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Crítica | Melhor É Impossível

por Gabriel Carvalho
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“Eu estou me afogando aqui e você está descrevendo a água!”

Melvin Udall (Jack Nicholson), protagonista de Melhor É Impossível, possui transtorno obsessivo compulsivo, um distúrbio que o acomete a repetir determinados comportamentos de modo compulsório, afetando-o por um excesso de pensamentos e medos irracionais. O personagem de Nicholson, escritor de sucesso vivendo em parcial reclusão dentro de seu apartamento, afastado dos vizinhos, segue um mesmo padrão todos os dias, indo sempre ao mesmo restaurante, sendo atendido pela mesma garçonete e comendo a mesma refeição. Deixando de fora caracterizações simplistas, podemos concluir que Melvin tem uma imensa tendência a ser antagonista das pessoas, ainda mais de grupos específicos de pessoas, colocados em categorias preconceituosas.

Somos apresentados, então, à Carol Connely (Helen Hunt) e Simon Bishop (Greg Kinnear), duas pessoas que mantêm em comum esta antipatia por Melvin, um sentimento supostamente invariável do mundo, perante quem ele aparenta ser. Carol, por um lado, é uma mãe apreensiva, que, devido a doença respiratória de seu filho, tornou-se insegura, detentora de um grande senso de paranoia. A bondade existente nela, por outra via de pensamento, a faz ser a única garçonete capaz de tolerar a obsessão, às vezes agressiva, de Melvin. Já Simon é um artista plástico que, após alguns eventos no filme, decide por deixar, temporariamente, seu cachorro aos cuidados do pouco amável protagonista. Os personagens desse enredo nunca mais serão os mesmos que um dia foram.

Melvin é complicado e, se nem mesmo ele se entende, percebe-se como complexo que aqueles a sua volta o entendem, compreendendo, verdadeiramente, de uma maneira objetiva, os percalços de seu dia a dia. Enquanto os eventos decorrentes das interações entre o homem e o cachorro movimentam o começo da trama, a relação entre a garçonete e o seu cliente proporciona o desenvolvimento em definitivo do protagonista da obra. Em um primeiro plano, os primeiros dez minutos de Melhor É Impossível possuem uma dinamicidade especial, mostrando, prontamente, todas as características da personalidade de Melvin, o que, futuramente, contrastará com a  sua personalidade renovada – um arco coeso para o protagonista, portanto, muito mais que caricato.

O mais interessante do roteiro, no entanto, é a passagem da vertente mais fria e grosseira do personagem para o seu lado mais generoso e caridoso. A transformação ocorre acompanhada da progressão do olhar das pessoas ao seu redor, fazendo-se um paralelo desta ótica com a qual o espectador se enxerga – utilizando um dos cachorros mais fofos do cinema como catapulta para a metamorfose. Ao buscar alcançar este objetivo, o roteiro foca na construção e consequente desconstrução de seus personagens por meio das interações humanas, o real cerne desta obra cinematográfica, âmbito de dissertação onde, através do roteiro, consegue compartilhar com o público um texto muito do competente e até demasiadamente sensível, senão sentimentalista.

O enredo, no entanto, por culpa do roteiro, nos leva a lugares bastante previsíveis, embora a direção, indo por outra via, seja muito mais eficiente, com o diretor preferindo o uso de plano americanos e zooms em cenas mais delicadas, distanciando e aproximando, quando entende ser necessário, o espectador do enfoque apresentado. O sentimentalismo, paralelamente, é enaltecido por essas decisões, coisa que pode acabar escanteando o espectador de uma verdade dramática, porém, uma manipulação de objetivos emocionais. Já a música de Hans Zimmer, uma de suas mais sensíveis, é bastante bonita, mesmo que, quando exposta em momentos mais inoportunos, possa ser interpretada como uma busca incessante do compositor pelo melodrama desidratante.

O elenco inspirado, contudo, não deixa o projeto, caminhando por esses argumentos, estagnar em uma espécie, com suas ressalvas, de sentimentalismo barato. A mãe de Carol Connely, interpretada por Shirley Knight, está excelente e sua relação com a filha convence o espectador, dando poder a alguns dos melhores diálogos da obra. A pequena participação de Cuba Gooding Jr também não pode ser esquecida, divertidíssimo neste que é um dos papéis mais leves de sua filmografia. Já por uma outra linha de pensamento, o filme, notavelmente, acaba por não aproveitar o máximo do intérprete em cena, servindo mais como um alívio cômico do que qualquer outra coisa. Os destaques, entretanto, encontram-se mesmo no trio principal do longa-metragem.

Simon passa pelos maiores momentos de conflito da trama, e Greg Kinnear transmite, pelo olhar, os distúrbios emocionais sofridos pelo seu personagem. Helen Hunt, por sua vez, comporta na atuação todas as inseguranças pedidas pelo papel, que também a caracteriza como uma mulher sexualmente frustrada. Enquanto trabalha o relacionamento com seu filho e sua mãe, Helen tem um desempenho honesto e singelo, carinhosa e caridosa. Já com Melvin, temos uma relação desconfortável, mas que é precisa em transmitir a complexidade desta interação atípica, tão à beira do tóxico quanto da paixão. Aos poucos, somos levados a acreditar nos dois dentro do filme, uma de suas propostas mais básicas: uma história de amor improvável, mas não impossível.

Jack Nicholson, cuja atuação, premiada, passa uma ambiguidade perfeita, em derradeira pontuação da crítica, referencia dois lados de uma personalidade perturbada pelo transtorno obsessivo compulsivo. Melvin Udall, na primeira cena da obra, joga um cachorro pela lixeira. Existe algo mais cruel do que isso? Mesmo assim, Nicholson faz o público se importar pelo seu personagem, auxiliado tanto por um roteiro certeiro quanto por um diretor competente, interessados em mostrar ambas as polaridades. Um contraste moldador de uma personalidade no meio de qualquer extremo, muito mais humana, é criado. Os maneirismos e confrontos são demonstrados por um ator que encarna esse exótico sujeito, não um ator que assim o interpreta.

Melhor É Impossível é uma belíssima construção sobre arquétipos da vida. O velho rabugento, a mãe solteira e o artista homossexual. Todas as criações se tornam retratos mais humanos graças a ótima condução do diretor James L. Brooks e, especialmente, a performance de seus atores. Um filme bonito, com um tom bem dosado, transformando um roteiro “formulaico” em uma deliciosa composição sobre pessoas transtornadas, seja por problemas financeiros, quanto por problemas amorosos ou por problemas familiares – ou, então, por problemas resultantes de suas condições médicas, até mesmo incuráveis, mas incapazes de impedir a evolução de uma vida medíocre para uma vida feliz. Uma vida melhor, resumindo o longa-metragem, é possível.

  • Curiosidade: O texto foi a primeira crítica de um filme escrita pelo autor. Revisado pela última vez em dezembro de 2018.

Melhor É Impossível (As Good as It Gets) — EUA, 1997
Direção:
 James L. Brooks
Roteiro: Mark Andrus, James L. Brooks
Elenco: Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear, Cuba Gooding Jr., Skeet Ulrich, Shirley Knight
Duração: 139 min.

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