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Crítica | Manifest – 4ª Temporada (Parte Um)

Manifestamente idiota...

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Jeff Rake já disse algumas vezes que seu planejamento original era que Manifest durasse seis temporadas, o que acabou frustrado pelo cancelamento da série pela NBC ao final da terceira temporada, e seu resgate pelo Netflix para apenas mais uma temporada de 20 episódios, sete a mais do que as duas anteriores, a serem exibidos em duas semi-temporadas de 10. Tendo assistido essa primeira metade, fico pensando se a palavra “planejamento” realmente se aplica ao que o showrunner tinha na concepção de sua obra ou se ela foi usada de maneira bem liberal, significando mais algo como “eu tenho o rascunho de ideia de um substituto de Lost que talvez precise de seis temporadas para ser descortinada exatamente como Lost“.

Afinal de contas, se o começo do empilhamento de mistérios aleatórios já não foi bom, com a segunda temporada apenas levemente melhorando o foco narrativo, a terceira veio para chutar completamente o balde da lógica interna e afirmar, categoricamente, como diria Cole Porter, que “vale tudo” quando o divino e o sobrenatural são invocados com o mesmo desprendimento daquela carta A1 do Super Trunfo. E os 10 primeiros episódios da quarta temporada de Manifest, estruturada como se fosse uma temporada completa, com dois arcos narrativos com direito a um episódio bombástico de metade de temporada e um cliffhanger para encerrá-la, continua a tendência do ano anterior, enxertando mais revelações tiradas da cartola, alterações sem hesitação dos alicerces narrativos e mais um monte de “explicações” que não explicam coisa nenhuma, a não ser que alguém se contente em aceitar, sem perguntar nada, o conceito de “consciência divina” que toma de assalto os episódios, de certa forma substituindo a Arca de Noé cujo último fragmento fora jogado na lava por Saanvi Bahl (Parveen Kaur).

Falando em cliffhanger, chega a ser hilário que ele basicamente seja a franzina Angelina, transformada na grande vilã da série toda, capaz de matar, sequestrar e roubar sem a menor hesitação, transformando-se na versão pobrinha do Thanos, com direito a uma “joia do infinito” cravada na palma de sua mão que ela usa para causar o apocalipse não só dos passageiros do voo 828, mas, agora, de todo o mundo. E não duvidarei nada se Cal (Ty Doran), agora crescido e curado do câncer pelo óbvio sacrifício de Zeke (Matt Long) que teve seu poder transformado de empatia para absorção de sentimentos e de doenças (WTF???), seja o super-herói que enfrentará a vilão nos céus de Nova York usando sua cicatriz-safira como arma. Aliás, devo dizer que, se é mesmo para chutar o balde, que Rake tenha coragem de fazer algo desse naipe logo de uma vez.

Sobre a estrutura desses 10 episódios, metade é usada para solucionar o sequestro da pequena Eden (as gêmeas Brianna Riccio e Gianna Riccio) dois anos depois dos eventos do terceiro ano e a outra metade lida com o retorno do câncer de Cal de um lado e a caçada à la Indiana Jones trash, com direito ao retorno providencial de TJ (Garrett Wareing) do Egito, da mítica Safira Ômega (parece nome de jogo de Pokémon…) que é como um transistor que permite comunicação com o divino (em tese) e a replicação dos Chamados (na prática). E, como é costume em Manifest, tudo é feito da maneira mais laboriosa possível, seguindo caminhos mais do que tortuosos a partir das visões da família Stone e a ajuda providencial de agregados que sempre estão à disposição para largar tudo para ajudá-los.

E, em meio ao caos narrativo, mais uma vez vemos os mistérios e revelações – aqui mais intensos e ainda mais aleatórios – tomarem de assalto de vez todo e qualquer desenvolvimento narrativo do núcleo principal de personagens, que passam a ser não mais personagens propriamente ditos, mas sim estereótipos classificáveis como “pai obsessivo”, “amigo compreensivo”, “policiais gente boa”, “loira faz-tudo”, “médica onisciente”, “ex-vilão prestativo”, “garoto sofredor” e “irmã interpreta tudo”, com o mesmo valendo para os vilões da série, a “maluca religiosa”, o “guia espiritual arrependido”, o “malandro manipulador, mas sempre útil” e a “cientista traiçoeira”. Todos agem sempre de maneira uniforme e repetitiva, com soluções para as situações mais impossíveis e mais crípticas valendo-se quase que exclusivamente de deduções sherlockianas mal conduzidas e de surreais conveniências de roteiro que só demonstram uma enorme preguiça em se fazer algo minimamente coerente.

E, como nenhuma regra interna da série é mantida de pé, sempre sendo suavizada, dobrada ou eliminada na medida em que Jeff Rake muda de ideia ao longo das temporadas, a série inteira perde a coesão. Sem um núcleo de personagens pelos quais realmente nos importemos, como era o caso de Lost (e olha que eu nunca gostei tanto de Lost assim…) e, talvez melhor exemplificando como o ponto alto desse tipo de série, The Leftovers, o que resta é encarar Manifest como um teste de paciência que ainda bem não terá seis temporadas. Mal posso esperar para que a metade final da série chegue para que eu possa rir mais um pouco e, ato contínuo, deixar para trás essa pataquada idiotizante.

Manifest – 4ª Temporada (EUA, 04 de novembro de 2022)
Criação: Jeff Rake
Direção: Romeo Tirone, Dean White, Marisol Adler, SJ Main Muñoz, Mike Smith, Harvey Waldman, Josh Dallas, Erica Watson, Cheryl Dunye
Roteiro: Jeff Rake, Simran Baidwan, Laura Putney, Darika Fuhrmann, Margaret Easley, MW Cartozian Wilson, Matt K. Turner, Ezra W. Nachman, Sumerah Srivastav, Ryan Martinez, Jimmy Blackmon
Elenco: Melissa Roxburgh, Josh Dallas, J. R. Ramirez, Luna Blaise, Ty Doran, Parveen Kaur, Matt Long, Holly Taylor, Daryl Edwards, Frank Deal, Malachy Cleary, Nikolai Tsankov, Jared Grimes, Garrett Wareing, Mahira Kakkar, Ali Lopez-Sohaili, Athena Karkanis, Brianna Riccio, Gianna Riccio, Ellen Tamaki
Duração: 457 min. (10 episódios)

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