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Crítica | Mister No: Era Uma Vez em Nova York

O passado de Mister No.

por Luiz Santiago
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Este é o segundo épico de origem de personagem que leio da Sergio Bonelli Editore (o primeiro foi Tex: O Nascimento de um Herói) e nas duas ocasiões terminei absolutamente fascinado com a qualidade da obra e com o peso, o significado e a estrutura com que os escritores conceberam suas histórias. Publicada originalmente no segundo volume da Maxi Mister No (1999), Mister No: Era Uma Vez em Nova York é uma grande aventura (em tamanho e qualidade), onde o escritor Maurizio Colombo e o desenhista Giovanni Bruzzo se inspiram em outra obra-prima, o filme Era Uma Vez na América, para nos contar os primeiros passos de Mister No. Em quase 300 páginas de quadrinhos, seguimos alguns anos da infância desse personagem, vendo como ele cresceu cercado por mafiosos e como escapou da morte ou de se tornar um bandido, alguém que provavelmente morreria muito cedo se continuasse no caminho em que estava.

O texto de Maurizio Colombo cria um excelente retrato das comunidades suburbanas de Nova York nos anos 1930. Em relação à datação, estamos em 1936, apesar de Asas, de 1927, ainda estar sendo exibido frequentemente, como filme principal, no cinema do bairro do pequeno Jerry Drake. A mãe do menino não é citada na história, constituindo-se um mistério. O pai dele está lutando na Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), e o menino mora com a tia e o esposo dela, um homem rude e violento, policial que descobrimos depois ser alguém corrupto, e que espanca a esposa e a Jerry também. O princípio de toda essa lembrança do passado vem com um encontro inesperado. Drake, na idade em que a gente o conhece, está com o amigo Harvey Fenner andando pelas ruas de Manhattan, quando algo acontece e coloca o protagonista em contato com alguém de seu passado, desencadeando uma narrativa inesquecível.

Um dos meus grandes medos aqui, quando percebi que o princípio para a memória viria através de um flashback, seria em COMO Maurizio Colombo pretendia relacionar as coisas. Não é de hoje que a gente lida com histórias estragadas por um mau uso de retrospectivas, então um sinal de alerta se acendeu. Todavia, não foi necessário muito tempo para perceber a maneira sólida e muito coesa com que o autor estava montando o quebra-cabeça da vida de Jerry Drake, o que me trouxe uma reflexão sobre esse tipo de exercício. Quando falamos de personagens muito bem estabelecidos, seja nos quadrinhos ou em qualquer outra mídia, temos alguma dificuldade de pensar em como foi a sua infância, que tipo de dificuldade ou que encontros esse personagem teve para que fosse moldado na forma que o conhecemos. No caso de Mister No, eu nunca teria imaginado esse tipo de infância. Como o conheci em histórias ligadas ao Brasil (o arco Amazônia foi o primeiro que li do personagem), não conseguia pensar em como poderia ter sido os primeiros passos dele, em sua terra natal.

O roteiro deste épico consegue equilibrar todos os muitos problemas sociais que encontramos nas periferias de qualquer lugar do mundo, e entrecorta essa característica da vida por cenas de marca moral, ética e também emotiva, trazendo relações pessoais e momentos capazes de nos emocionar intensamente. Os sonhos frustrados de um jovem músico negro, a amizade de Jerry com o mafioso Frankie ou com o lutador Trem; a primeira paixão e os inimigos do bairro, tudo isso em uma instigante construção dramática, alternada com pequenos espaços de reflexão no presente, que nunca cai no sentimentalismo barato e não descaracteriza o personagem. É uma história nos melhores padrões cinematográficos, apresentada pela excelente arte de Giovanni Bruzzo, que consegue representar pessoas e cenários de maneira exemplar, e por uma melancolia que não ultrapassa a linha do aceitável, sem se tornar chata ou repetitiva. Definitivamente, uma das melhores histórias sobre o “passado de um personagem” que eu já li.

Mister No: Era Uma Vez em Nova York (Maxi Mister No #2: C’era una volta a New York) — Itália, julho de 1999
No Brasil:
Editora 85 (2021)
Roteiro: Maurizio Colombo
Arte: Giovanni Bruzzo
Capa: Roberto Diso
292 páginas

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