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Crítica | Matadores de Velhinha

por Pedro Roma
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A famigerada teoria de autor começou a ganhou certa notoriedade e reconhecimento na década de sessenta, muito por seu apelo popular; uma crítica cinematográfica atinge um público bem maior que complexas e intricadas teorias filosóficas acerca da montagem, por exemplo. Esse período ficou marcado, entre outras tantas importantes publicações, pela Cahiers du Cinema, periódico que além de abrigar importantes nomes como Jean-Luc Godard, François Truffaut e Claude Chabrol, contribuiu para uma certa popularização do ”falar sobre cinema”, por assim dizer, antes um tanto mais restrito a certos círculos. Marcada pela ideia de que há dois tipos de produção cinematográfica, a mercadológica, feita industrialmente, como a Hollywoodiana, na qual se tem operários da arte; por outro lado se tinha o conceito do autor, sujeito criador que análogo a um escritor, por exemplo, é o gênio que cria a obra. É bom salientar que esse posicionamento não declarava nenhum ódio á Hollywood ou a sua produção artística, muitos desses autores se formaram vendo esse cinema, mas demarcava um posicionamento crítico, muito inspirado nas várias leituras da tal indústria cinematográfica, perpetradas trinta anos antes pela escola de Frankfurt.  Autores como Theodor Adorno e Walter Benjamin, mesmo que marcados por profundas diferenças, foram muito importantes à esse período, a ideia de ‘‘aura”  na arte é vital na hora de compreender a necessidade daquele período de trazer cada vez mais relevância ao trabalho artístico do diretor criador.

Essa é uma questão bastante complicada, afinal esse discurso pode desembocar facilmente em egocentrismo, o típico ”cinema de arte”. A própria questão da teoria de autor ganhou uma revisão na sua importância para com o estudo do cinema; da mesma forma declarações como as do diretor Alejandro González Iñárritu; “o problema com gêneros é que eles vêm da palavra ‘genérico‘”, não tem aceitação nem entre seus colegas de profissão. A barreira entre o mercado e a arte se tornaram mais dissipadas ao longo desses anos; os filmes de gênero apresentaram ao longo da História qualidade e importância tão ou maiores do que aqueles enxergados como de arte; o problema passou a ser, então, a própria estrutura do mercado, mais do que suas criações. Todos são autores; mesmo que nem todos concordem. Todos fazem arte, embora alguns se vejam mais artista que a maioria. 

Os diretores Joel e Ethan Coen são reconhecidos por brincar com essa questão, a do gênero cinematográfico. Sendo Fargo (1996) um importante ponto de virada em suas carreiras, mesmo que o primeiro trabalho em dupla tenha sido doze anos antes, em Gosto de Sangue (1984), uma espécie de homenagem ao próprio cinema americano tornou-se hábito para ambos, e com grande qualidade diga-se. No exercício da tragicomédia, ás vezes mais trágica que cômica, a vida interiorana é tratada sem preconceitos, questões ás vezes escorregadias como o preconceito racial e a intolerância religiosa figuram lado a lado com a ganância, o crime e a violência. Basta um  olhar mais aproximado para os tipos se apresentarem; são cowboys, ladrões, policiais, velhinhas, desocupados, que em comum tem apenas a qualidade de… serem patéticos. Esses personagens que povoam suas obras estão entre seus pontos mais interessantes, assim como o uso intenso de cortes ou a maneira como os close-ups são utilizados para reiterar a tensão na mise-en-scène. Talvez eles possam ser tidos como autores. Não saberia dizer, mas certamente são criadores com uma marca indelével em seu modo de gravar, o que por si só lhes trouxe um bom reconhecimento. Além de sua clara qualidade, os Coen tem uma marca a ser reconhecida. 

