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Crítica | Minha Mãe Malvada (My Evil Mother), de Margaret Atwood

O feitiço literário de Margaret Atwood.

por Ritter Fan
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Não sei muito bem que mágica que a canadense Margaret Atwood, provavelmente mais conhecida por O Conto da Aia, fez em seu conto My Evil Mother (Minha Mãe Malvada é apenas minha tradução direta, já que, no momento de publicação da presente crítica, ele não foi publicado no Brasil), mas ela conseguiu encapsular, em apenas 32 páginas, um turbilhão de sentimentos e de estilos tão perfeitamente amalgamados e explorados que o leitor, ao seu fim, imediatamente quererá retornar ao começo para uma nova leitura e, ao final desta segunda passada, enquanto contempla e destila tudo o que leu, jurará que, se a autor um dia decidir expandir essa obra, ele será o primeiro na fila para adquiri-la.

Por enquanto publicado exclusivamente em formato digital para Kindle ou em áudio para Audible pela Amazon Original Stories, o conto lida com a relação de mãe e filha pelas décadas, começando nos anos 50 em Toronto, e chegando até os dias atuais ou algo próximo disso. O ponto de vista é exclusivamente o da filha, que narra a história em primeira pessoa como o título deixa claro, com sua percepção sobre a mãe sendo alterada aos poucos na medida em que o tempo passa, algo que Margaret Atwood pontua com o didatismo que uma história tão curta dessas demanda. Apesar de não conhecer a vida pessoal de Atwood, enxergo no mínimo pitadas de autobiografia na forma tão delicada como ela aborda o relacionamento das duas, com a filha tentando rebelar-se sempre que possível, mas a mãe sempre segurando as rédeas também o máximo possível.

A tensão entre o que a filha quer fazer e o que a mãe quer que ela faça é clássica e muito bem estruturada, pois não se trata de uma mãe qualquer, mas sim de uma… bruxa! Sim, um bruxa. Ou, pelo menos, somos levados a crer que é um bruxa (ou seria mesmo?) cuja descrição parece evocar uma versão da clássica sitcom sessentista A Feiticeira, só que com a magia necessariamente aparente do audiovisual ganhando apenas sugestões na palavra escrita. Há, como na sitcom, muito humor na historieta, mas não daqueles que merecem trilhas de risadas como na série mencionada, mas sim sorrisos gostosos de cumplicidade e compreensão, seja o leitor – ou, talvez mais apropriadamente, ainda que não unicamente, a leitora – mais jovem ou mais maduro(a).

A magia é o subtexto que nos fala sobre a mágica de ser mãe, de ser filha (e de ser pai, de ser filho subsidiariamente também, claro), de se ter uma família. Como pai, talvez eu compreenda um módica percentagem disso, o que é mais do que suficiente para eu apreciar cada palavra de raiva – olhem o título! – da filha e cada resposta comedida e sábia da mãe sempre impecável e sempre mantendo tudo a seu redor impecável com o objetivo único de proteger sua prole. O pai da jovem? Bem, para todos os efeitos, eles está fora desse quadro pintado por Atwood, ou, pelo menos, está quase que completamente fora, pois o objetivo da autora é enaltecer especificamente o relacionamento em evolução entre filha e mãe, entre mãe e filha e entre filha que se torna mãe e, então, passa a entender as exigências da mãe, mesmo que em retrospecto, com aquela assentimento agridoce de que tudo valeu a pena no final das contas.

Porque há drama também. Se o começo é mais voltado para o lado da comicidade leve e elegante, na medida em que a filha amadurece, a distância entre ela e a mãe quase que naturalmente aumenta. E o amadurecimento leva à perguntas e essas perguntas levam à respostas que nem sempre se encaixam naquilo que se imagina, que se idealiza. O gosto da nostalgia passa a ficar mais pronunciado na medida em que o passado se torna mais distante e o que é feito não pode ser desfeito, com a boa e velha – mas importante – mensagem, entre outras, de que não podemos mudar o passado, mas é essencial que aprendamos com ele no pouco tempo que temos.

Minha Mãe Malvada é mais um feitiço narrativo de Margaret Atwood que, no alto de seus mais de 80 anos, consegue emprestar vozes críveis e envolventes a uma adolescente e a uma jovem mãe ao longo de décadas sem perder o ritmo, sem deixar o leitor, por um segundo sequer, sair da imersão a que é submetido desde seus adoráveis parágrafos preambulares até o perfeitamente circular e cíclico final. Preparem-se para sorrir em reconhecimento e deixem-se envolver pela magia das palavras dessa grande autora canadense.

Minha Mãe Malvada (My Evil Mother: A Short Story – EUA/Canadá, 2022)
Autora: Margaret Atwood
Editora original: Amazon Original Stories
Data original de publicação: 1º de abril de 2022
Páginas: 32

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