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Crítica | Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga

Liras do Arcadismo versa sobre amor e prisão.

por Leonardo Campos
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O amor entre duas pessoas como mote para a composição de um poema é o que encontramos em Marília de Dirceu, obra de Tomás Antônio Gonzaga que ao lado de suas satíricas Cartas Chilenas, demarcam o cartão-postal de sua carreira intelectual e literária. Mergulhado num complexo contexto histórico de reverberações que posso apontar como ainda presentes na contemporaneidade, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, o autor responsável pelas aclamadas liras, associadas ao Arcadismo, colocou em cada vocábulo de suas estrofes a exasperação de seus sentimentos, a dor da perda da mulher que seria a sua acompanhante para toda a vida, além de desenhar, para os seus leitores, cenas do Brasil de sua época, retratados por meio das palavras cuidadosamente alinhadas em cada passagem poética de sua composição. Aos leitores, o básico: Marília de Dirceu versa sobre o amor entre o poeta e a sua musa, Doroteia de Seixas Brandão. Ela a conheceu quando a jovem tinha apenas 17 anos. Tudo indicava um retumbante jargão de “felizes para sempre”, mas a situação política do país e alguns contratempos sociais impediram que este amor se perpetuasse para a “eternidade”.

Dividida em três partes, isto é, o antes, durante e o depois do envolvimento de Tomás Antônio Gonzaga com a Inconfidência Mineira, Marília de Dirceu hoje é uma publicação encontrada em duas partes, haja vista a decisão de um dos maiores especialistas em sua composição, Leonardo Campos, pesquisador que acredita nesta modalidade como uma estruturação mais adequada e de acordo com os ideais do autor. Na primeira, percebemos uma deslumbrante captação do espaço físico e humano do território brasileiro no período em questão, os anos 1700. Ela versa para Marília, a sua musa, entregando ao leitor um retrato apaixonado, mas também permitindo uma observação praticamente cinematográfica da economia e da cultura daquele momento, cheio de pormenores sobre a devastação das matas por causa da agricultura em expansão, bem como uma descrição da vida burguesa, da ode ao trabalho intelectual, em suma, do culto ao saber, um dos pontos característicos mais marcantes das composições árcades.

A segunda parte, mais pessimista, é uma assertiva pintura de quadros deste mesmo cenário, com distribuição de cores para todos os lados, numa descrição poética que seria um vislumbre, caso um diretor de arte tivesse que transformar o seu conteúdo em filme ou série, isto é, trazer o material poético de Tomas Antônio Gonzaga para uma tradução audiovisual. Nas liras, encontramos o culto ao bucolismo, a contemplação das paisagens, tudo isso por meio de uma sintaxe direta, organização racional da poesia, numa lógica que se diferencia do que era moda no período anterior, o Barroco, dando agora ao fazer poético, uma estrutura que elimina os excessos, considerados pelos poetas deste movimento como “aquilo que era inútil”. Nesta linguagem clara, a transpassar por cenas pastoris, o poeta versa sobre o seu amor, não se dissocia do seu contexto e reflete sobre as consequências políticas que o levaram ao encarceramento, processo que o destronou da equilibrada e prestigiada vida que mantinha.

Publicada em 1972, ainda é muito recorrente em vestibulares e na educação básica. Nesta poesia, Tomás Antônio Gonzaga faz referências ao gado, as ovelhas, a vida tranquila e natural dos pastores das montanhas, figuras que emulam a Antiguidade Clássica e suas peculiaridades. Ele, no entanto, não é um pastor qualquer. Era um homem de certas posses, dono de prestígio social, funcionário de um cargo respeitado e no linguajar da contemporaneidade, era um “cara” relativamente bem-sucedido. Estudioso, culto e articulado, não foi exatamente um nome de grande destaque no movimento registrado em nossa história como Inconfidência Mineira, mas, por traição e vingança de Joaquim Silvério dos Reis, foi acusado de conspirador, sendo descrito como um dos líderes do levante perpetrado por Joaquim José de Silva Xavier, o famoso Tiradentes que deixou um legado em nosso processo histórico e ainda nos concedeu um feriado nacional no mês de abril do nosso calendário anual. Acusado de conspiração juntamente com Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa, o autor de Marília de Dirceu foi preso, afastado de sua vida social e política, enviado para Moçambique e, distanciado de sua amada, construiu outra rotina distante, situação que o impactou na construção deste poema considerado como uma das obras-primas da literatura brasileira.

Marília de Dirceu (Brasil, 1792)
Autor: Tomas Antonio Gonzaga
Editora: Ática – Série Bom Livro
Páginas: 40

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