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Crítica | Matador (1986)

Fascinação pela morte.

por Luiz Santiago
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Matador (1986) é o filme que representa a chegada de Pedro Almodóvar ao confortável domínio de seu estilo e dos meios para atingir algo que pudesse chamar de “seu cinema”, especialmente depois das lições aprendidas com seu longa-metragem anterior, O que Eu Fiz para Merecer Isto? (1984). Mesmo que não seja esteticamente muito exigente, como se tornariam os futuros filmes do diretor, Matador trouxe a primeira fase do amadurecimento de temáticas em seu Universo, bem como a escalação de elementos visuais com força o bastante para serem vistos como plantio de uma semente cujos frutos distinguíveis e eternamente ligados à figura do cineasta seriam fartamente conhecidos.

Segunda colaboração de Antonio Banderas com Almodóvar, a película se volta para um estudo da atração que a morte causa em dois personagens: um toureiro aposentado após um grave acidente (Diego, interpretado por Nacho Martínez) e uma advogada que tem obsessão por um determinado tipo de prazer e uns segredos bem sombrios (María, interpretada por Assumpta Serna). Em momentos diferentes da narrativa, os dois personagens são introduzidos e nos fazem olhar o assassinato a partir de um ponto de vista peculiar: o do prazer sexual. Matar pessoas, nessa realidade, leva os criminosos a sentirem algo diferente, tanto em gozo íntimo quanto em realização mental, pois imaginam que estão “no caminho de algo“, obedecendo a um impulso incontrolável, fazendo desses assassinatos uma espécie de missão ou ritual pessoal.

Para Almodóvar, a morte é um espetáculo que precisa ser apreciado não apenas em sua manufatura escrupulosa, mas também em suas motivações sociais e psicológicas. Na abertura do filme, uma das cenas de morte que Diego vê na TV é do filme Seis Mulheres Para o Assassino (1964), de Mario Bava, o que indica um olhar atento para os assassinatos, sempre cheios de significados, como como prega o giallo. Notem que cenas de Duelo ao Sol (1946) e Lua Sangrenta (1981) são exibidas aqui aliadas a um sentido narrativo claro, seja por contraponto, seja por confirmação de um desvio comportamental resultante em crime por prazer. E é nessa sociedade doente e violenta que os personagens da obra vivem e agem, fugindo de verdades pessoais e fazendo de tudo para não terem de lidar com seus próprios demônios… até que entenderem que é tarde demais para fugir.

O personagem de Banderas é um grande exemplo disso. Mesmo tendo indicações homossexuais em sua vida, em seus sentimentos, ele opta por um meio violento para “provar” ao professor que não é um maricón e, de uma forma que a gente não percebe, descobre ou intui coisas que posteriormente serão a chave para a sua fuga total da sociedade, talvez isolando-se para “ficar bem” ou tentando punir sua insuportável mãe. A essas possibilidades, uma outra camada de disfarce pode ser adicionada, e ela diz respeito a algo sobrenatural que toma conta do final do enredo e que, junto com a mística em torno do eclipse, enfraquece demasiadamente o filme, que estava indo muito bem em seu drama policial e estudo de personagens ligados à violência. Sem contar que já havia uma atmosfera cultural em cena dando suporte a isso, a da touradas, que é algo tão caro aos espanhóis.

Assumpta Serna domina com serenidade sua personagem, e tem os melhores figurinos de todo o filme. Sua caracterização passa por uma grande transformação entre o primeiro e o segundo momento em tela, e sua influência sobre alguns personagens masculinos gerará ações que nos levará para o final do filme. Em Matador, analisa-se que quando o extremo de algo é intimamente desejado por duas pessoas, é quase certo que irá se tornar um símbolo ao mesmo tempo de gozo e martírio, talvez tendo como visão da sociedade a ideia de uma “punição através da morte“. Na outra ponta da régua estão os que interiorizam os seus mais simples desejos e preferem assumir crimes que não cometeram, pegar para si uma fama que não mereceram, a mostrar para o mundo ao menos a superfície de sua verdadeira face.

Matador (Espanha, 1986)
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, Jesús Ferrero
Elenco: Assumpta Serna, Antonio Banderas, Nacho Martínez, Eva Cobo, Julieta Serrano, Chus Lampreave, Carmen Maura, Eusebio Poncela, Bibiana Fernández, Luis Ciges, Eva Siva, Verónica Forqué, Agustín Almodóvar
Duração: 110 min.

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