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Crítica | Medusa (2021)

A prisão do fundamentalismo.

por Roberto Honorato
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Admito que não fui uma das pessoas que morreu de amores por Mate-me Por Favor, o longa anterior de Anita Rocha da Silveira. A diretora sabe trabalhar bem sua parte visual, com uma ambientação bem definida de thriller atmosférico, além de excelente música e direção de arte. Mesmo que siga um pouco a cartilha de outros países na construção do suspense – eu costumo evitar fazer essa comparação, ainda mais falando do nosso cinema, que é bem mais rico e diverso do que muitos imaginam, mas vou explicar melhor em breve, e não é um demérito -, Rocha tem uma identidade forte por trás das câmeras, que não parecia ir além do apelo estético em sua obra de 2015, porém brilha com mais foco em seu último lançamento, Medusa.

Mariana (Mari Oliveira) é uma das jovens do grupo musical da igreja, chamado “Preciosas do Altar” e composto apenas por meninas adolescentes tentando se manter fiéis aos seus princípios de pureza e seu papel como mulheres que precisam manter um enorme cuidado com a beleza, ao mesmo tempo que evitam cair em tentação. Da mesma forma que as jovens ficam de olho em suas próprias vidas, cotidiano e corpos, elas assumem a missão de vigiar outras mulheres e ter certeza de que não estão saindo desse padrão. Toda noite elas caminham as ruas à procura de pecadoras e as humilham na praça pública virtual.

Medusa recicla alguns debates de Mate-me Por Favor, mas melhor aproveitados considerando os temas de repressão sexual e a hipocrisia do conservadorismo, fortalecidos pelos paralelos que o enredo cria entre a jornada de Mariana e a figura mitológica que inspira o título da obra, em suas interpretações mais populares sendo representada com uma beleza capaz de impressionar os deuses, mas o que também acaba sendo sua ruína. Medusa é punida por sua sexualidade, o que acaba se traduzindo para o argumento principal do longa, com as jovens personagens em conflitos com sua identidade, enquanto precisam manter uma imagem imaculada em uma sociedade patriarcal representada pelo visual estilizado da fotografia de João Atala.

A estética neon vibrante pode lembrar um pouco a distopia religiosa de Divino Amor, mas com elementos próprios que fazem com que Medusa pareça uma realidade paralela, com os mesmos dilemas e debates, mas uma textura quase onírica, com a combinação de cores, além da direção de arte e o trabalho de figurino nos situando em um universo muito similar ao nosso, mas uma ambientação única fundamentada no horror, mas trazendo elementos de outros gêneros, como a comédia inesperada de algumas situações, servindo não só de alívio cômico, mas uma camada extra de crítica que evidencia como a caricatura pode ser mais fiel que a realidade. 

Mais uma vez, a diretora utiliza a música como componente essencial para a construção da atmosfera absurda do mundo dessas jovens, que alternam entre canções de louvor, tutoriais de maquiagem para as redes sociais e o serviço de “pregação” involuntária para pecadoras. O longa tem, em sua maioria, músicas religiosas com uma roupagem pop, cheia de frases de efeito e um ritmo mais animado para atrair outros jovens para o círculo das Preciosas do Altar.

Como mencionei no começo do texto, o longa se volta um pouco para a construção de algumas cenas que mesclam a tensão do thriller norte-americano com a estética do cinema italiano, inspirado no estilo de diretores como Bava ou Argento, e muito disso é destacado no uso da excelente trilha sonora inquietante de Bernardo Uzeda, influenciada por bandas como Goblin (que fez grandes colaborações com Dario Argento) ou a Tangerine Dream. A combinação do rock gótico de Siouxsie & The Banshees com o MPB de Marina Lima na sua versão de Uma Noite e ½ é uma das decisões mais inteligentes que o filme fez, o que deixa ainda mais envolvente a combinação de thriller, drama, comédia e musical.

Nem todos podem concordar, mas pra mim Medusa é uma evolução de Anita Rocha da Silveira, com elementos conhecidos, mas um tratamento melhor, mais sensibilidade e segurança na direção. Música e fotografia criam o cenário perfeito para um elenco que dá ainda mais vida para esse bizarro e misterioso universo de repressão e intolerância, não muito longe da nossa realidade.

Medusa (2021) — Brasil
Direção: Anita Rocha da Silveira
Roteiro: Anita Rocha da Silveira
Elenco: Mari Oliveira, Lara Tremouroux, Joana Medeiros, Felipe Frazão, Bruna G, Carol Romano, João Oliveira, Bruna Linzmeyer, Thiago Fragoso, Inez Viana
Duração: 127 min.

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