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Crítica | Memórias de um Homem Invisível

por Michel Gutwilen
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É compreensível o porquê de Memórias de um Homem Invisível não ser um dos filmes mais celebrados de John Carpenter, uma vez que a obra de 1992 foge de sua habitual investida no sci-fi de terror ou suspense. Afinal, a adaptação do romance de mesmo nome, escrito por H.F. Saint — e este com certeza baseado no conto de H.G. Wells —, se alterna principalmente entre a comédia e o romance. Diferente do conto de Wells (e de sua 1ª adaptação cinematográfica: O Homem Invisível, de 1933), esta trama não tem seu foco em como a obsessão e a experiência do poder podem destruir um homem. Pelo contrário, fugindo de um pessimismo trágico, toda a questão da invisibilidade, paradoxalmente, surge para que seu protagonista enxergue sua própria mediocridade.

Aliás, saber que Ivan Reitman, que já havia dirigido Almôndegas e Os Caça-Fantasmas alguns anos antes, era a seleção inicial dos produtores, ajuda a moldar um pouco as expectativas quanto ao filme. Na trama, Nick Holloway (o hilário Chevy Chase) é um especialista da bolsa de valores que parece desinteressado no seu próprio trabalho, estando mais focado a prazeres carnais como a bebida e mulheres. Ao ir para uma palestra em um laboratório nuclear estando de ressaca, Nick vai para o banheiro tirar uma soneca, exatamente no momento em que um acidente acontece e lhe transforma num homem invisível. Após isso, ele deve fugir do agente da CIA David Jenkins (um perfeitamente caricato Sam Neill) e achar Alice Monroe (Daryl Hannah), com quem havia marcado de sair.

Logo de imediato, duas escolhas me chamam a atenção em Memórias de um Homem Invisível. Primeiramente, é curioso notar que o próprio Nick cria seu próprio destino, ao perguntar em que direção fica o banheiro para um cientista que, ao apontar com a mão, derruba o café em todo o maquinário, causando a explosão. É uma decisão que reforça a autodestrutividade do estilo de vida levado pelo protagonista e que toda a história funciona quase como um pesadelo-vivo no qual ele passa por este processo de autoconhecimento. Apesar disto não acontecer, mas pensando no contexto das comédias da década de 90, não seria nenhum absurdo se a cena final fosse Nick acordando no banheiro após sua soneca.

A outra escolha se refere a decisão de Carpenter em revelar o corpo de Chevy Chase em diversas sequências, o que definitivamente afasta o filme de um tom mais sério. Não só ele usa isso para aproveitar o potencial cômico do ator, como todas as situações acabam ganhando um ar de ridículo, como na hilária cena em que Nick controla um bêbado desmaiado dando ordens para um taxista. Além de ajudar a definir sua comicidade, essa opção estética acaba reverberando, por contraste, a vida anterior do protagonista, na qual ele já vivia como alguém invisível antes mesmo de adquirir esse poder.

Justamente por isso, é interessante — e entendo que isso possa ter sido frustrante para muitos — que a perseguição ao protagonista nem seja o grande foco de Memórias de um Homem Invisível, mas sim diversas esquetes cômicas nas quais Nick vai percebendo sua própria mediocridade ao enxergar terceiros tomando atitudes similares a dele. O bêbado que não consegue pedir o táxi, outro galanteador que irá se dissimular para a mulher, os falsos amigos que falam mal dele. Foi preciso que o protagonista enxergasse todas aquelas situações de fora para que ele entendesse a ridicularidade daquilo, que fica ainda mais explicitada pelo viés cômico. Além disso, com o tempo, o próprio Nick usa de seu poder para tomar atitudes, como impedir um roubo ou um assédio, mostrando sua evolução moral. 

Ainda sobre esse lado irônico e voltando a questão de Nick criar seu próprio destino em um evento completamente aleatório, o filme não deixa de tirar sarro da CIA e sua onipresença em todo acontecimento suspeito. O personagem vivido por Sam Neill assume muito bem a sua breguice ao perseguir obsessivamente o protagonista, buscando uma explicação para aquilo tudo, quando na verdade foi algo ao acaso. Neste sentido, comparando com o conto original do Homem Invisível, é significativo notar que a obsessão não está no protagonista, mas em seu antagonista, o homem que representa a instituição governamental que quer ter o controle daquele poder para usá-lo como uma arma bélica, algo que faz muito sentido se pensarmos em uma visão distópica que John Carpenter apresenta em longas como Fuga de Nova York.

Assim, em Memórias de um Homem Invisível, o resultado final fica esta estranha, mas prazerosa, perseguição de um homem que se leva a sério demais — e é justamente aí que vemos mais a marca de Carpenter, como o ponto de vista do óculos ultravioleta — a um homem que não está interessado em nada, a não ser a sua amada. Aliás, isso tudo me remete a pensar no filme, além da comédia, como um exercício do noir, tanto por conta de seu anti-herói imoral vivido por um Chase às vezes irritante e sua pretensiosa narração em off, quanto pela figura da femme fatale idealizada em Darryl Hannah. No fim, Carpenter reinventa um conto sci-fi clássico a uma realidade das comédias de costumes dos anos 90, ao mesmo tempo que homenageia um cinema noirescapista da década de 1940 e fala da obsessão controladora do Estado com a falta de rumo na vida de um homem.

Memórias de um Homem Invisível (Memoirs of an Invisible Man)  – USA, França, 1992
Direção: John Carpenter
Roteiro: William Goldman, Robert Collector, Dana Olsen
Elenco: Chevy Chase, Daryl Hannah, Sam Neill, Michael McKean, Stephen Tobolowsky, Jim Norton, Pat Skipper, Paul Perri
Duração: 99 min.

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