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Crítica | Missão: Impossível – O Acerto Final (Com Spoilers)

Um espetáculo quase impossível.

por Felipe Oliveira
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Desde que assumiu a direção da franquia estrelada por Tom Cruise em 2015, Christopher McQuarrie inseriu uma frase que diz muito sobre o personagem que Cruise incorporou por quase três décadas: “Tudo o que você foi, tudo o que você fez, resultou nisto”. A fala funciona quase como uma gag recorrente toda vez que topamos ver Ethan Hunt em mais uma missão impossível, mas também é um lembrete do que tem sido a parceria do astro da cientologia com o cineasta: uma celebração autorreferencial da saga enquanto buscam, a cada filme, superar as características que moldaram a saga. Nesse sentindo, Missão: Impossível saiu do tradicional jogo com Ethan e sua equipe lidando com grandes ameaças para trabalhar em consequências contínuas que abraçam o cerne “de tudo que Ethan tem feito” o qual, toda ação dele fosse responsável pela consequência seguinte, uma escolha inteligente a qual a dupla se recusou a ter uma safra de ação genérica em mãos para fazer um estudo de personagem do brucutu mais humano e apaixonado do mundo da espionagem.

Pensando por essa perspectiva, a frase que sentencia Ethan se torna também um elemento que McQuarrie utiliza para referenciar a franquia, e isso pode ser percebido na primeira hora de O Acerto Final que parece estar recapitulando o capítulo anterior em flashes aleatórios ao mesmo tempo que relembra cenas dos primeiros filmes, não como uma forma de nostalgia por se tratar do — até então — último filme da saga, e sim para lembrar que estamos lidando com as consequências das escolhas de seu protagonista. Ainda assim, parte do longa quer autorreferenciar o que foi feito numa espécie de celebração com um tom de despedida de que essa pode — ou é — ser a missão final que decidirá a trajetória de Ethan e o futuro da humanidade. Se em Efeito Fallout acompanhamos McQuarrie provocar se era possível o grande agente ser um herói quase infalível, agora o cineasta lança o suspense onde veremos Ethan sobreviver mais uma vez. Mas, se até o Baba Yaga soube quando encerrar sua façanha de ação fascinante e acrobacias, por que Ethan Hunt não venceria uma IA genérica que dizimar o mundo? 

Se O Acerto de Contas – Parte 1 era como Guerra Infinita, The Final Reckoning é como Ultimato de M:I: uma homenagem ao que foi feito enquanto pavimenta o capítulo que terá o maior ato de ação feito. McQuarrie está tão à vontade com sua visão para os filmes que isso é refletido no tom do humor. Não é como se a franquia fosse isenta a este artifício, mas a saga encabeçada por Cruise passou a fazer o momento piada entre as cenas sem qualquer vergonha de apelar para um tropo que faz média com público; é caricato, causa vergonha alheia, mas uma cena de tortura entre dois agentes sequestrados pelo vilão vira piada; Ethan usar seus dotes e violência máxima para salvar Grace (Hayley Atwell) é um número clássico dos thrillers de ação, e a longínqua saga de espionagem passar a adotar esse tipo de humor é um exemplo de que não dá para escapar totalmente do que está na média uma vez que M:I partia de outros meios para fazer humor do seu jeito, e McQuarrie tenta manter essa essência ao colocar um leve flerte romântico entre os personagens em momentos de perigo fazendo dessa possibilidade amorosa o que está em jogo, já que a sequência de sequestro não se leva tão a sério. 

Quando não está experimentando o humor cafona e deslocado do que seria o efeito cômico em M:I, O Acerto Final volta para o clima de despedida ao se desfazer de mais um personagem querido e antigo na saga, desta vez, Luther (Ving Rhames). A ação vista por um olhar melodramático — não com os mesmos talentos de John Woo — se faz presente, mas diferente do número de dança, McQuarrie capta a emoção da cena com o característico take de Cruise correndo com cabelos ao vento, na melhor pose do agente Ethan para tentar impedir a morte de seu amigo que previu ao adentrar a câmara da Entidade tal como o apóstolo João recebendo a visão do que aconteceria com a terra. Nesse momento, é quando The Final Reckoning passa a tomar forma, com o protagonista sendo detido pelas autoridades americanas para uma base militar e posto como o único que pode salvar o mundo da Entidade. Usado várias vezes como uma gag ou que seria lido na lápide de Ethan, o mantra sobre tudo o que ele fez serve para relembrar os números de ação arriscados que a franquia entregou por quase três décadas, e se há quase dois anos atrás assistimos Cruise saltar de uma montanha com uma moto, voltamos mais uma vez para vê-lo se pendurar para subir em um monomotor.

