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Crítica | Mágico Vento – Vols. 6 e 7: Faca Comprida e O Filho da Serpente

Uma grandiosa história de luto e magia.

por Luiz Santiago
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Embora tenha gostado muito da trama de Lady Caridade, eu tinha Whopi como a minha história favorita, na ordem cronológica da saga de Mágico Vento, até ler esta primeira aventura em duas partes da série, intitulada Faca Comprida e O Filho da Serpente. Se em Whopi, o escritor Gianfranco Manfredi apresentou de maneira muito sólida e interessante uma situação geral que conseguia mesclar os melhores ingredientes do faroeste clássico com o curioso subgênero que marca a maioria das aventuras de Ned Ellis, o weird western, aqui ele expande isso trazendo dos campos de concentração nortistas durante a Guerra Civil Americana e das terríveis condições dos prisioneiros neste local uma base narrativa que age de maneira violenta, sombria e mística no presente, começando com algo que eu não esperava que fosse acontecer tão cedo na série: a morte (nesse caso, o assassinato) de Cavalo Manco, o grande conselheiro e mentor de Mágico Vento.

Dentro e fora da Bonelli, a gente sabe como alguns personagens são feitos para “durar para sempre”, ou seja, integram a essência em torno do protagonista, são muito famosos ou queridos pelo público e nem os autores ou as editoras pensam em matar esse indivíduo. Alguns coadjuvantes também possuem um considerável nível de importância e acabam caindo no mesmo pacote. Por isso é que no Universo dos super-heróis existe tanta morte falsa ou retorno da morte. Aqui em Mágico Vento, Cavalo Manco exercia um incrível papel de ensinamento. Era uma voz de sabedoria e seguia como professor de Ned, em sua caminhada constante de aprendizado e iluminação pessoal. Ou seja, alguém que se encaixa nos itens de “jamais morrer” das histórias em quadrinhos. Mas Manfredi rompe essa barreira e faz a morte do personagem ser bastante cruel e estar ligada a um rito de magia vodu, executado pelo infame racista confederado Louis Beamont, dominado por Uncegila (ou Unhcegila, Unk Cekula), a grande serpente do rio.

Essa nomenclatura para a criatura, porém, é aquela dada pela mitologia dos sioux. Para Beamont e os homens negros (escravizados ou ex-escravizados, dependendo do momento do quadrinho que estamos falando), a terrível serpente é Dambalá (um loá, espírito da religião vodu, também grafado de diversas outras formas, como Dambirá, Dambalá Huedô, Damballah, etc.), e o enredo trabalha, nas entrelinhas, um inesperado embate entre divindades, entre espíritos ou forças que podem dominar ou dar assistência aos homens, esta senda, aliás, a linha que separa Mágico Vento de Beamont: a forma como eles se relacionam com essas divindades. Ao retornar da morte, o ex-soldado sulista embarca numa trilha de vingança e quer expandir os seus domínios. Cortando cabeças de homens sagrados a fim de alimentar-se do loá dessas pessoas, esse indivíduo acaba chegando a Cavalo Manco, e com o terrível crime que comete, abre uma porta de eventos que trará Ned e Poe de seu esconderijo em uma cidade fantasma a fim de encontrarem a cabeça do homem sábio da tribo e dar-lhe o merecido descanso.

O roteiro consegue amarrar de maneira chamativa, diferentes tempos históricos, diferentes personagens e diferentes redes de acontecimentos, o que faz com que essa história tenha um caráter épico não apenas pela quantidade de páginas, mas porque desenvolve a contento uma gama de situações dramáticas, com direito a aprofundamento e exposição completa da história de novos personagens, retomada de intrigas já abertas na série (como a do inescrupuloso Howard Hogan, por exemplo) e tramas de apoio que são tão interessantes quanto as principais, vide o sequestro do filho de um antigo militar nortista ou o drama do ex-escravizado Casey. E na “rinha de deuses” que complementa muito bem a narrativa, temos a presença de Wakinan Tanka (ou Wakan Tanka, o “grande espírito” o “grande mistério” que pode ser interpretado como o poder que reside em todas as coisas da natureza, visão comum em crenças animistas ou certas versões de politeísmos, especialmente os indígenas), que se mostra, através de raios, e ajuda no despertar dos indígenas expulsos de suas tribos e que acabaram seguidores de Beamont.

A história ainda traz um outro ponto interessante, logo no começo, que eu gostaria de destacar. Vemos retornar o ótimo personagem Mata-a-Si-Próprio, que apareceu pela primeira vez em Garras. Algo muito interessante em relação ao texto, no tratamento dado a ele, é que o autor indica uma homossexualidade ou bissexualidade do personagem, quando convida Poe para uma “hospitalidade noturna“, e Poe imediatamente identifica a intenção (está óbvio que a frase de Mata-a-Si-Próprio não é literal, ele não está querendo apenas “ceder um lugar para o amigo dormir“), e acaba falando assim: “Sempre fui curioso, mas não a ponto de querer saber os costumes sexuais de um contrário!“. E antes que haja aqui algum tipo de controvérsia diante da fala do jornalista, vale explicar que ele está se referindo à própria personalidade de Mata-a-Si-Próprio, que é um heyoke, um “contrário“, um “palhaço da tribo“.

Neste arco cheio de acontecimentos, o leitor encontrará uma progressão elegante da história, que já é narrativamente difícil por conter duas temporalidades, terminando com todas as pontas amarradas e um olhar triste, mas ao mesmo tempo respeitoso, compreensivo e espiritualmente aceitador da morte de alguém muito amado. De citações ao Massacre de Sand Creek (29 de novembro de 1864), ao ataque Cheyenne a Julesburg, em 7 de janeiro de 1865, também à presença de divindades de diferentes panteões, conflitos sociais que perpassam tentativas de fraudulenta especulação financeira, denúncia de crimes por uma imprensa social e politicamente engajada e luta para encontrar paz para o espírito de um amigo morto, Faca Comprida e O Filho da Serpente se coloca em um alto patamar na série. Não imaginei que chegaria a uma aventura de qualidade tão alta ainda nos primeiros números da jornada. Que grande surpresa!

Mágico Vento – Vol. 6 e 7: Lungo coltello / Il figlio del serpente (Itália, dezembro de 1997 e janeiro de 1998)
Publicação original:
Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Mythos
Roteiro: Gianfranco Manfredi
Arte: Giuseppe Barbati, Bruno Ramella
Capa: Andrea Venturi
200 páginas

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