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Crítica | Manhãs de Setembro – 2ª Temporada

Cantando novos horizontes.

por Felipe Oliveira
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Apesar do carisma espontâneo com que Manhãs de Setembro conseguia emanar na sua temporada de estreia, havia uma sensação de que os cinco episódios lançados poderiam ter ido mais além se quisessem. Talvez tal impressão vinha da reação frente a uma série de abordagem única, mas que parecia conter o grande potencial para caber no formato encomendado. Um exemplo dessa conformidade narrativa foi no final do ciclo anterior, onde alguns arcos que outrora não tinham sido tão bem explorados recebiam rapidamente um tratamento mais dramático no desfecho. De um jeito mais confiante de sua potencialidade, o segundo ano da série reconhece as limitações passadas e caminha de maneira sólida e eficiente para abraçar um desenvolvimento maduro.

A segunda temporada retoma o ganho deixado na viagem que seguia Cassandra, Leide e Gersinho para o campeonato de matemática, mas durante o retorno de Curitiba para São Paulo, a alternativa encontrada pelo trio é pedir ajuda para Lourenço (Seu Jorge), pai de Cassandra, que mora no interior do Paraná, bem pertinho da estrada onde estavam. E é justamente nesse pontapé que o roteiro mais uma vez escrito pela criadora Josefina Trotta ao lado de Alice Marcone, Marcelo Montenegro e Carla Meirelles começa a organizar o que será o centro do novo ciclo da série: uma temporada de ressignificações e reparações sobre o passado.

Como ilustração, a música de Vanusa e que também encabeça a série, Manhãs de Setembro, tem a sua forma simbólica de falar sobre a jornada de Cassandra desconstruída, quando a protagonista se vê tendo que vender itens raros de sua artista favorita para poder comprar uma nova moto. Nota-se que com esse movimento a faixa ganha um simbolismo diferente dentro da narrativa, uma vez que a motogirl se desconecta das incertezas e feridas que remói na própria consciência — o desapego dos discos, isto é, do eco constante de seu subconsciente representado na figura de Vanusa — e passa a se permitir a acessos antes impossíveis por ela com a nova realidade. O texto faz acenos a essa abertura toda vez que Roberta (Clodd Dias) comenta quando Cassandra diz que vai deixar de cantar Vanusa, sendo esse um artifício muito bem bolado para refletir o argumento da série sem perder o toque de humor característico e principalmente na cumplicidade das duas amigas.

Se antes a letra falava sobre uma Cassandra que se trancou na indiferença e via de perto sua luta por independência ser “ameaçada” por chegadas inesperadas do passado, agora a faixa assume um novo sentido com ela finalmente saindo de trás do muro e batendo de frente com os recentes obstáculos. Dessa maneira, é como a série começa a pavimentar a linha de evolução da série com o crescimento dos personagens, o que não se concentra apenas na protagonista, mas no leque promissor de figuras que fazem parte dessa magnífica história.

À medida que Cassandra retorna para o lar que cresceu ao lado do pai depois de ser abandonada pela mãe quando tinha quatro anos, o roteiro não perde tempo com repetições de arcos no que poderia render as mesmas discussões sobre a forma que ela é tratada. Há muito para Lourenço aprender, mas de maneira habilidosa o texto usa a sensibilidade de Gersinho para contrapor, algo que fica marcado na fala do garoto pro seu avô: “Vô, meu pai se chama Cassandra. Ela começou a gostar mais de mim quando acertei o nome dela“. É um momento simples e grandioso onde ele corrige o avô ao mesmo tempo que quer se conectar com o passado da mãe e assim ter mais proximidade.

E essa proximidade é trabalhada aos poucos, como na simples cena de Cassandra pegando na mão do filho para atravessar a rua, até atingir o belíssimo ápice no episódio final nas afetivas demonstrações entre essas duas almas que finalmente estão se entendendo, se apreciando e aprendendo uma com a outra. A naturalidade e maneira inteligente com a série consegue evoluir sua narrativa sutilmente e ainda assim crescer em termos de qualidade, o que torna Manhãs de Setembro uma peça única na sua forma de contar uma história com graça, originalidade e emoção.

Sem parecer forçada em olhar para o núcleo que a compõe, é simplesmente incrível como a série consegue dedicar arcos, ainda que mínimos, que valorizam seus personagens. Seja no esquecimento preocupante de Décio (Paulo Miklos) e claro, com Ivaldo (Thomas Aquino) recebendo o devido espaço para trabalhar sua relação com Cassandra enquanto sobra tempo para os atritos familiares, e de maneira bem-vinda. Além de mais cenas com Linn da Quebrada, é contagiante o crescimento de Leide, o que se faz mais fascinante com a autenticidade e talento de Karine Teles em viver uma personagem tão inspirada.

O caminho para um terceiro ano não poderia ser mais animador e tão seguro do que tem feito até aqui, e é questão de tempo para o show receber o sinal verde merece, e se tiver sorte, de ter mais um episódio extra encomendado. Faltam palavras para enaltecer a singularidade de Manhãs de Setembro em contar uma história ímpar de maneira prazerosa, necessária e eficaz.

Manhãs de Setembro – 2ª Temporada (Brasil, 2022)
Criação: Josefina Trotta
Roteiro: Josefina Trotta, Alice Marcone, Marcelo Montenegro, Carla Meirelles
Direção: Luis Pinheiro, Dainara Toffoli
Elenco: Liniker, Karine Teles, Gustavo Coelho, Thomas Aquino, Clodd Dias, Paulo Miklos, Gero Camilo, Linn da Quebrada, Seu Jorge, Samantha Schmutz
Duração: 35 (6 episódios, cada)

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