Ambos já não eram mais iniciantes quando decidiram filmar uma comédia quase pastelona, seu Dr. Fantástico por assim dizer. Com Matadores de Velhinhas eles continuaram no mesmo tom que adotaram em outras comédias, histórias cheias de reviravoltas absurdas, com personagens bastante estilizados e conflitos culturais iminentes. Na trama,  o professor  G.H. Dorr (Tom Hanks) decide  roubar um Casino flutuante em New Orleans e, para tanto, terá de alugar um quarto na casa da inveterada viúva Marva Munson (Irma P. Hall), exageradamente cristã. É bem interessante como a narrativa é construída, de modo a colocar didaticamente cada personagem em sua própria perspectiva. Tanto o resto do bando como a própria velhinha fazem ver quase ‘‘máscaras perfeitas”; ela, por exemplo, é um tipo bastante conservador que não aprecia a nova música, ”hipt hopt”. O destaque central é a relação entre todos esses elementos dramatúrgicos, todos esses personagens, ingredientes que trabalhados de maneira cômica atraem o espectador facilmente. Outro ponto positivo é o elenco. Como de praxe, os Coen trabalham com uma grande variedade de tipos de atores, o que os possibilita alcançar várias situações engraçadas diferentes, tudo cozinhado com um tom leve de filme policial. Edgar Allan Poe é citado diretamente.

A experiência do espectador acaba sendo muito gratificante. O filme tem um bom ritmo, imprimido por sua montagem ágil e ótima escolha de planos que garantem uma certa dose de suspense e acabam prendendo a atenção de quem insiste na película. Porém, o filme  não consegue impressionar ou empolgar mais que duas sequências consecutivas, um grave problema…

Onde a montagem acerta, o roteiro falha. Adaptação de um conto e ao mesmo tempo com o peso de ser remake do Ladykillers original (O Quinteto da Morte, 1955), ele sofre de uma disposição mal equilibrada de personagens, que mesmo com bom tempo de ação somem na pressa da história se finalizar. Os tipos importantes ao funcionamento da narrativa ficam perdidos, o que dificulta a relação do público com eles, apenas o professor Goldthwait ou MacSam (Marlon Wayans) possuem certo desenvolvimento nesse quesito. Exatamente neste ponto a audiência se distancia muito da trama, a história não é suficientemente interessante, mesmo que a direção faça o seu melhor. Fica um filme leve, bastante divertido, mas obviamente obra menor dentro do cinema feito pelos irmãos.

Como em uma pintura, se reconhece ”um Coen” de longe. O estilo impecável e o ótimo jogo de câmeras brincam com a coincidência e o acaso em histórias inacreditavelmente prazerosas de se ver. Ainda assim, haverá o discurso que vise desclassificar suas obras menos Arthouse e bem criticadas em detrimento de clássicos cult. De fato, a própria preocupação de qualificar o cinema pautando-o em analogias com artes mais ”nobres” revela a parte podre por trás desses discursos. Acredito que comércio e arte caminhem juntos, afinal comer é inevitável. Encontra-se, assim, dois problemas: o discurso que desacredita o entretenimento como forma válida de expressão, assim como aquele que engesse a expressão artística na compulsão febril e fabril que certos estúdios têm de fabricar filmes. Gêneros mais recentes como os de Super-Herói, de forma igual ao Western no passado, sofre com ambas as vertentes desse falatório. Uma passeada pelos irmãos não pede comprometimento total, podendo ser uma experiência fortemente divertida. Sugiro que tirem suas próprias conclusões e se divirtam também, afinal, é só um filme. Mas sempre criticamente!

Matadores de Velhinhas (The Ladykillers – EUA, 2004)
Direção: Ethan Coen e Joel Coen
Roteiro: Ethan Coen, Joel Coen e William Rose
Elenco: Tom Hanks, Marlon Wayans, J.K Simmons, Irma P. Hall, Tzi Ma, Ryan Hurst, Diane Delano, George Wallace, John McConnell, Jason Weaver, Stephen Root
Duração: 104 min.

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