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Crítica | Mad Men – 6ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 5

Atenção: Há spoilers da série nessa crítica, inclusive da 6ª Temporada. 

Matthew Weiner não quer tornar as coisas fáceis para os espectadores de Mad Men. Não mesmo.

Afinal de contas, as notas tristes com que ele encerrou a quinta temporada – o suicídio de Lane Pryce (Jared Harris) e a indicação de que o deslumbramento de Don Draper (Jon Hamm) por Megan (Jessica Paré) estaria em seu final – são acentuadas no episódio duplo de abertura da sexta e penúltima temporada dessa incrível série. E Weiner também não torna as coisas diretas e objetivas, fazendo, talvez, um dos mais filosoficamente desafiantes episódios da série.

A primeira imagem que vemos é uma câmera em perspectiva focando no rosto preocupado de um médico tentando ressuscitar um paciente estirado no chão, com os gritos de desespero de Megan fora da tela. É Don Draper, não é mesmo?

Mas Weiner, por intermédio do diretor Scott Hornbacher, não responde assim, sem mais nem menos e trata de cortar a cena, sem resolvê-la, para uma sequência em uma paradisíaca praia no Havaí, onde Don e Megan estão descansando. O forte tom amarelado do filtro utilizado dá uma sensação de artificialidade ao que vemos, algo que é acentuado com a narrativa em off de Don, lendo trecho de Inferno de Dante, livro que não é exatamente algo que alguém leria na praia, não é mesmo? Depois dessa narração, porém, não ouvimos mais a voz de Don por mais ou menos 10 minutos, apesar de ele estar na tela, interagindo com Megan, todo o tempo. Aprendemos que Megan está se solidificando como atriz e o silêncio de Don não deixa dúvidas sobre seu estado de espírito.

Em Nova Iorque, mais precisamente no subúrbio da cidade, vemos, então, a vida pacata de Betty Draper (January Jones), já mais magra, mas ainda “cheinha”. Ela já se conformou com sua vida e o que testemunhamos é uma Betty mais madura, mas segura de si, mais mãe, ainda que suas atenções sejam muito mais viradas para a amiga de sua filha do que para seus filhos. E, como se o que foi estabelecido nos 10 ou 15 minutos anteriores não fosse forte e triste o suficiente, Betty, na cama com seu marido Henry (Christopher Stanley), ainda nos fornece imagens vívidas de como seria se ela ajudasse o marido a estuprar a amiga de sua filha, em uma das cenas mais estranhas que já vi em uma série de TV ou filme.

Voltando para o Havaí, Don se encontra com um recruta bêbado que está a caminho do Vietnam (essa temporada se passa no final de 1967) e que casará em poucas horas. Conversa vai, conversa vem, o recruta pede que Don “entregue” a noiva dele durante o casamento e uma Megan surpresa acorda pela manhã apenas para testemunhar, na praia, Don participando do casamento do rapaz.

Evidente que essa conversa com o recruta serve para aprofundar a angústia de Don. Ele sempre se remoeu pelo seu passado de troca de identidade e vê no garoto um novo Don, mas provavelmente um que não voltará vivo da Ásia. Quando, já em casa, Don percebe que trocou seu isqueiro com o do recruta, as coisa pioram e Don se entrega ainda mais à bebida, chegando a fazer um show no velório da mãe de seu sócio Roger Sterling (John Slattery) que dá também seu ataque.

Estabelecido esse tom pesado da temporada, apenas com Roger Sterling servindo de alívio cômico, Weiner faz uma espécie de “a queda de Draper” ao longo da narrativa de toda a temporada. Vemos uma batalha ética e moral tanto dentro da agência de Don Draper, a SCDP, assim como com a vida pessoal dele e de alguns outros personagens. Clientes são perdidos porque descobrem uma duplicidade de intenções da agência (como é o caso da Heinz Ketchup, nos episódios 6X03 e 6X04, Collaborators e To Have and To Hold), clientes que são demitidos da agência por suas atitudes amorais (como no caso da Jaguar, que Don expulsa da agência no episódio 6X06).

