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Crítica | Machorka-Muff

por Luiz Santiago
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O casal Danièlle Huillet e Jean-Marie Straub possui uma vasta obra cinematográfica em parceria, que se iniciou logo após a mudança dos dois para a Alemanha e foi tragicamente interrompida com a morte de Danièlle, em 2006. Pouco conhecidos dos cinéfilos em geral, principalmente no Brasil, Huillet & Straub formaram um dos raros casais de cineastas que trabalharam juntos, cada um arquitetando um setor do filme e ambos dirigindo. Com um estilo próprio, marcado pelo uso estético da música e do som direto, por rigorosas panorâmicas, interação com a natureza e muitas adaptações musicais, literárias e teatrais, os filmes da dupla são sempre uma revelação deslumbrante para o espectador. Seu primeiro projeto foi este curta-metragem de 17 minutos chamado Machorka-Muff (1963), obra que nos faz “ouvir” alguns ecos do nazismo em plena Alemanha democrática do pós-guerra.

Machorka-Muff é um militar que está para receber a patente de General de Brigada. No filme, seguimos da negociação, da adequação de toda a burocracia e do cerimonial até a sua posse. Paralela à vida pública do General, observamos duas vertentes privadas que são, na verdade, o cerne do filme e que justificam a frase de Jean-Marie Straub quando definiu esse début como uma “história de violação”. Mas se tomarmos essa frase como norte, veremos que a violação não se dá apenas pela câmera investigativa que alimenta a curiosidade do público. Passamos para o nível político-diplomático e nos deparamos com a violação da democracia, que através dos gabinetes governamentais cria o seu próprio veneno letal: a ascensão de um cidadão herói da pátria, homem comprometido com o país, pessoa que luta com afinco para o bem da nação. Levanta-se dentre os adormecidos um fundamentalismo disfarçado, assumidamente extremo-direitista, mas aparentemente disposto a “seguir as regras democráticas“, embora lamente a existência da democracia. E em meio à escalada ao poder, referências ao espelho totalitarista encontrado em Hitler, aliado à memória bélica do país e às mortes de milhares de homens em campo de batalha, apresenta-se um formador de opiniões, um General que se mostra comovido pelos mortos mas que decide levar adiante o nome da instituição que o sagrou. Lamenta-se a guerra mas nunca se cogita terminá-la.

No melhor estilo da Nouvelle Vague, os diretores desmembram a narrativa em espaços que trazem uma importância cerimonial, do sonho de abertura à impactante frase que fecha a trama. Maneirismos, bajulações e frases de efeito são ironizados. O personagem principal não esconde o prazer pelo cargo, pelo uniforme, e seu desejo de poder é expresso em suas feições e reações, com destaque para a seguinte afirmação: “Oposição… o que é isso? Temos a maioria ou não temos? Pois muito bem”. Em meio ao Exército e aprovado pelo Parlamento, a figura desse militar em ascensão nos aciona a memória histórica. A farsa fascista reencena-se palco da Alemanha, mas agora se pretende correta, legal, apesar de suas reais intenções ilegais e antidemocráticas. O poder, acima de tudo. Depois, como um fantoche incômodo, a farsa da democracia.

Machorka-Muff não tem a natureza como elemento cênico, algo que se tornaria, no decorrer dos anos, recurso estético recorrente nos filmes de Straub & Huillet. Duas coisas, entretanto, parecem não se encaixar à forma desse curta, essencialmente pelo uso em demasia: os fades que separam as cenas e a representação de notícias de jornais na tela. Fora isso, o primeiro curta-metragem do casal se torna louvável pela crítica muda ao surgimento dos “partidos e partidários marrons” e os louvadores e defensores de extremismos. Uma peça da História contemporânea que se recontextualizada para agradar descontentes que só encontram sossego quando seus inimigos ideológicos estão sendo assassinados ou quando alguém mente com afinco e certa beleza bruta e infame para eles. A triste aventura das democracias.

Machorka-Muff (Alemanha, 1963)
Direção: Danièlle Huillet & Jean-Marie Straub
Roteiro: Danièlle Huillet & Jean-Marie Straub
Elenco: Erich Kuby, Renate Lang, Guenther Strupp, Rolf Thiede
Duração: 18min.

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