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Crítica | “Madman Across The Water” – Elton John

Elton John e Bernie Taupin entregam mais profundidade americana em narrativa musical.

por Davi Lima
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Madman

Depois do sucesso de Your Song e do primeiro álbum ao vivo 17-11-70, o produtor Gus Dudgeon pediu uma sequência para Elton John rapidamente. Com as letras de Bernie Taupin mais narrativas e profundas pela sua viagem para os EUA, a corrida do pianista em musicalizar junto com o guitarrista Davey Johnstone e o orquestrador Paul Buckmaster criou um conjunto de músicas longas que vão além do ascendente disco music e reverberam no tempo um drama que nem Elton nem Bernie imaginariam ser capazes. Madman Across the Water é tipo de arte que surge de um pianista genial em seus jams e arpejos criando óperas românticas, épicos contemplativos, folk orquestrado e gospel expiatório com letras alongadas e emocionantes de um aventureiro britânico pela América.

Dentre os tracks que compõem o disco, apenas o encerramento da aventura musical chamado Goodbye tem menos de 4 minutos de duração, sendo basicamente uma metalinguagem explicativa do que é a produção. “I’ll waste way, I’ll waste way” – assim são as últimas palavras, após comentar-se na letra sobre o reflexo do eu lírico e a escrita de letras para nós, ouvintes, de uma maneira romantizada pela voz de Elton e suas harmonias  fúnebres. Essa finalização conversa bastante com o percurso estendido em que Bernie dispõe a aventurança de cada canção, transformadas em cores e paisagens por acordeões, sintetizadores, pedal steel e backing vocals, junto com os instrumentos mais tradicionais do rock e da orquestra. A matiz bem harmonizada com sucessão de notas do piano, que se torna uma espécie de guitarra, colocam uma identificação “eltonista” perceptível em cada introdução e pré-refrões das faixas longas, recheadas de interlúdios que vão ganhando uma cara americana para além da temática de Bernie.

Se Indian Sunset é a mais clara inspiração em falar sobre os nativo-americanos, Razor Face se imbui de uma improvisação jazzística, no estilo musical famoso em Nova Orleans. Quanto mais se ouve, mas parecemos adentrar ao estilo folk americano, como um road movie pelas estradas do sul, depois de passar pelo oeste, em reservas indígenas, e ter uma jornada cinematográfica romântica na Califórnia. Talvez Levon seja a música que mais se desencaixe dessa narrativa, embora seja um pop britânico interpretando uma situação familiar americana. Dentro desse progresso de unidade artística, Tiny Dancer e Levon são as obras primas indiscutíveis em análises musicais: as faixas mais bem podadas em orquestração, estrutura e harmonia por terem sido lançadas individualmente como singles antes do álbum. São as primeiras faixas que traduzem modelos musicais e que Elton transforma Bernie num letrista melhor do que já é.

Ouvindo-se Tiny Dancer, antes de chegar ao refrão, vê-se a potência que a melodia tem ao  criar uma história de três atos, uma verdadeira ópera com clímax e espiritualidade que a orquestra vai incluindo. Essa música também marca ousadias de Elton dentro do campo harmônico, criando arpejos e quebras de sequências, contrações na movimentação dos dedos que é “eltonismo” puro. Ele traz isso para Levon também. Acordes quebrados e compassos recheados de improvisos que fazem um trabalho difícil de harmonizar com a orquestra mais baixo, guitarra e bateria, por isso a canção não foi celebrada à toa. Isso sem contar a vocalização de Elton que se entrega à história sobre esse filho americano chamado Levon. “He Shall Be Levon” é um grito, um som que se torna ainda melhor com as cordas da orquestra cantando como epílogo, algo que claramente dá cor a esse nascimento que a música comenta.

Mas se as primeiras faixas tinham muito piano, o track que dá título ao álbum é o que demarca a profundidade do texto de Bernie e os caminhos mais introspectivos que o álbum vai percorrendo. Um dos fatos sobre Madman Across the Water é que o próprio Elton já se mostrou insatisfeito com a produção e depois disse que é uma das músicas que mais se sente conectado, além de reconhecer a importância do disco. Como já foi dito, houve uma certa pressa envolvida na construção da obra, mudança de guitarrista e reaproveitamento de músicas que podiam ter estreado em Tumbleweed Connection, que tinham fervores country e faroeste. Até a voz de Elton parece puxar nas letras uma espécie de sotaque de sua experiência musical anterior. Holiday Inn é um exemplar disso, seja em tema relativo à vivência de um músico, seja em estilo, que parece incluir um som parecido com banjo, mesmo não feito com um banjo – pelo menos não consta na ficha técnica.

A guitarra de Davey Johnstone, o novo integrante, é protagonista na faixa título, enquanto a percussão organizada se torna ainda mais viva na contemplação épica de Indian Sunset, que coloca de vez a produção em notas mais graves e em melancolia, digna de um ensolarado como ilustração em terras indígenas. Além do contexto histórico dos Apache,  com uma certa licença poética no que se conta, a música se tornou desconhecida e só ganhou relevância ao longo do tempo. Essa sensibilidade do texto de Berney vai se tornando algo folk em Rotten Peaches até se tornar uma verdadeira letra gospel. Mesmo que as intenções de Bernie e Elton sejam a de um comentário sobre os críticos contra os compositores, é inevitável não imaginar que a canção de desabafo seja uma expiação gospel. O backing vocal mais vivo, a finalização intensa com “Oh my soul, Oh my soul” e o som de coral mais explícito no final dizem muito sobre essa antepenúltima faixa.

Madman Across the Water é uma mistura de músicas longas e emocionais com a dupla Elton e Bernie se costurando em propostas. Com certeza Honky Cheateau, Goodbye Yellow Brick e Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy estão entre as favoritas do público, e  Madman é lembrado especialmente por Levon e Tiny Dancer. Mas o pop rock desse álbum de 1971 é um dos clássicos subestimados por ter menos hits, que não fez muito sucesso na Inglaterra no lançamento e sim nos EUA (por motivos óbvios). Provável que a perfeição do piano de Elton John em sintonia com a guitarra esteja nesse disco arranjado, com ecos vocais que terminam canções e sintetizadores que começam outras. Aqui, o belo se torna síntese. Eis a aventura americana que existe nessa produção.

Aumenta!: Levon
Diminui!: –
Minha Canção Favorita do Álbum: All the Nasties

Madman Across the 
Artista: Elton John
País: Reino Unido
Lançamento: 5 de novembro de 1971
Gravadora: Uni Records, DMJ
Estilo: Soft Rock, Pop

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