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Crítica | Lupin III: A Mentira de Fujiko

por Kevin Rick
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O que aconteceu, Takeshi Koike? Depois de iniciar sua trilogia focada nos coadjuvantes de Lupin III com o ótimo A Tumba de Jigen, o diretor japonês perdeu o rumo com o falho e vazio, mas ainda bom filme de ação, GoemonRastros de Sangue, e agora degringolou de vez no fechamento da sua história com A Mentira de Fujiko, focada em Fujiko Mine, a femme fatale parceira/adversária de Lupin III. Não sei o que aconteceu durante o processo criativo de Koike, mas o artista iniciou uma tremenda jornada refrescante em tom e estilo no Universo com o noir de Jigen, e bruscamente mergulhou no mar de mesmice, com a adição, agora negativa, da sua seriedade, já que o bobo fica ainda mais deslocado quando levado a sério.

Veja bem, a proposta bacana de Koike está na maturidade narrativa e visual de uma franquia famosa pela pegada descompromissada. Daí a abordagem inovadora muito bem executada no mistério policial do primeiro filme da trilogia, e em menor medida na animação de ação marcial de Goemon. Mas já no filme do samurai, o diretor dá indícios de uma problemática: a maneira como carrega o estereótipo.

Os personagens de Lupin III são, intencionalmente, estereótipos para proporcionar humor. Um criminoso astuto e malandro, um pistoleiro cool e frio, o samurai estoico e honroso, e, claro, a gata ladra sedutora. Ao trazer algo realista para este mundo, é preciso saber equilibrar a caracterização desses personagens com a diferença de aspecto, e isso funciona muitíssimo bem com a dupla de criminosos Lupin e Jigen, já que desenvolve o estereótipo deles para um âmbito detetivesco no submundo do crime. Com Goemon já não funciona com tanta qualidade, pois sua jornada espiritual de samurai ferido soa como uma romantização bobinha. E então chegamos em Fujiko, uma personagem criada em torno da sexualização e persuasão corporal da mulher em filmes de espionagem/aventura.

Quem acompanha minhas críticas de animes, sabe do quanto reclamo do retrato feminino em animações japonesas, que é um verdadeiro problema artístico e social do país asiático. Dito isso, apesar de exceções, eu gosto da caracterização de Fujiko na franquia, pois é feita no intuito do humor estereotipado que falei anteriormente. Porém, Koike quer uma abordagem mais realista, correto? Já viram onde quero chegar né…

Ironicamente, o filme traz um ótimo tratamento desse assunto na sua primeira metade da animação. A narrativa acompanha Fujiko tentando roubar vários milhões de um pai que assaltou seu chefe mafioso para poder bancar a cirurgia de coração do filho doente, além de financiar suas fugas. No desenrolar da história, Fujiko acaba ficando apenas com o menino, protegendo ele dos lacaios do empresário roubado, inclusive um mutante que parece ter saído de Naruto, enquanto quer tirar a informação da localização do dinheiro da criança. Koike estabelece um ótimo conflito para Fujiko ao colocá-la, uma mulher acostumada a enganar homens com sua sexualidade, tentando ludibriar um menino.

Até ali na metade da obra, Koike desenvolve a turbulência moral da protagonista com o afeto pela criança, a culpa por causa da sua doença, além de divertidíssimas cutucadas de Lupin e Jigen pelo fato dela estar se aproveitando (e falhando) de uma criança. Visualmente, a animação fica aquém das entradas anteriores, mas traz várias sequências de ação bem coreografadas, especialmente em lutas corporais fluidas e nas múltiplas entradas triunfantes de um Lupin e Jigen inspirados em disfarces, planos malucos e piadas com ótimo timing.

Não estava espetacular, mas vinha sendo uma experiência interessante assistir Fujiko numa posição de indecisão com o dinheiro e a criança, além das já ditas ótimas participações da duplinha criminosa. E então, do nada, Koike mergulha na sexualização barata. Ele parece se esquecer do conflito moral, e decide focar em artifícios baratos para glorificar a maneira que Fujiko usa seu corpo como meio de escapar, enganar e conquistar. Novamente, se houvesse qualquer veia cômica nisso, seria um pouquinho mais justificado pelo elemento estereótipo, mas tratar o papel feminino, de maneira séria, como normatização da venda do corpo é simplesmente bizarro.

Perto do clímax, eu já estava envergonhado com os caminhos machistas de Koike, mas a batalha final sedimenta o mal gosto da segunda metade da animação, contendo uma ridícula luta de Fujiko contra o mutante que falei, um personagem com sexualidade frustrada, onde vemos a protagonista ter suas roupas cortadas, seu corpo exposto e, então, utiliza sua sedução glorificada para vencer o combate. Eu não entendo. Eu realmente não entendo o que Koike queria fazer aqui, e só não classifico o filme como abominação pela primeira metade realmente madura e interessante. Koike começou trazendo algo inédito, mas fecha sua trilogia bem longe do nível que esperava.

Lupin III: A Mentira de Fujiko (Rupan Sansei: Mine Fujiko no Uso, 峰不二子の嘘) — Japão, 2019
Direção: Takeshi Koike
Roteiro: Takeshi Koike, Yuuta Takahashi (baseado nos personagens de Maurice Leblanc e graphic novel de Monkey Punch)
Elenco (vozes): Kanichi Kurita, Kiyoshi Kobayashi,  Miyuki Sawashiro, Mamoru Miyano, Tomoe Hanba, Masato Obara
Duração: 58 min.

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