A batalha com Ted Chaough (Kevin Rahm), da agência rival Cutler Gleason, que havia recepcionado e empregado Peggy (Elisabeth Moss) acaba resultando em um twist na metade da série, no final do episódio 6X06, For Immediate Release, além de servir como estopim para um caminho aparentemente sem volta para Don. Afinal de contas, Ted é um homem brilhante, assim como o próprio Donn e a divisão de holofotes dentro da agência única agora, não funciona muito bem para o ego do protagonista, que passa a cada vez mais se entregar à bebida, ao “não trabalho” e até mesmo à sua ex-esposa Betty, fazendo o tema da traição voltar à tona, com Don tendo que olhar para dentro de si próprio para entender seu passado e tentar criar um futuro para si e sua família.

A luta interna de Draper é dilacerante e engole todos os demais personagens nesse tsunami. Mas não se engane quem achar que Weiner não se preocupa com os demais. Ao contrário. Há arcos dramáticos para Pete Campbell (Vincent Kartheiser), Roger Sterling, Joan Harris (Christina Hendricks) e, principalmente Ted e Peggy. Ted, como a versão “pura” de Don, está verdadeiramente apaixonado por Peggy, mas luta com o dilema moral que isso significa em relação à toda sua família. Essa situação leva ao desfecho do arco narrativo de Ted, quando ele decide vencer seus impulsos carnais e literalmente fugir de Nova Iorque com sua família, deixando Peggy arrasada.

Joan tenta se firmar como algo mais do que uma sócia “de brinquedo” da agência, ao tramar com Peggy a atração de um cliente novo, só para alimentar a fúria de Ted e Pete. Mas vemos Joan finalmente sair da sombra de sua própria reticência e, de certa forma, subserviência e levantar o queixo com orgulho do que fez.

Mas é o arco dramático de Don Draper, claro, que arranca aplausos de pé. Weiner tem coragem de pegar seu principal personagem, que, ao longo de cinco temporadas, aprendemos a amar, mesmo com todos seus enormes defeitos, e fazer uma operação de coração aberto, desvelando toda sua personalidade problemática, afastando-o de seus amigos, de sua esposas e de seus filhos. Vemos sua vida se despedaçar para que ele possa finalmente perceber o erro de seus caminhos, com a catarse vindo da absolutamente sensacional sequência em que o personagem, no episódio final (In Care Of), faz uma incrível venda da agência para um cliente novo, a fabricante de chocolates Hershey’s. Nesse momento ele é o Don Draper que conhecemos no começo da 1ª Temporada, intrépido, simpático, charmoso. Esse é o Don que esperamos, não é mesmo?

É, mas não deveria ser. Esse Don é o Don Draper máscara, o Don Draper cuja identidade foi retirada de um soldado morto na Segunda Guerra Mundial. O Don Draper verdadeiro, aquele que tivemos muito pouca oportunidade de ver na série, é quem está por detrás desse verniz, o homem criado em um bordel, um homem sem rumo, um homem sem identidade. E esse homem reaparece segundos depois do outro Don Draper acabar a sensacional venda para a Hershey’s. E esse novo homem – novo apenas para seus colegas ali da agência e para nós, estupefatos – surge novamente e conta sobre sua verdadeira infância e o que verdadeiramente o chocolate Hershey’s significa para ele. Don se desnuda completamente, perde o cliente que acabara de ganhar, é defenestrado da agência por seus sócios, inclusive por Roger Sterling. Mas esse é o Don que deveríamos efetivamente querer ver. O outro é faz-de-conta.

E, com isso, um círculo se fecha e Don resolve expandir sua confissão para suas crianças, para seus herdeiros e a temporada se encerra poeticamente no lugar onde ele foi criado, hoje caindo aos pedaços. É Don tentando recomeçar? Expiar seus pecados? Será que os “dois Dons” poderão coexistir? Ou um realmente morreu?

Apenas Weiner sabe. E nós saberemos ao longo de duas metades de uma mesma temporada, dividida em longos dois anos. Mas, tenho certeza, a jornada valerá a pena.

Mad Men – 6ª Temporada (EUA, 2013)
Showrunner:
Matthew Weiner
Direção: Vários
Roteiro: Matthew Weiner e outros
Elenco: Jon Hamm, Elisabeth Moss, Vincent Kartheiser, January Jones, Christina Hendricks, Aaron Staton, Rich Sommer, John Slattery, Kiernan Shipka, Robert Morse, Michael Gladis, Jared Harris, Alison Brie, Christopher Stanley, Jessica Paré, Peyton List
Duração: 611 min. (13 episódios)

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