam o ato sexual, ressaltando como abstinência já está afetando a mente do protagonista.

Mais do que isso, o roteiro mergulha fundo na mente de Sam a partir do momento que seu clone aparece na trama e toda a dualidade do personagem é ressaltada, uma vez que, enquanto um é agressivo e impaciente, o outro é delicado e gentil, como se fossem duas facetas de sua personalidade. Esse conflito interno do protagonista fica claro na cena onde os dois brigam e, junto do momento em que Sam diz que esteve afastado de sua esposa por causa do seu temperamento, mostra como aquilo é uma disputa da pessoa que ele é, contra o que ele deve ser para agradar sua amada.

Claro que esse conflito de Sam impacta e atinge o público graças a uma excelente atuação de Sam Rockwell, possivelmente uma das melhores de sua carreira. O ator consegue diferenciar perfeitamente o protagonista de seu clone, através de duas composições que contrastam, uma vez que, um tem a voz mansa e serena, enquanto o outro demonstra clara impaciência ao conversar. Além disso, ele transmite a saudade que o personagem sente de sua família, a insanidade que o isolamento está acarretando sobre sua mente e a agressividade que fez sua esposa pedir um tempo.

Outro ótimo recurso inserido pelo roteiro é Gerty, um robô-computador, que foi construído de forma criativa pelo design de produção, utilizando emoticons para ressaltar o que está pensando, uma estratégia interessante para criar automaticamente vínculo com o público. Não apenas isso, a dublagem de Kevin Spacey também contribui para criar um personagem acolhedor, com uma voz sempre amável e receptiva.

Por fim, além de um pequeno plot twist na metade e outra grande reviravolta no desfecho do longa, adicionando um peso dramático enorme à história, o roteiro também insere uma sutil crítica a exploração das grandes corporações sobre seus funcionários, ressaltando como essas empresas muitas vezes usam dos meios mais inescrupulosos para atingir seus objetivos, subtexto que ajuda a dar importância para a trama.

Numa época em que as ficções cientificas prezam pela grandiosidade e uso desenfreado de efeitos especiais, vide Interestelar, Lunar aparece como um sopro de originalidade no gênero, prezando pela simplicidade e abrindo mão de espetáculos visuais para criar uma obra que explora ao máximo a mente de seu protagonista. Além disso, o filme mostra um início de carreira mais do que promissor para Duncan Jones.

Lunar (Moon) – Reino Unido, 2009
Direção: Duncan Jones
Roteiro: Nathan Parker, Duncan Jones
Elenco: Sam Rockwell, Kevin Spacey, Dominique McElligott, Rosie Shaw, Adrienne Shaw, Kaya Scodelario, Benedict Wong, Matt Berry, Malcolm Stewart
Duração: 97 min

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