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Crítica | Mayor of Kingstown – 1ª Temporada

Agente da mudança ou parte do sistema?

por Kevin Rick
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Taylor Sheridan, acompanhado por Hugh Dillon (roteirista e ator na série), apresenta uma nova faceta da desolação americana em Mayor of Kingstown: a população carcerária estadunidense (a maior do mundo todo) e a corrupção que circula neste sistema. Assim como Sheridan fez em Sicario com a guerra às drogas na fronteira, em A Qualquer Custo com a realidade financeira e residencial crítica do meio-oeste, em Terra Selvagem com o racismo e marginalização em reservas indígenas, e até com a guerra ao terror em Sem Remorso, o artista continua seu estilo narrativo de caminhar na falsa propaganda de perfeição dos EUA, seu patriotismo hipócrita e o american dream sujo.

A montagem em Mayor of Kingstown frequentemente representa o cenário urbano desta cidade que possui sete prisões que abrigam 20.000 pessoas em um raio de 16 quilômetros. A edição faz uma coleção de sequências aéreas das prisões de concreto, seus pátios com criminosos sem perspectiva, das periferias degradantes e de indústrias poluindo o ar. É uma escolha de produção extremamente inteligente, pois solidifica visualmente a sensação que a narrativa passa de que Kingstown não é uma mera cidade, um pano de fundo municipal para a história, mas sim um personagem ativo. Aliás, eu diria que Kingstown é o protagonista.

E um protagonista ardiloso com suas facções, crime organizado, mulheres abusadas, tráfico de drogas e homens da lei corruptos. É o alfabeto universal do crime que estamos cansados de conhecer a existência, transpostos para um microcosmo perigoso. O grande diferencial da obra é o conceito do “prefeito” por trás disso tudo. E não um líder criminoso ou da lei controlando tudo das sombras, mas uma espécie de consultor que trabalha com criminosos, cidadãos e policiais para manter um status quo com certo nível de ordem no caos. É uma premissa extremamente fascinante, não? Assistir este consultor conversando com diferentes líderes do crime e figuras da lei no mesmo dia, arquitetando acordos sem tomar partido, delineando a trajetória da estrutura social sem adquirir poder e, de certa forma, fazendo tudo com boas intenções, é completamente envolvente.

E o tal prefeito, inicialmente papel de Mitch McLusky (Kyle Chandler), mas que acaba “passando” para seu irmão, Mike McLusky (Jeremy Renner), é uma profissão familiar, tendo sido criado pelo pai deles. Se Kingstown é um organismo vivo na série, o prefeito é o fio condutor que passeia pela podridão tapando buracos e resolvendo problemas. Interessante como Sheridan transforma a trajetória diária de Mike em uma narrativa verdadeiramente burocrática. Há muito crime, mortes e ameaças, mas Mike é um homem de negócios, sempre de terno, tomando “reuniões” em pontos de drogas e escritórios sujos, muitas sequências dele dirigindo, excessivamente ao telefone e constantemente estressado. Nesse sentido, também gosto dos vários momentos de desabafo de Mike, como um trabalhador reclamando do serviço, em especial as conversas cheias de subtexto racial com Bunny (Tobi Bamtefa).

Até certo ponto, Mayor of Kingstown é quase anticlimático com sua narrativa política, transbordando diálogos e ritmo cadenciado. Mesmo sendo um thriller, tramas raramente são estendidas para tensão, e muitos momentos da série servem apenas para expor a rotina de Mike, como a execução de um preso ou favores para traficantes/criminosos (adoro o núcleo do hóquei), que pintam o panorama do verdadeiro protagonista da obra: Kingstown. Não é nem de longe uma série de crime intensa como Breaking Bad, por exemplo, pois está mais interessada no corpo do que no indivíduo. Novamente, Mike é uma espécie de guia narrativo no show, e não necessariamente a estrela.

As poucas subtramas que são alongadas, como o conflito com Milo (Aidan Gillen), a aparição de Iris (Emma Laird), as dúvidas de Kyle (Taylor Handley) e o arco do guarda Sam (Mandela Van Peebles), apenas servem para demonstrar as outras facetas de Kingstown (o sistema): a cidade engole inocentes, como nas perturbadoras sequências com Iris servindo de escrava sexual e a irritante burrice de Sam no trabalho, como também continua sendo uma prisão para além de suas cadeias. Este último aspecto é especialmente importante na série, desde os irmãos McLusky que odeiam o local, mas parecem amarrados à cidade, o traficante Bunny que não pode deixar seu quintal, até a soberba montagem de Carlos (Jose Pablo Cantillo) sendo preso enquanto castram um cachorro.

Em Mayor of Kingstown, a cidade que dá título a série é o cenário, o ambiente, atmosfera, organismo, protagonista e antagonista, em sua grande metáfora do sistema corrupto em que vivemos (não só nos EUA, apesar de ser o tópico principal). E o “prefeito” Mike nos conduz por este universo, no que é possivelmente um dos meus conceitos narrativos favoritos da televisão recente. Kingstown passa dez episódios cuspindo, batendo, engolindo e matando seus infelizes moradores, enquanto Mike tenta amenizar a dor. Os dois episódios finais com o motim prisional simplificam os esforços inúteis do personagem, com um clímax que exterioriza o que Bunny disse para o prefeito em um ponto da série: às vezes é necessário um estouro, para, então, que as coisas retornem ao “normal”. É um ciclo vicioso. Mike está dobrando o sistema? Ou está apenas alimentando ele? Se o próprio personagem tem dúvidas, eu não saberia responder, mas caramba, como é fascinante ver ele tentar.

Mayor of Kingstown – 1ª Temporada — EUA, 13 de novembro de 2021 a 09 de janeiro de 2022)
Criação: Taylor Sheridan, Hugh Dillon
Direção: Taylor Sheridan, Ben Richardson, Guy Ferland, Clark Johnson, Stephen Kay
Roteiro: Taylor Sheridan, Hugh Dillon
Elenco: Jeremy Renner, Dianne Wiest, Emma Laird, Derek Webster, Taylor Handley, Hugh Dillon, Pha’rez Lass, Tobi Bamtefa, Kyle Chandler, Aidan Gillen, Hamish Allan-Headley
Duração: 10 episódios de aprox. 60 min.

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