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Crítica | Martha Marcy May Marlene

por Luiz Santiago
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_ Você sabe que a morte é a parte mais bonita da vida, certo? A morte é bonita porque todos a tememos. E o medo é o sentimento mais incrível de todos porque cria a consciência completa. Quando você tem medo, ele o obriga a estar plenamente ciente do seu entorno e do momento. Ele o traz ao “agora”. E te deixa verdadeiramente presente. […].

Martha Marcy May Marlene

Martha

O clã dos Olsen mostra ao mundo o seu mais novo rebento, a bela Elizabeth, que estreia com louvor o primeiro longa-metragem de Sean Durkin, Martha Marcy May Marlene (2011), uma película sobre a paranoia, o medo e a submissão de uma jovem, com base em um tipo de esoterismo muito comum nesse momento de gritos e sussurros sobre o atual estado das coisas para a humanidade.

Tanto Elizabeth Olsen quanto Sean Durkin fazem um trabalho exemplar em suas estreias em longas metragens, e o produto resultante dessa parceria não poderia deixar de ter a vitalidade que tem as mais recentes (e boas) estreias no cinema estadunidense, como Direito de Amar (2009) e Apenas uma Noite (2011). A história de Martha, no entanto, é algo bem diferente do que se pode esperar de uma estreia cult com pretensões comerciais. Ao mesmo tempo que ousa estampar um final aberto e uma narrativa em continuidade, o longa se impõe como um desafio para o espectador: o que acontece, exatamente, após a cena final? Parece a velha pergunta das novelas e séries no melhor estilo “quem matou?”, mas nesse caso, a resposta vai muito além do comum.

Marcy May

Nos dois anos que esteve longe da família, Martha conviveu com um grupo de pessoas em uma fazenda, numa espécie de culto semelhante ao da Família Manson, fundada 1969, nos Estados Unidos. A família foi responsável pelo assassinato de diversas pessoas, dentre elas, a atriz Sheron Tate, esposa de Roman Polanski na época. O filme de Sean Durkin aborda a vida relativamente pacífica de Martha nos anos em que passou na fazenda, purificando-se de suas impurezas trazidas de fora. O estilo de vida adotado pelos integrantes dessa “sociedade alternativa” consiste em alimenta-se apenas quando (e do) necessário – “Seu corpo não precisa de tanta comida”, diz Martha para seu cunhado, em certo momento do filme; manter relações com pessoas do grupo, em uma liberdade e “organização sexual” próximas à orgia (nesse ponto, lembra de maneira muito distante o último filme de Kubrick, De Olhos Bem Fechados, 1999) e uma disposição plena para o trabalho. Aparentemente, não é um grupo ameaçador. A reclusão deles é talvez menos inofensiva que a reclusão platônica em A Vila (2004), e mais libertária e deliberada que a reclusão forçada e super-protetora mostrada em Dente Canino (2009). Todavia, um episódio com o grupo fará Martha mudar de ideia em relação a tudo, e o medo começa a aparecer em sua mais pura forma.

A edição de Zachary Stuart-Pontier é funcional, objetiva e bela. A alma do filme se reflete nessa montagem alternada e pontual, que traz em flashbacks os momentos vividos por Martha no culto, enquanto ela sofre, paranoica, na segurança fria da casa de sua irmã. É nesse estado psicologicamente alterado da protagonista que lidamos com a confusão do espaço fílmico em sua continuidade temporal. O passado e o presente se confundem. Martha chega a perguntar para Lucy: “Você já teve aquela sensação onde não saber dizer se uma coisa é uma lembrança ou um sonho?”. Essa pergunta é praticamente a premissa de quase todos os filmes de David Lynch, e não seria loucura estreitarmos uma relação ao menos en passant entre a típica realidade lynchiana e o labirinto temporal percorrido por Martha. É claro que o significado vital do filme é jogado para o espectador no final, mas o que ocorre após a derradeira cena é a coisa menos importante da película.

Marlene

[contém alguns spoilers]

Para os afeitos a análises plenamente simbólicas da Sétima Arte, temo que este seja um filme decepcionante. O único elemento simbólico relevante do filme é o animal que oscila entre as tendências benéficas e maléficas, o que se pode explicar pela sua atitude a um só tempo terna e dissimulada: o gato. Levando em consideração a cena e as condições em que o felino aparece, não fica difícil para o espectador depreender o seu significado para a obra a partir daquele momento.

Se excluirmos o velho dilema do final aberto (que tem por objetivo justamente deixar livre para o espectador a escolha do significado), e transpormos a barreira da organização temporal do filme (que na verdade nem é complexa, só exige um pouco de atenção), temos um único ponto a ser dissecado: os nomes. Disponibilizarei uma pequena colocação de “quem é quem”, e ao lado de cada nome, o seu significado, para que o espectador possa talvez enriquecer a sua compreensão das motivações da protagonista em cada uma de suas encarnações como mulher.

Em primeiro lugar, não podemos esquecer que Martha Marcy May Marlene são as três fases da vida de uma única pessoa. Martha (“senhora da casa”) é a garota que foi para a faculdade e depois desapareceu, voltando para casa da irmã dois anos depois. Marcy (“aquela que invoca a luz do dia”) May (“divindade da mata”) era o nome de Martha no culto. Vale dizer que todos tinham o seu nome mudado quando chegavam à fazenda. Marlene (“cidade de torres”) era o “nome padrão” que todas as mulheres da fazenda deveriam dar a quem perguntasse, no caso de um telefonema. As mulheres deveriam responder Marlene Lewis e os homens Michael Lewis. Essa anotação pode ser lida em um cartaz na parede acima do telefone, numa das cenas finais do filme.

Diferente de outra obra cujo título traz três nomes femininos, Vicky Cristina Barcelona (2008), Martha Marcy May Marlene retrata as várias faces de uma mesma mulher. O interessante é que o filme nos lembra muitíssimo o glorioso Três Mulheres (1977), de Robert Altman, principalmente no relacionamento familiar entre as duas irmãs. Mas em sua atmosfera um pouco macabra e paranoica, o filme se inventa sozinho e nos vende com muita competência a loucura de entender o mundo, a história e o comportamento de alguém que não sabe ao certo quem é e em que tempo vive. O trunfo é justamente a incerteza, depois de todo o suspense arquitetado. Resta ao espectador terminar o filme.

Martha Marcy May Marlene (EUA, 2011)
Direção: Sean Durkin
Roteiro: Sean Durkin
Elenco: Elizabeth Olsen, Christopher Abbott, Brady Corbet, Hugh Dancy, Maria Dizzia, Julia Garner, John Hawkes, Louisa Krause, Sarah Paulson, Adam David Thompson, Allen McCollough
Duração: 102min.

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