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Crítica | Manifest – 1ª Temporada

A volta dos que não foram...

por Ritter Fan
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Não tem jeito. Séries repletas de mistérios aparentemente sem pé nem cabeça feitas para a televisão aberta americana descambam direto para o tom novelesco. Aliás, sendo bem sincero, qualquer série feita para a TV aberta por lá acaba sendo assim, mas é que as que têm esses segredos enrolados que se conectam e se interpenetram criando uma rede de dar dor de cabeça em qualquer um que fazem com que esse lado mais dramático se torne profusamente saliente a ponto de ficar ridículo. Manifest, série criada por Jeff Rake e produzida para ir ao ar pela NBC – até seu cancelamento na terceira temporada, que a levou a ser comprada pelo Netflix para um estendido quarto e último ano – segue exatamente esse molde, sem tirar, nem por, com a única vantagem de ter menos episódios por temporada do que uma série “normal” desse formato, ainda que mais do que precisasse ter, claro.

A história lida com o voo Montego 828, de Kingston, Jamaica, para Nova York, EUA, que desaparece em 07 de abril de 2013 durante uma tempestade elétrica repentina e reaparece em 04 de novembro de 2018 em aproximação de seu destino, como se nada – sequer a passagem de tempo – tivesse acontecido para a aeronave e seus passageiros. Obviamente, o avião é desviado até uma pista isolada, onde todo mundo passa por interrogatórios até serem liberados muitas horas depois, para o emocionante reencontro com seus parentes que consideravam todos os 191 passageiros mortos há muito tempo. O foco central da temporada permanece na família Stone, que retorna para Nova York em dois voos seguidos, com apenas o segundo sendo afetado pelo fenômeno: Ben (Josh Dallas) e Cal (Jack Messina), pai dedicado e filho de 10 anos com câncer incurável (que passa a ser curável quando ele finalmente reaparece), e Michaela (Melissa Roxburgh), policial e irmã de Ben que se reúnem com Grace (Athena Karkanis), esposa de Ben e mãe de Cal, e Olive (Luna Blaise), filha de Ben e Grace e irmã gêmea, mas agora com 15 anos, de Cal, além de Jared Vasquez (J. R. Ramirez), namorado de Michaela que lhe havia proposto casamento na viagem. Além deles, há a doutora Saanvi Bahl (Parveen Kaur), também passageira e responsável pela criação do tratamento que, ao longo dos cinco anos em que ela ficou ausente, passou a ser a grande estrela na cura do câncer e que, claro, passa a beneficiar Cal, o que a coloca no círculo da família Stone.

Em meio a reconciliações, segredinhos, sentimentos de culpa, choro, alegria, discussões, incompreensões, biquinhos, ataques histéricos, traições, bateções de pé e todo o tipo de drama que uma família reunida assim depois de cinco anos pode gerar – e que continua implacavelmente gerando episódio atrás de episódio, do começo ao fim, sem dar uma pausa sequer para respirar -, mais fenômenos estranhos começam a acontecer com os passageiros, especialmente, claro, os Stones dados como mortos. Os mais relevantes deles são batizados de “chamados” e eles podem ser literalmente qualquer coisa – vozes, visões, semi-teletransportes, desenhos ou meras sensações – que em geral apontam um caminho críptico a ser seguido de forma a que alguém possa ser salvo. A conveniência do que são os chamados e a forma como eles vão ficando mais complexos e interligados, mas sempre, de alguma forma, gravitando ao redor da mesma família, mais especificamente de Cal Stone, chega a ser engraçado, assim como é o “uso único” de diversos passageiros que, em grande parte da temporada, passam a povoar a série na base de “passageiro misterioso que precisa ser ajudado da semana”.

