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Crítica | Marjorie Prime

por Guilherme Coral
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A natureza do ser humano, o que nos define, nos diferencia de outras raças, pode ser colocada como um de nossos questionamentos essenciais e pode ter como centro da questão a própria memória, que não passa da nossa subjetiva percepção sobre o que já passou, sendo, pois, consideravelmente falha, não importando o quão grande seja a capacidade cognitiva de cada um – afinal, com o passar dos anos, mais nossas lembranças vão se alterando, passíveis de interferência por nossas emoções e, claro, novas experiências, as quais passam a ocupar mais e mais espaço em nossas tão frágeis mentes, aspecto, esse, que é trabalhado em Marjorie Prime.

Baseado na peça de Jordan Harrison, o longa-metragem de Michael Almereyda nos apresenta a Marjorie (Lois Smith), uma senhora que sofre de Alzheimer, dependendo, pois, do cuidado de sua filha, Tess (Geena Davis) e seu genro, Jon (Tim Robbins), que, por sua vez, a fim de trazer certo consolo para a senhora, contrata um serviço que recria, holograficamente, o falecido marido de Marjorie, Walter (Jon Hamm), cujas memórias e personalidade são reconstruídas a partir de relatos contados pelos integrantes da família, diálogos e pesquisas realizadas pelo próprio programa de computador, que se torna cada dia mais parecido com o ente perdido.

De maneira singularmente  delicada e sensível, Marjorie Prime coloca em questão o luto em si, trabalhando a percepção de seus personagens sobre as reconstruções holográficas de familiares falecidos, recepção essa que vai da aversão até o consolo, que, claro, é fornecido por essa forma de se ter por perto quem já nos deixara – nos dois casos, porém, independente de como o personagem (vivo) se porta diante dessas inteligências artificiais, somos mantidos em posição desconfortável, de forma que nós próprios passamos a sentir falta de algo, dialogando, pois, com a própria perda dos indivíduos retratados, em exercício pleno de empatia.

Esse desconforto, claro, está diretamente ligado à maneira como esses humanos virtuais dialogam e se portam, com toda a sua linguagem corporal e falas girando em torno do fato que não são verdadeiramente humanos, algo que já pode ser observado logo nos minutos iniciais, quando vemos Marjorie conversando com Walter – aqui é preciso observar a habilidade de Jon Hamm (e de praticamente todo o elenco, conforme progredimos) em transmitir a sensação de que algo não está bem certo, sentimento esse que se mantém mesmo quando já temos total consciência do que está acontecendo naquela casa.

Aliás, deve ser observado como a própria utilização dos cenários contribui para essa nossa percepção, já que praticamente não vemos movimentos entre um cômodo e outro da casa, como se tudo fosse, efetivamente, segmentado, abrindo, pois, uma brincadeira com nossa noção desse espaço, que passa a ser percebido como um tanto artificial, não gerando dúvidas sobre sua verossimilhança e sim sobre sua realidade nesse universo, questão apenas aumentada pelo constantemente ofuscado exterior da casa, seja pela forte luz do sol, pelo tempo nublado, ou pela chuva – ponto que, claro, mais do que combina com a temática do luto da obra, dando um ar de além-vida a esse local.

Por ser pautado quase que exclusivamente em diálogos, por sinal, muito bem escritos por Michael Almereyda, que capta temáticas pertinentes à personalidade de cada um dos personagens, o filme acaba adotando um ritmo mais lento, requerendo, pois, atenção redobrada de seu espectador – tal ponto, porém, não deve ser enxergado como grande deslize, já que as genuínas interpretações do elenco são mais do que capazes de captar nosso interesse, além, é claro, da utilização dos elementos de ficção científica, os quais, não soam tão distantes de nossa própria realidade, vide o aplicativo Replika.

Marjorie Prime, portanto, pode ter uma narrativa mais lenta, mas isso não é capaz de nos afastar das pertinentes questões filosóficas levantadas pelo roteiro, que aborda o luto fazendo bom uso da ficção científica, que, dependendo do rumo que nossa tecnologia irá tomar, poderá se transformar em um olhar sobre o futuro, que pode, ainda mais, aumentar as nossas dúvidas sobre a natureza do ser humano.

Marjorie Prime — EUA, 2017
Direção:
 Michael Almereyda
Roteiro: Michael Almereyda (baseado na peça de Jordan Harrison)
Elenco: Jon Hamm, Geena Davis, Tim Robbins, Lois Smith, Hannah Gross, Stephanie Andujar, Azumi Tsutsui, Hana Colley
Duração: 109 min.

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