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Crítica | Ministério do Espaço

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Warren Ellis é amplamente conhecido pelos seus roteiros sagazes, com narrativa extremamente bem construída e marca principal na ficção científica, com obras no currículo como Transmetropolitan, Planetary, The Authority, Global Frequency, dentre tantas outras, seja criação própria, seja no trabalho com personagens de outros autores. Na verdade, Ellis é um dos poucos roteiristas que realmente sabem tratar a complexidade e as implicações amplas da ficção científica nos quadrinhos, tanto na formatação das histórias quanto em seu conteúdo crítico, sempre ligado a coisas do mundo real.

Essa mistura de super heroísmo (nas entrelinhas) com heroísmo humano, forte tendência à space opera e crítica social apresenta-se como dinamite nos textos do autor e, mesmo quando não se trata de um trabalho glorioso como é o caso de Ministério do Espaço (minissérie em 3 edições publicada nos Estados Unidos entre 2001 e 2004), ainda é possível ver inventividade na sua forma de contar a história e, principalmente, elementos históricos metamorfoseados em outra realidade — embora a metamorfose aqui, a questão do “ouro do Holocausto”, seja ‘simples demais’ diante da grandiosidade de todo restante do texto.

Pensem em uma Terra onde a Corrida Espacial da década de 1950 colocou o Reino Unido à frente dos Estados Unidos e da União Soviética e você terá o grande cenário de Ministério do Espaço. A trama começa ainda na Segunda Guerra Mundial e avança para o ano de 2001, já com o tal Ministério estabelecido, seu criador (Sir John Dashwood) transformado em um herói internacional e os seus esforços para a conquista do espaço tendo chegado à Lua, Marte e Saturno, além de ter minas de extração em diversos asteroides e dos satélites e grandes estações espaciais na órbita da Terra.

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À primeira vista, trata-se de uma obra-prima, mas infelizmente não é. Se analisarmos o conteúdo por partes, chegaremos à divina arte de Chris Weston e às excelentes cores de Laura Martin, e aí teremos algo realmente primoroso. Weston, com sua arte milimétrica e variando as abordagens do realismo de traços muitos grossos e finalizados com sombras… a quadros de traços finos e bastante descritivos — com destaque para as dobras dos uniformes militares ou as rugas e vincos de expressão dos personagens. A esta variação, acrescentamos alguns quadros de fazer cair o queixo, dentre os quais, a sensacional explosão da nave Ariane em Woomera, 1962. Laura Martin também faz um excelente trabalho nesse quadro, com variações dentro da paleta de cores quentes que dá toda a veracidade possível à explosão.

Ainda é necessário destacar o desenho das naves do Ministério do Espaço, os quadros de exploração espacial com arte-final que lembra um pouco Moebius e a gama de detalhes por quadro que temos em toda a história, algo que torna a obra quase inteira digna de ser ampliada e colocada em quadros na parede.

A parte decepcionante aqui está na reta final, com uma explicação imoral (mas nem de perto absurdamente impactante, como era de se esperar) para o “orçamento negro” que ajudou a criar o Ministério. A única coisa realmente boa desse aspecto é que os cidadãos dessa Grã Bretanha rica e a situação geopolítica gerada pelo tal “dinheiro imoral” não será revertida pela descoberta de tal imoralidade, e essa é a melhor coisa do texto. É como se o autor estivesse jogando na cara do leitor todos os ótimos produtos consumidos com sangue e miséria de povos de países periféricos do mundo atual. A situação é forte, claro, mas dentro da história é apenas “ok”, colocada de supetão e sem uma finalização digna para o porte da trama até ali.

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Ministério do Espaço sobrevive muito mais pela qualidade da arte do que de seu texto, mas é preciso dizer que Ellis não faz um trabalho ruim. Ele “apenas” é pouco exigente e pouco interessante no final. A obra é capaz de nos fazer pensar sobre o que teria ou não teria mudado se o Reino Unido de fato tivesse tomado a frente da corrida espacial. Pelo menos o aspecto da segregação racial, nessa realidade do livro, permanece ativa. E perguntamos com algum pesar se o tipo de facilidade que essa supremacia espacial trouxe para os britânicos vale o alto preço social e histórico pago para que ela acontecesse. A mesma pergunta que podemos fazer dos gigantescos sucessos econômicos (Corporações e Estados no centro do sistema) na contemporaneidade.

Ministério do Espaço (Ministry of Space) — EUA, 2001 – 2004
Publicação no Brasil: Devir, 2014
Roteiro: Warren Ellis
Arte: Chris Weston
Cores: Laura Martin
100 páginas

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