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Crítica | Mar Infinito

A ficção científica em seu modo mais melancólico e romântico.

por César Barzine
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A ficção científica, quando vai além da caricatura de um arrasa quarteirões, abre um leque de possibilidades para explorar questões sociais e individuais. No momento em que grandes fenômenos da natureza distorcem a ordem comum das coisas, o ser humano é convidado a meditar sobre si mesmo, suas relações e a condição de estar-no-mundo. Tal potencial pode ser executado tanto como uma grande produção cheia de virtuosismos técnicos quanto numa obra mais minuciosa, focada em um microcosmo que sofre e reage com as ações externas a si mesmo. É nesse contato com a grandiosidade do cosmo que se revela algo ainda maior na pequenez do ser humano.

Essa tentativa de produzir um trabalho mais denso, aqui, vem dividida em duas fases diferentes, cada uma com certo andar e personagens distintos, porém carregando a mesma melancolia que domina o filme inteiro. A primeira parte conta com o protagonista Miguel, um homem que quer sair da Terra – no momento, esta, tornou-se um ambiente colonizado, estabelecendo o eixo distópico do longa – e vive ao lado de um pesquisador, que sugere uma pequena caricatura de cientista excêntrico, como se a história fosse caminhar para outro rumo, mais pautada no aspecto de sci-fi. Nesses primeiros minutos, que correspondem ao ato inicial, o roteiro trabalha para preparar o terreno em relação ao que viria depois, caracterizando Miguel e sua aspiração de sair daquele mundo.

Isso até que, na passagem para o segundo ato, a história muda significativamente com o ingresso de Eva. Se até este momento era um novo mundo do qual o protagonista buscava, é através do contato pessoal com uma mulher que ele acaba de conhecer que se concretiza todo o espaço em que virá a explorar e viver. Um se entrega ao outro de corpo e alma, passando a conviver como se fossem duas partes de um todo. Essa junção, em meio a toda aquela expansão de espaço que se faz presente – algo que parte justamente de uma questão de estender o olhar diante dessas dimensões territoriais -, atinge um tom de leveza e graciosidade entre eles, pois ataca justamente no cerne desse fator de desolação que havia entre os personagens;  que é a espera de algo, por um encontro que os preenchesse.

O abismo entre o aqui e agora com o refúgio em outro planeta e a desolação de pertencer a um contexto distópico abrem essa chama interior, construindo o caminho pessoal dos dois onde um toca no âmago do outro. Apesar dessa revigoração que o casal percorre, a melancolia ainda se mantém lá, como um aspecto soturno que cobre o filme e é ressaltado pelo minimalismo de uma produção intimista acompanhada de um visual noturno com intensa presença do azul e uma iluminação que valoriza perfeitamente o uso econômico da luz, criando excelentes planos ao trabalhar com o contraste entre o escuro e o claro – este último que, de tão frio, também acaba parecendo ser escuro. Um visual que é bastante sintomático à atmosfera contemplativa da qual a direção busca provocar, formando uma narrativa com menos atritos e mais calor humano.

Mar Infinito é uma obra que parece ser próxima e distante ao mesmo tempo. É distante quando olhamos a situação que se passa naquele mundo, e próxima quando toca nos afetos individuais, indo além da ânsia pragmática que se faz obrigatória em meio a um estado de calamidade. A permanência naquele ambiente urbano e ainda um pouco vivido em seu urbanismo, nos prédios e luzes que lá comparecem, quase chegam a tirar de Mar Infinito o posto de sci-fi. Com efeito, a obra se constitui entre o cosmológico e o existencial, resultando justamente nessa fusão de frieza e sentimento, isolamento e romance. A distopia, neste caso, é menos cruel e mais melancólica, sendo também serena nesta produção tão dúbia ao lado de sua simplicidade.

Mar Infinito (idem) – Portugal, 2021
Direção: Carlos Amaral
Roteiro: Carlos Amaral
Elenco: Nuno Nolasco, Maria Leite, Paulo Calatré, António Durães, Pedro Galiza
Duração: 78 minutos.

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