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Crítica | Mais que Amigos (2022)

Mais que biscoito, mais que broderagem.

por Felipe Oliveira
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Fazer uma comédia romântica gay é o mesmo que segue para um filme de casal hétero? Essa é uma resposta que Nicholas Stoller e Billy Eichner expõem em poucos minutos através da metalinguagem e ironia utilizada no roteiro, uma sacada muito bem-vinda aqui. Afinal, esse mesmo recurso serve para refletirmos dois pontos: além de Love, Simon, este é o segundo filme de um grande estúdio com protagonistas gays, mas é a primeira rom-com; segundo, há uma grande tradição por trás do subgênero. Então, o que Mais que Amigos propõe é uma história que capture a essência dos clássicos, e que também dialogue com a linguagem atual para contar esse romance.

Ter essa abordagem que não mede papas para jogar com ironia é um ponto ágil que logo se destaca em Bros: ao roteiro satirizar com Bobby (Eichner) compartilhando que recusou uma proposta de escrever uma rom-com sobre um casal gay com a finalidade de atrair o público hétero, uma vez “que amor é amor”, é como o filme desafia o nicho ao qual se propõe dizendo que essa será uma comédia romântica, mas sem simplesmente adequar um romance gay a tradicionalidade da fórmula e utilizar elementos que façam um heterosexual se identificar, como um romântico conto gay, Mais que Amigos é um filme que reflete sua comunidade.

Nesse sentido, o que define a síntese por trás de toda comédia em Mais que Amigos é sua sátira metalinguística que não só confronta o convencionalismo das rom-coms, mas aproveita para cutucar o mecanismo que rege os parâmetros das vidas amorosas modernas. Diante disso, entra a genialidade da trama em costurar as vivências de Eichner em seu personagem, um podcaster ativista que usa seu canal para extravazar sobre vários tópicos, inclusive, seu descontentamento para as relações supérfluas através de aplicativos de encontros, que terminam se resumindo em sexo. Além de que ele também se dedica para a realização de um sonho: inaugurar um museu sobre grandes figuras do ativismo LGBTQ+. Do outro lado, temos Aaron (Luke MacFarlane), um advogado especializado em testamentos com o típico padrão de cis hétero e atleta, que claro, cruza o caminho de Bobby.

Aqui é simples de identificar a receita dos opostos que se atraem, mas até na linha de situações improváveis que geralmente os pombinhos se conhecem, o roteiro carimba mais uma crítica a instantaneidade das uniões virtuais, sendo o ponto de encontro entre os dois uma festa de inauguração de um app onde apenas homens gays irão falar sobre celebridades. É de imensa futilidade e Bros faz graça disso, e a sequência onde a dupla finalmente interage compõe uma dinâmica gostosa e assertiva, com eles se conectando em meio a gama de distanciamento e impossibilidades que vem das salas virtuais.

É um ponto inteligente do roteiro reconhecer o apreço e popularidade do subgênero que se estendeu por três décadas, e saber aproveitar isso atualmente. Há uma clara cena em que referencia Mens@gem para Você, filme de 1999 em que trazia Meg Ryan e Tom Hanks como um casal que se conhece online. Se na época o longa trazia o prestígio e praticidades das descobertas tecnológicas para a comédia romântica, em Bros, isso já vem com alfinetadas a essa cultura de dar match em aplicativos. A sequência funciona ainda mais com Bobby e Aaron trocando mensagens e a voz em off lendo o texto, o que contrapõe a conversa virtualizada, ainda que numa agridoce tomada.

Felizmente, Bros não só se empenha em trazer subversão e sátira a comédia romântica, mas também se diverte ironizando as narrativas LGBTQIA+ na TV e cinema: por que tantas histórias com perspectivas tristes? Em contrapartida, em ser um filme leve, aconchegante e honesto, há cenas sacanas de sexo, sequências atrapalhadas para registrar uma nude, visto que a ideia é trazer recortes identificáveis para o público gay, e também pôr na mesa os rótulos reproduzidos pela própria comunidade. E isso pode ser observado nas personalidades de Bobby e Aaron: enquanto um se convence de que pode sobreviver sendo um solteirão de 40 anos e independente, expõe as inseguranças de não atender a arquétipos sociais e heteronormativos, o outro representa a parcela acomodada em atender a um padrão físico e que não se desvincula da masculinidade frágil e homofobia.

Embora seja ácida e ágil, Mais que Amigos sofre de uma discrepância notável quando deixa a abordagem autoconsciente da sátira para aderir ao viés do tradicionalismo da comédia romântica, o que ironicamente tira um pouco do brilho. Se até meados do segundo ato isso se fazia um grande trunfo, a perda de ritmo pesa muitíssimo no terceiro, ainda que recorra a um desfecho melodramático e familiar para fechar com propriedade essa inteligente rom-com. E é uma pena que a sagacidade e ousadia com que a trama se desenvolve não esteja atingindo o grande público como o esperado, contudo, o longa pode servir como precursor para futuras broderagens.

Mais que Amigos (Bros – EUA, 2022)
Direção: Nicholas Stoller
Roteiro: Nicholas Stoller, Billy Eichner
Elenco: Billy Eichner, Luke MacFarlane, Guy Branum, Miss Lawrence, TS Madison, Dot-Marie Jones, Jim Rash, Eve Lindley, Monica Raymund
Duração: 115 min.

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