O manual do que se esperar de séries dessa natureza foi muito bem seguido por Jeff Rake. Além do dramalhão geral e do uso absurdamente conveniente de passageiros aleatórios que são logo esquecidos para dar aquela impressão de um gigantesco mistério que afeta dezenas de pessoas e de que “tudo está conectado”, o criador da série não cansa de criar outros eventos que, quase que episódio a episódio, altera novamente o status quo, seja a revelação de que há mais um passageiro do que imaginávamos, até a revelação de que – surpresa, surpresa – o que aconteceu com o voo 828 não está limitado ao voo em si, algo muito bem representado pela mais do que misteriosa entrada de Zeke (Matt Long) na série graças a um complicado “chamado” de Cal e, mais hilariamente ainda, a manutenção do mistério sobre o personagem mesmo depois que ele retorna ao “mundo normal”. E isso sem contar com os aspectos radicais da coisa, com uma religião sendo criada para idolatrar os “retornados” e um grupo surgindo que desconfia que os “retornados” são ameaças para o mundo, além dos mais do que usuais vilões, no caso primeiro a NSA representada pelo diretor Robert Vance (Daryl Edwards) e, depois, por outras entidades, governamentais ou não, aparentemente comandadas por um mulher conhecida apenas como A Major (uhhhhhhhh, mais mistérios…).

Em outras palavras, é uma temporada daquelas bem mequetrefezinhas para assistir completamente despreocupado e desatento, quase que como pano de fundo para uma conversa à noite com os familiares ou durante um jogo de tabuleiro mais interessante do que o que está na tela (o que não é difícil, vamos combinar). Ou isso ou a série pode ser usada como fim em si mesmo, gerando risadas que não deveriam existir pois ela se leva a sério até demais ou competições do tipo “quantas vezes Ben dirá que tudo o que ele quer é proteger sua família?” ou “quantas vezes Michaela ficará com os olhos marejados por causa de Jared e/ou sua finada mãe e/ou sua melhor amiga e agora esposa de Jared?”. Porque podem ter certeza de que um desses eventos – mais comumente os dois – acontecerão em cada episódio e, provavelmente, mais de uma vez (a cada 10 minutos).

Estou sendo muito malvado com minha avaliação? Talvez, mas Manifest é uma gigantesca bobagem descartável na estrutura de “maluquice da semana” feita para beber da fonte inesgotável de séries baseadas em mistérios, com a (des)vantagem de que Jeff Rake não se sente obrigado a seguir um padrão ou regras fixas pré-determinadas, ou seja, tudo acaba parecendo aleatório e perdido, encaixando-se na conveniência da história específica sendo contada naquela semana e não no todo mais amplo que supostamente deveria ser único (e ainda pode ser, eu sei, mas estou analisando apenas a primeira temporada!). Existe valor em algo assim? Logicamente que sim, pois há gosto para tudo e gosto, como se sabe, não se discute, mas, para mim, há coisa muito melhor seguindo essa linha de mistérios insolúveis, como por exemplo observar as estrelas ou tentar entender como é que uma novela série dessas consegue chegar à sua quarta temporada…

Manifest – 1ª Temporada (EUA, de 24 de setembro de 2018 a 18 de fevereiro de 2019)
Criação: Jeff Rake
Direção: David Frankel, Dean White, Paul Holahan, Craig Zisk, Tawnia McKiernan, Félix Enríquez Alcalá, Michael Schultz, Nina Lopez-Corrado, Michael Smith, Marisol Adler, Millicent Shelton, Constantine Makris, Claudia Yarmy
Roteiro: Jeff Rake, Matthew Lau, Gregory Nelson, Bobak Esfarjani, Laura Putney, Margaret Easley, Amanda Green, Margaret Rose Lester, MW Cartozian Wilson, Ezra W. Nachman
Elenco: Melissa Roxburgh, Josh Dallas, Athena Karkanis, J. R. Ramirez, Luna Blaise, Jack Messina, Parveen Kaur, Matt Long, Daryl Edwards, Frank Deal, Alfredo Narciso, Mugga, Julienne Hanzelka Kim, Malachy Cleary, Geraldine Leer, Victoria Cartagena, Elizabeth Marvel
Duração: 680 min. (16 episódios)

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