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Crítica | Mais Uma Chance

por Gabriel Carvalho
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“Você gosta de rock progressivo?”

As mulheres e os homens são compulsoriamente movidos a cederem consecutivamente a mais e mais umas chances – como se a esperança nunca morresse, apenas assassinasse a sanidade. Surgem a angústia e a ansiedade pelas expectativas, então seguidas por outras expectativas, incorporadas como parte do estado de espírito de pessoas presas em ciclos e continuações sem fins. Mais Uma Chance parece ser a chamada perfeita para um longa-metragem com esses objetivos complicados de estudo, acerca principalmente dos personagens de Kathryn HahnPaul Giamatti. Um casal que quer muito ter um filho, apesar da idade ser avançada para o processo, é um drama comum, ainda mais a pessoas com adversas condições econômicas. Não é o caso aqui.

A mensagem de perseverança – e o senso de desgaste – que Private Life, nome no original, passa seria suficiente para mover a obra, porém, essas não são nem as mais interessantes propostas do longa. Quem são esses pais permite tudo ser mais provocativo. O projeto, dirigido por Tamara Jenkins, possuiria como tradução em português, em uma situação de transposição ao pé da letra, o competente titulo de “Vida Privada”. Os protagonistas são realmente seres que apenas espectadores muito particulares – contrariando o público médio – podem se associar integralmente. Jenkins se aproxima da realidade das produções de Noah Baumbach, que recortam um mundo com problemas de nicho, não necessariamente equivocados, mas muito próprios a si. 

Aqui, esposa e marido, Rachel e Richard, são artistas já consolidados – enquanto Frances Ha ou Lady Bird, filme dirigido por uma parceira de Baumbach, Greta Gerwig, eram projetos sobre artistas em ascensão. Essa não é uma obra que compete desestruturar financeiramente o lar, porque, a exemplo, dinheiro nunca é problema para o casal. John Carrol Lynch, irmão do personagem de Giamatti, empresta cerca de dez mil dólares para Richard em um piscar de olhos. O empréstimo é pago, mais para frente, sem qualquer dificuldade. Os artistas já encaminharam as suas carreiras. O único sonho, a ser perseguido sem cansaço, é ter um filho e as desventuras envolvem unicamente essa questão. O longa, contudo, quer contrariar Bambauch, mesmo usando dessa sua estrutura.

Uma crise de fertilidade pode surgir para pessoas como essas, que nunca pensaram em crianças? Mesmo dentro do arquétipo de adultos que possuíram uma vida das desconstruções – o quadro com uma vagina na sala de estar -, adiando a maternidade e a paternidade para focarem na carreira, Mais Uma Chance é surpreendentemente uma obra que se desconstrói. As nuances mais íntimas de um casal comum a esse olhar de arquétipo são exploradas com verdade. Mas a ambientação é um universo que impulsiona a carga dramática por mostrar-se possível em um espaço até então inóspito aos dramas de famílias tradicionais. O casal não transa há meses. Os pais querem passar pelo processo mais próximo a uma gravidez “normal”. A mãe quer o seu DNA. 

Quem ganha mais força com esses papéis, menos estereotipados do que aparentemente seriam, ou seja, a parte desse cinema independente norte-americano particular ao bom gosto “subversivo” de Baumbach, são os ótimos atores que Jenkins escalou. Os personagens, entrecortando canções abarrotadas de melancolia, agravam a jornada conflituante do enredo. Se o ritmo é um pouco machucado por uma renovação um pouco tardia de situações – são duas horas de duração também -, Hahn exprime corretamente a obrigatória confusão apresentada pelo roteiro, que margeia um comportamento passivo-agressivo à Rachel. O filme insiste em uma comédia mais preguiçosa – a sugestão de uso de drogas pesadas -, esquece de arcos secundários – a mãe que não quer deixar a sua filha doar óvulos  -, mas convence em suas proposições mais primordiais.

Já a juventude com a universidade paga pelos pais e que quer ser descolada custe o que custar é recuperada pelo papel de Emily Robinson. Sadie, excêntrica sobrinha dos protagonistas, usa drogas, não quer ter filhos, enxerga os seus tios como figuras paternais e não os seus próprios pais, recorrentemente criticados. “Você gosta de rock progressivo?”, pergunta o ginecologista a Rachel, conseguindo uma resposta negativa em consequência. Por meio de um olhar sobre uma elite artística independente, mesmo dentro dessa vida privada a muitos poucos americanos, justamente aqueles “imbecis” – como Sadie aponta -, Tamara Jenkins consegue, através também de grandes atuações, engrandecer a primitividade que sustenta a paternidade e a maternidade.

Mais Uma Chance (Private Life) – EUA, 2018
Direção: Tamara Jenkins
Roteiro: Tamara Jenkins
Elenco: Kathryn Hahn, Paul Giamatti, Emily Robinson, Molly Shannon, Samantha Buck, Layli Carter
Duração: 127 min.

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