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Crítica | Matilda: O Musical

Bambinatum est maggitum.

por Ritter Fan
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Doze anos depois de sua estreia em Stratford-upon-Avon, a cidade-natal de William Shakespeare, 11 anos depois de ganhar um upgrade para o cobiçado East End, de Londres, e nove anos depois de finalmente atravessar o oceano e chegar à Broadway, em Nova York, Matilda: O Musical, peça baseada no romance infantil de Roald Dahl publicado originalmente em 1988, ganha uma adaptação audiovisual pela mesma equipe criativa que começou tudo. O longa da genial menina precoce com poderes telecinéticos em sua versão repleta de canções ganhou distribuição no cinema em mercados selecionados e, no dia de Natal de 2022, foi lançada no Netflix, que coproduziu a obra com a Sony Pictures que, por sua vez, em 1996, produzira também o filme americanizado e não-musical dirigido e estrelado por Danny DeVito.

A versão audiovisual do musical é uma explosão de cores e de números musicais desde os primeiros minutos de projeção, em que vemos o tumultuado nascimento de Matilda Wormwood (Alisha Weir) de uma mãe que não a queria e de um pai que insiste que a menina é um menino e que a mantém praticamente isolada do mundo em um sótão quase sem cor em oposição a uma casa que machuca as retinas de tantas cores berrantes e sem escola, ainda que a genialidade da menina a faça ser autodidata e uma leitora quase que impossivelmente voraz. Mesmo que seja divertido ver a jovem lidar de seu jeito com os pais ignorantes que passam a vida dando golpes ou babando em frente à TV – é irônico que a mensagem do romance sobre os perigos da chamada idiot box ou “caixa de idiotas” se perca pelo mero fato de duas adaptações audiovisuais existirem, mas fazer o que? -, o filme ganha vida por completo quando Matilda, finalmente começando sua vida escolar, precisa enfrentar a histérica e deliciosamente vilanesca Senhorita Agatha Trunchbull de uma Emma Thompson transformada por completo e claramente se divertindo demais no papel.

A pequena Alisha Weir, em seu primeiro papel de destaque em um longa, imediatamente demonstra ter o carisma e o encantamento necessários para lidar com os momentos em que Thompson entra em cena para mastigar o cenário com os exageros absurdamente exagerados da personagem, que funde os estereótipos de sargento de exército, esportista obcecado, diretor de escola e diretor de prisão em um conjunto tão assustador e tão propositalmente estereotipado que é completamente hilário. E a mecânica funciona não só graças às duas atrizes – seja em meio a cantoria ou não – mas também ao cuidado da direção de arte de Samuel Leake e direção geral de Matthew Warchus em usar o descomedimento a favor dessa relação belicosa entre a gigantesca Trunchbull e a diminuta Matilda. Em meio a esse choque de titãs, por assim dizer, a bondosa Senhorita Jennifer Honey, de Lashana Lynch, apesar de sua importância narrativa na história, parece uma adição extemporânea ao elenco, daquelas que só lembramos que existe quando Emma Thompson não está em cena, seja física ou espiritualmente.

Aliás, justiça seja feita, não é que a Senhorita Honey seja a única personagem “inexistente” no longa, pois, depois que os pais de Matilda perdem sua relevância – e isso acontece muito rapidamente – todos os demais personagens, notadamente as crianças da escola, desaparecem diante do conflito entre a diretora malvada e a aluna nova. Não que eles não existam, obviamente, mas eles não são mais do que parte de um conjunto genérico de atores e atrizes mirins servindo para a composição de cenas, com aqueles que se destacam ganhando funções que se confundem com suas características principais como “a menina do lagarto”, “o menino do bolo” e assim por diante. Apenas talvez a Senhorita Phelps, a bibliotecária móvel vivida por Sindhu Vee tenha presença e personalidade suficientes para se destacar como a ouvinte da trágica história de amor que Matilda conta para ela e que, não coincidentemente, paraleliza seu próprio drama pessoal.

Mas e as canções e os números musicais? Afinal, o título do filme não deixa dúvidas sobre o que esperar da obra, não é mesmo? No entanto, interessantemente, esse é o elemento que reputo o menos chamativo do longa-metragem e isso vem de alguém que simplesmente adora musicais. Aqui, com exceção de School Song, a excelente canção “fora da curva” que usa o alfabeto como estrutura rítmica e narrativa (fica a torcida para terem feito um bom trabalho na dublagem e na legendagem em português), imediatamente ganhando vida própria, o restante parece pouco inspirado ou, pelo menos, parte de um conjunto geral que, assim como o elenco mirim, não consegue se destacar por seus próprios méritos. Até consigo perceber o valor das canções em um musical ao vivo, mas a grande verdade é que, na adaptação audiovisual, elas são atropelados por Trunchbull e Matilda. E o mesmo vale para os números musicais em si, que não conseguem mostrar a que vieram, talvez com exceção do último, ao som de Revolting Children que é capitaneado pelo “menino do bolo” (Charlie Hodson-Prior).

Em outras palavras, Matilda: O Musical é um estranho caso de um filme musical que não depende nem do elenco de apoio, nem de suas canções e números musicais para funcionar. Ou, talvez melhor dizendo, o conjunto gerado pela combinação de fatores é harmônico o suficiente para fazer a obra manter-se coesa por toda sua (um pouco longa demais) duração. Ou, melhor ainda: nada, absolutamente nada consegue atrapalhar Alisha Weir e Emma Thompson em seus excelente e divertidos papeis.

Matilda: O Musical (Roald Dahl’s Matilda the Musical – EUA, 25 de dezembro de 2022)
Direção: Matthew Warchus
Roteiro: Dennis Kelly (baseado na peça musical de Dennis Kelly e Tim Minchin, por sua vez baseada no livro de Roald Dahl)
Elenco: Alisha Weir, Emma Thompson, Lashana Lynch, Amber Adeyinka, Stephen Graham, Andrea Riseborough, Sindhu Vee, Carl Spencer, Lauren Alexandra, Winter Jarrett-Glasspool, Andrei Shen, Ashton Robertson, Meesha Garbett, Charlie Hodson-Prior, Rei Yamauchi Fulker, Katherine Kingsley, Matt Henry
Duração: 117 min.

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