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Crítica | Martin Mystère – Vols. 7 a 9: O Homem Que Descobriu a Europa e A Fonte da Juventude

Que tal começar tudo de novo?

por Luiz Santiago
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Quem quer viver para sempre? O debate ou mesmo a conversa filosófica e existencial a respeito da mortalidade humana e da possibilidade de vivermos para sempre é algo que leva os debatedores a discussões curiosas a respeito da possibilidade de se “aproveitar tudo aquilo que o mundo e a cultura humana tem para nos oferecer” e também da possibilidade de enjoarmos da tal vida eterna, que acabará se tornando uma maldição. Neste arco de Martin Mystère, no entanto, o roteirista Alfredo Castelli busca um outro tipo de vivência. Não a eterna. Mas aquela capaz de rejuvenescer a pessoa, dando-lhe a oportunidade de aproveitar a vida por muito mais tempo. Note que a mortalidade está em jogo. A pessoa vai morrer. Mas vai demorar muito mais que o normal para que isso aconteça.

O roteiro desse arco do Detetive do Impossível é baseado na antiga lenda da existência da Fonte da Juventude. Historicamente, podemos rastrear desde Heródoto a citação dessa Fonte, quando ele fala sobre os Macrobianos (ou “longevos“), indivíduos do Chifre da África que tinham uma longevidade excepcional. Ao longo da História, a gente pode observar lendas com essa temática vindas do Oriente Médio, como aquela ligada a Al-Khidr, personagem lendário islâmico, do misticismo sufi, do qual existem algumas referências no Alcorão (diz-se que ele encontrou a Fonte e acredita-se que esteja vivo até hoje). Outra vinda da África, relacionada ao lendário soberano cristão da Etiópia chamado Preste João, que supostamente se banhava na Fonte (notem que, geograficamente, o território de Preste João é próximo ou o mesmo território dos Macrobianos de Heródoto!). E duas vindas da América, uma relacionada aos indígenas Arawaks e à ilha de Bimini (um dos 32 distritos das Bahamas) e outra muito famosa relacionada ao conquistador espanhol Juan Ponce de León e a busca pela Fonte da Juventude na Flórida.

Castelli não faz uma longa viagem histórica aqui. Ele toma o contexto de Ponce de Léon para o desenvolvimento em torno de um falso descendente e de uma busca contemporânea pela fonte, começando com um contexto histórico muito interessante, na edição O Homem Que Descobriu a Europa. Isso se dá em uma cena litorânea, em Cádiz, Espanha, no ano de 1140. Alguns pescadores resgatam um indígena que carregava, em um recipiente bem selado, uma carta endereçada ao Papa Honório II, o que causa confusão entre esses homens, porque o Papa em exercício naquele momento era Inocêncio II. Honório já havia morrido. O roteiro mostra muito bem como um homem com uma cor de pele diferente é encontrado em condições bastante difíceis pode ser tratado por pessoas simples e por pessoas ligadas ao poder religioso de uma sociedade fortemente ancorada em uma ideologia clerical. A ordem do Papa para aprisionar o indígena, a fim de que não espalhe a “heresia” de que existiam terras para além do Oceano Atlântico é um grande exemplo disso.

Me incomodou um pouco as idas e vindas no tempo que o autor fez aqui. Normalmente seus roteiros são mais centrados, conseguem misturar de maneira mais orgânica os diferentes tempos históricos, mas isso não aconteceu nessa trama, que é grande, contando com 200 páginas, e que se perde algumas vezes no meio do caminho. Talvez seja pela força do bloco medieval, mas, quando há a quebra para o presente, o leitor sente muitíssimo o peso da mudança e fica difícil o engajamento na história de maneira rápida. Fica muito solta e mal estruturada a perseguição que Henry De Leon, um velho milionário de nosso tempo, faz a Martin e ao seu colega, o professor e arqueólogo Vincent Von Hansen. É a parte mais fraca da aventura porque se desvia por muito tempo de seu principal objetivo, e, quando volta a ele, é por uma brincadeira que foca na percepção do leitor de modo não tão interessante como parece (temos até uma referência a Mister No aqui, indicando que De Leon utilizou os serviços do piloto procurando a Fonte da Juventude na Amazônia).

O final desse arco me agradou bastante. Depois de muita dificuldade em embarcar novamente naquilo que o autor estava propondo, creio que o pedaço do texto que a gente tem na edição 9 já traz algo que consegue elencar todos os ingredientes interessantes do enredo e principalmente concluí-los de modo emocionante. É muito legal ver a brincadeira de dualidade no encerramento, porque o leitor sabe exatamente o que aconteceu. Este já é um princípio fixo da série, mas, até aqui, nunca me cansei dele. A dúvida compreensiva de Mystère e o choque de realidade diante de seu amigo com face jovem são coisas verdadeiramente impagáveis nesse tipo de história. E para fechar a discussão que abri no começo desse texto, quero dizer que jamais gostaria de viver para sempre, mas com certeza faria uso pelo menos uma vez da Fonte da Juventude, para poder aproveitar mais tranquilamente algumas fases da vida. E vocês, o que pensam a respeito? O que fariam diante da Fonte?

Martin Mystère – Vols. 7 a 9: O Homem Que Descobriu a Europa e A Fonte da Juventude (L’uomo che scoprì l’Europa / La fonte della giovinezza) — Itália, outubro a dezembro de 1982
Roteiro: Alfredo Castelli
Arte: Franco Bignotti
Capa: Giancarlo Alessandrini
No Brasil: Editora Globo, 1987
200 páginas

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