Quer queira, quer não, por mais que esse seja o oitavo filme de uma saga a qual a trama está cada vez menos elaborada, voltamos para ela pelo mesmo motivo: a entrega de Cruise de oferecer a adrenalina como entretenimento — e que funciona. Não é uma promessa. O astro anuncia o próximo desafio de sua carreira em construir cenas de ação arriscadas e insanas, e topamos — sem nem ouvirmos “você aceita essa missão?”. Então, chegamos aqui sem a necessidade de embarcarmos numa última análise sobre Ethan, mas o que The Final Reckoning faz é concentrar a sua ação no seu protagonista. Logo, as execuções mais complexas de pancadarias e coreografia é com ele, e a cinematografia de Fraser Taggart é habilidosa ao brincar com ângulos e movimentações de câmera conforme a luta enquanto a edição de Eddie Hamilton divide a cena com a sequência da nova equipe de Ethan lutando para conseguir a localização do submarino.  

Por mais que o uso de flashbacks carregue um pouco de nostalgia, na verdade, é só mais um exemplo de como McQuarrie pega as características da franquia e trata de forma referencial e didática, mas enquanto ele se diverte em prestar acenos, a audiência sofre com a abordagem explicativa e lembretes visuais de cenas que marcaram a franquia, e depois de ter recriado a cena do trem no final de Missão: Impossível em uma escala mais insana, aqui, o cineasta usa as referências para ampliar a mitologia interna do encadeamento de escolhas de Ethan que o levaram até este momento, e além de menções a nomes e conexões com Jim Phelps (Jon Voight), o diretor brinda a sua sacada MCU com Rolf Saxon retornando como o antigo analista da CIA depois da famosa cena de Cruise pendurado para roubar informações do governo. A adição poderia ter um resultado como as idas e vindas de Halloween Kills com personagens antigos, mas o que mais surpreende é que esse retorno inesperado funciona de maneira orgânica, como se William Donloe estivesse sempre pronto para voltar, só esperando o momento oportuno. E mesmo que tal escolha se encaixe com a tendência atual de Hollywood de fazer sequência-legado, a emoção com qual McQuarrie executa essas referências faz, de alguma forma, ter um lugar especial na franquia.

Mesmo a duração em excesso, uma trama arrastada, tom didático e altas doses de flashbacks, não há dúvidas que parceria entre Cruise e McQuarrie só fez abraçar ainda mais o absurdo fascinante que são as cenas de ação, e em O Acerto de Contas Cruise protagoniza duas sequências solo que elevam a experiência de ver esse feito nas telonas e o cientólogo sabe que um entretenimento nesse nível só será visto nessa franquia. A primeira, é a cena submarina com Ethan explorando um cenário prático com direito a labirintos cuidadosamente elaborados e é inevitável pensar que o primeiro número arriscado do personagem foi ele pendurado, com a tensão de um pingo de suor cair e tocar alarmes para agora vermos o resultado de uma sequência aquática a qual o silêncio e aflição da cena só são interrompidos com o som da máscara de oxigênio. A cena pode ser não ser melhor da franquia, mas será das mais memoráveis pelo tanto que o ator se superou para inserir desafios ainda maiores e também por ser o ponto alto do longa, ainda que a segunda se trate dele se pendurando em um monomotor fechando um número mirabolante com o vilão canastrão Gabriel (Esai Morales).

A sacada final desse último capítulo é lembrar de como tudo começou e como tudo termina, e claro, porque sempre embarcamos numa nova missão. A cena de Grace recitando que o plano para salvar a humanidade depende deles conseguirem colocar Ethan em uma câmera de descompressão é o exemplo perfeito da essência da franquia ao possuir um personagem único vivido intensamente por Cruise e o cinema como a realização das ideias mais loucas extraídas da mente do cientólogo e de McQuarrie. Chega um momento que o maior absurdo é acreditarmos na trama cafona do inimigo invisível e que somente Ethan é capaz de deter, mas embora esse seja o elemento mais fraco do roteiro para complexidade que ele quer transmitir, o filme espera pela suspensão de descrença em aceitarmos o exagero, e quando menos esperamos, estamos tensos e vidrados por mais uma tirada inimaginável e momentos tensos e críticos de ver mais uma missão impossível sendo cumprida.

O Acerto Final pode não ser o capítulo mais dinâmico, mas soube sintetizar e encerrar de maneira digna a trajetória de seu protagonista em topar as missões mais insanas e impossíveis. Talvez, seja difícil imaginar Cruise em um papel triunfante que não seja como Ethan encarando outra nova maior missão da sua vida, mas como o próprio título indica, este pode ser uma pausa ou um fim definitivo de uma saga que sobreviveu por 29 anos em crescente qualidade, mas sabemos bem que até o astro cientólogo de Hollywood se aposentar, uma nova ameaça pode surgir.

Missão: Impossível – O Acerto Final (Mission: Impossible – The Final Reckoning – EUA/Reino Unido, 2025)
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Erik Jendresen, Christopher McQuarrie (baseado em criação de Bruce Geller)
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Henry Czerny, Angela Bassett, Esai Morales, Pom Klementieff, Pasha D. Lychnikoff, Holt McCallany, Janet McTeer, Nick Offerman, Hannah Waddingham, Shea Whigham, Greg Tarzan Davis, Charles Parnell, Rolf Saxon, Tommie Earl Jenkins, Katy O’Brian, Mark Gatiss, Tramell Tillman, Lucy Tulugarjuk, Stephen Oyoung
Duração: 170 min.

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