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Crítica | Mágico Vento – Vol. 5: Whopi

O espírito da Mulher-Bisonte.

por Luiz Santiago
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Whopi é um Espírito Sagrado com a aparência de uma bela mulher, mas que também pode se transformar em um bisonte branco, animal do qual ela é uma espécie de avatar. Antes de escrever esta crítica, eu fiz algumas pesquisas sobre esse mito dos Sioux, mas as fontes são escassas, e não apenas em português. Existem informações sobre povos indígenas e atribuição de uma divindade ao bisonte, especialmente ao bisonte branco, mas em relação ao Espírito Whopi, não encontrei fontes oficiais que me dessem informações históricas de sua transformação narrativa e de como isso foi sendo retratado de diferentes formas, como a editoria do título diz na Blizzard Gazette (Notícias da Fronteira), na abertura do volume. É citada, inclusive, a biografia de Touro Sentado, escrita por Robert Utley, como fonte de informações sobre a mítica figura da Mulher-Bisonte. De todo modo, esta lenda é incrível e recebe um tratamento muito bom através do texto de Gianfranco Manfredi nesta edição de Magico Vento.

Um padrão de construção de enredo pode ser visto aqui e comparado com edições anteriores da série. O autor parte de uma narrativa importante para nativos do continente norte americano e cria algo chamativo em cima dessa premissa, respeitando as principais características da história referenciada. No caso de Whopi, ele explora uma das muitas variações da jornada desse espírito, que deveria, em algum momento, juntar-se a uma mulher branca, trazendo grandes mudanças sociais. Levando em consideração essa promessa, penso que aí reside a única falha narrativa da obra, porque eleva imensamente as consequências desse encontro, mas na verdade não atinge a expectativa criada. Na verdade, não existe uma mudança. O contexto entre indígena e mulher branca ocorre, mas há uma diferença muito grande de sintonia entre as partes, e o ódio do espírito do bisonte é quem ganha força e precisa ser controlado com a ajuda de Magico Vento.

Até o momento final, porém, o leitor tem a excelente criação de uma aventura que mescla ingredientes mitológicos com questões sociais de peso. A base da sociedade americana no século XIX pode ser vista aqui, então o tratamento dado à indígena que ajuda a esposa do militar responsável pelo Forte é condizente com o preconceito e o machismo com que muitas mulheres nativas eram tratadas por muitos descendentes de colonizadores, os que se achavam os representantes da “civilização” e que, por isso mesmo, tinham o direito de estuprar, maltratar ou matar os “inferiores selvagens”. Que civilização, não é mesmo? A face positiva dessa configuração social é que ela não é generalizada: existiam homens e mulheres que procuravam manter uma política de paz e diplomacia com os nativos, vendo esses indivíduos como pessoas aptas a firmar acordos políticos e sociais, como qualquer outro europeu. Para alguns, a selvageria era justamente aquilo que um lado do Destino Manifesto estava levando para o Oeste.

O miolo dessa história é dedicado à exploração da personagem indígena e das ações de Mágico Vento diante dela. Vemos aqui o tão Ned Ellis conseguiu avançar em sua capacidade mística e também de relações pessoais, sendo capaz de iniciar conversas e tréguas, da mesma forma que consegue colocar o seu corpo em um estado espectral e acompanhar o espírito do bisonte branco a um reino inacessível para o restante das pessoas. Toda a interação dele com a indígena é sensacional. O mito da Mulher-Bisonte vai ganhando força à medida que a história avança e, nesse processo, vemos alguns estágios de ódio e aceitação pelos quais o espírito passa. Esse lado da história é tão bem desenvolvido que nos dá a oportunidade de analisar de forma bem profunda as relações entre homem e mundo espiritual, bem como a reação de outras pessoas a essas situações consideradas impossíveis.

As relações então estabelecidas evoluem à medida que a maldade dos soldados do Forte vêm à tona, passando, também por uma transformação. O final seco e impiedoso da narrativa nos diz muito sobre o tom que Manfredi procurou imprimir ao título desde as suas primeiras edições. A conclusão a que ele chega é que a vida, em qualquer esfera da realidade, é muito mais complicada do que a existência incontestável de dualismos e o ódio disfarçado (seja de religião, de patriotismo, de dever moral e por aí vai…) ao diferente. Ironicamente, os próprios indivíduos que gritam que “o diferente está ameaçando a humanidade” são os que estão fazendo as coisas que verdadeiramente ameaçam a vida de todos. E o mais triste ainda é que essa postura não está apenas na ficção, e nem parou nos anos 1990. Quem nos dera fosse!

Mágico Vento – Vol. 5: Whopi (Itália, novembro de 1997)
Publicação original:
Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Mythos (2002 e 2017)
Roteiro: Gianfranco Manfredi
Arte: Corrado Mastantuono
Capa: Andrea Venturi
100 páginas

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