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Crítica | Malmkrog

por Iann Jeliel
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Malmkrog

O conhecimento é elitista, mas não deveria ser. A complexidade das conversas apresentadas em Malmkrog essencialmente vão revelar isso com um forte reflexo contemporâneo, mesmo que esse reflexo não necessariamente esteja lá, explicito. Se abraçar os mais de 200 minutos de conversas e prestar atenção em tudo o que é dito, não é preciso ter o conhecimento e o repertório de tudo que os cinco arquétipos colocam em debate para compreender, que a ideia do cineasta Christi Puiu é evidenciar o quanto as bases teológicas de filosofia e história são importantes para a compreensão do mundo social e a saúde dos debates ideológicos.

O link com a atualidade está no puro e simples fato dessas questões serem ignoradas, levando à convergência caótica de opiniões em vez de complementadora, algo que dificilmente acontece num ambiente de tamanho elitismo de intelectualidade. E aí é que está, existe esse contraponto, também implícito, do conhecimento como forma de poder. A câmera do Puiu dificilmente está próxima dos personagens, apesar da geografia cênica variar o estilo de sua decupagem dos planos de modo a deixar a conversa mais dinâmica, de alguma forma, sempre mantém um distanciamento empático frente àquelas figuras, como um modo de reforçar o complexo de superioridade do humano ao possuir algo que ninguém tem.

Tanto que nenhum dos personagens chega a receber uma apresentação ou sequer desenvolvimento. O que mais interessa é o conteúdo de suas bocas, a lente do diretor está interessada em compartilhar isso e não enaltecer as figuras que detêm esse conteúdo. Não chega a ser um drama direito, porque não há dramaticidade ou linearidade narrativa, somente um debate. Isso torna Malmkrog desafiador e, de certo modo, também elitista, porque só há o convite a participar da conversa e não uma elaboração chamativa de elementos secundários para se ter interesse nela. No máximo uma divisão de capítulos para organizar centros de discurso. Quando um capítulo é de referido personagem, é porque o que ele irá dizer é o ponto mais importante da conversa, no mais, é embarcar ou manter-se com esse distanciamento socialmente construído que tanto fica evidenciado ao longo da obra.

Contudo, uma vez dentro da proposta – e o primeiro ato é devidamente o mais interessante por conta disso – a construção da mise-en scene se ressignifica a passa ser mais participativa, ainda que de modo distante, como dito, emocionalmente falando. Se antes observávamos as conversas por planos gerais da geografia, agora passamos a integrar o móvel (como a mesa de jantar) que estão conversando, deixando os planos mais frontais com a troca constante para contra planos mais simples. Tanto em um quanto em outro valoriza-se igualmente o aspecto teatral, onde segura o máximo possível do plano em uma mesma posição para forçar o elenco a trocar as imensas linhas de diálogo de uma só vez, reforçando o caráter intelectual do papo.

São inúmeras citações de livros, filósofos e afins colocadas no meio para rebater argumentos que, por sua vez, não foram falados nem na mesma cena, mas que precisam ser relembrados. É um texto de ampla dificuldade e o desempenho de cada personagem é tão soberbo, que consegue transparecer essa personificação do texto como integrante de um modo sincrônico com o sequenciamento do debate. Porque sim, parece aleatório e eventualmente se torna, mas o bate-papo tem um norte pensado de maneira exímia, para além dos personagens que intitulam o capítulo. É só observar, ao final, a singularidade do foco de cada um deles que é possível traçar uma linha de semelhança temática a noções básicas de maniqueísmo moral entre o bem o mal.

Isso só reforça a existência, desde o início, de uma jogada intencional do diretor para promover sua ideia geral com clareza e não só para aqueles que tenham bagagem parecida. Se era necessário desafiar tanto o telespectador antes disso, são outros quinhentos. A meu ver, é necessário para que o impacto dessa realidade gigantesca decidida e conhecida por tão poucos seja refletida com carinho. Porque do mesmo jeito que debater sem conhecer leva ao caos, se só os que conhecem são os que debatem, o caos chega, da mesma forma.

Malmkrog (Malmkrog | Romênia – Sérvia – Suíça – Suécia – Bósnia-Herzegovina – Macedônia do Norte, 2020)
Direção: Cristi Puiu
Roteiro: Cristi Puiu (baseado no livro Three Conversations do filosofo Vladimir Solovyov)
Elenco: Frédéric Schulz, Agathe Bosch, Marina Palii, Diana Sakalauskaité, Ugo Broussot, István Téglás, Zoe Puiu
Duração: 201 minutos

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