“[Um documentário]” é tipo um filme, mas ninguém tem falas e ninguém sabe o que é quando está fazendo”.
Marcel é uma adorável concha que sequer chega aos três centímetros de altura e usa pequenos sapatos, mas conquista as pessoas com seu carisma e falas otimistas. Ainda que viva com sua avó-concha, Connie, Marcel sente falta da sua comunidade de conchas, depois de uma tragédia (da qual não gosta de falar) fazer com que a família se separe dele. Contudo, Marcel conhece um documentarista que fica interessado em contar a sua história, e o que começa como vídeos rápidos para a internet logo transforma a pequena concha em um sucesso nacional, ao ponto de atrair celebridades e jornais de todo o mundo na esperança de reencontrar sua família, mas também surgem perigos que podem acabar com a tranquilidade da dupla.
Por conta do formato em stop-motion dos segmentos que envolvem Marcel e outros objetos antropomorfizados, a produção total do longa durou quase sete anos, e mesmo com alguns diálogos improvisados, um dia de filmagem rendia apenas de cinco a dez minutos de material gravado. Esse é o tipo de esforço que é impossível não ser levado em consideração quando falamos de filmes como esse, embora essa crítica não leve em consideração apenas o esforço, mas a execução, e esse foi um dos destaques da obra. Se esse elemento animado não funcionasse, o longa perderia muito do seu charme, mas felizmente temos um ótimo híbrido de animação em stop motion com live action e efeitos especiais com a direção precisa de Dean Fleischer Camp, que em vários momentos se arrisca deixando evidente o elemento artificial da obra ao mesmo tempo que tenta realizar uma cena dramática que exige uma conexão maior do expectador, o que não é fácil de fazer.
Fleischer merece tantos elogios por seu trabalho por trás das câmeras quanto a atriz Jenny Slate, que dubla a concha protagonista e assina o roteiro ao lado de Fleischer e Nick Paley. Para quem estava acostumado a assistir Slater interpretar um papel hilário, porém repetitivo, em comédias como Parks and Recreation, é sempre ótimo vê-la em obras onde pode mostrar mais todo seu lado cômico, mas também dramático, como fez em Entre Risos e Lágrimas ou Conflitos em Família. Como Marcel, ela traz todo a parte fofa e carinhosa que a personagem precisa, mas também lida com os momentos mais tristes da jornada da concha de sapatos.
Por cima do híbrido de stop motion com live action, a obra ainda segue o formato documental, então além de poder brincar com a estrutura, fazer piadas e levantar um mistério sobre partes do passado de Marcel, o filme acaba cheio de participações especiais de figuras reais do jornalismo, como Lesley Stahl e Conan O´Brian, que é meio arroz de festa, então não é uma participação tão especial assim – mas adoramos ele. Também temos no elenco nomes como Isabella Rossellini, fazendo a voz da concha-avó, Connie, além de Rosa Salazar como a humana Larissa, e outros comediantes que vão de Jessi Klein até Nathan Fielder. Junte isso tudo com a música de Disasterpeace e temos a ambientação perfeita para a jornada inspiradora de Marcel.
Charmoso do início ao fim, Marcel the Shell with Shoes On é uma linda história clássica de descoberta, funcionando quase como um coming of age para a pequena concha de sapatos, que também é uma das protagonistas mais carismáticas do cinema, com um otimismo inabalável e vontade de ajudar, Marcel nos mostra a melhor forma de lidar com as amizades, mas também temas delicados como trauma e luto. Uma obra linda sobre as relações humanas, ainda que contata através de uma pequena concha de voz fina e sapatos coloridos.
Marcel the Shell with Shoes On (EUA, 2021)
Direção: Dean Fleischer-Camp
Roteiro: Dean Fleischer-Camp, Jenny Slate, Nick Paley
Elenco: Jenny Slate, Dean Fleischer-Camp, Isabella Rossellini, Joe Gabler, Shari Finkelstein, Samuel Painter, Blake Hottle, Scott Osterman, Jeremy Evans, Lesley Stahl, Rosa Salazar, Thomas Mann, Sarah Thyre, Andy Richter, Nathan Fielder, Jessi Klein, Peter Bonerz, Jamie Leonhart, Conan O’Brien, Jesse Cilio, Brian Williams
Duração: 90 min.
