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Crítica | Ódio Mortal (Mistérios do 87º Distrito #1), de Ed McBain

por Luiz Santiago
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O nascimento da série literária policial Os Mistérios do 87º Distrito (87th Precinct) veio através da grande aposta de um editor após ouvir uma ideia de Evan Hunter (que escreveria sob o pseudônimo de Ed McBain) e fechar com ele um contrato para três livros que relatariam casos envolvendo não um único protagonista, mas todo um grupo de personagens, toda uma instituição e toda uma cidade.

Escrever mistérios envolvendo policiais era, segundo o autor, a escolha perfeita para uma série do gênero, uma vez que todo o processo legal diante de um determinado crime cairia mesmo nas mãos da polícia e, dessa forma, ele não precisava criar situações para colocar detetives particulares ou curiosos notáveis fazendo o trabalho oficial. Vê-se logo que a proposta de Ed McBain estava mais para Maigret do que para Poirot. Escalando todo um distrito policial como centro das atenções, o artista poderia explorar personagens diferentes a cada livro, e mesmo que algum deles se tornasse muito relevante, aparecendo em outras obras da série, o público saberia que esse protagonismo era compartilhado.

Um outro ponto a se destacar na construção dos mistério do 87º DP é a cidade onde ele está localizado. Para evitar comparações que atrapalhariam a escrita dos livros e também indisporia o autor com os policiais da cidade (e vale dizer que ele infernizava esses profissionais para obter informações durante toda a pesquisa para a escrita), foi criada a localidade fictícia de Isola, abertamente inspirada em Nova York. Na série, a cidade é também um personagem importante, servindo para o autor manter certa familiaridade do público em relação àquele espaço geográfico e utilizando-o para construir melhor a atmosfera do crime e até mesmo adendos na construção de alguns personagens.

Em Ódio Mortal (Inimigo Nº1 da Polícia, pela pela Tecnoprint, numa coleção de bolso chamada Edições de Ouro) McBain adota um caráter bastante humano, às vezes cômico e ácido para narrar uma sequência de crimes cometidos contra policiais. A técnica de tratamento para alguns personagens aqui nos lembra o “descarte de protagonista” em Psicose, feito igualmente a partir de uma apresentação sólida e empática do autor para indivíduos que morreriam logo adiante. É um choque, mas ao mesmo tempo torna a história deliciosamente imprevisível, com o leitor sabendo que a qualquer momento um personagem importante pode ser assassinado, e pensando nesse tipo de linha narrativa em 1956, é fácil entender por que a obra chamou tanto a atenção, permitindo a longevidade da série.

Nesse romance inicial, McBain destaca o detetive Stephen Carella e é a partir de sua investigação, juntamente com o detetive Hank Bush que vemos a trama se desenvolver. O título da obra e a forma crua como a primeira parte é escrita coloca todo o distrito em alerta, e em cenas com diferentes personagens vemos olhares particulares para o que está acontecendo. Trata-se de um assassino querendo se vingar de policiais ou outra coisa? Como destaquei no início, o senso de humanização das figuras centrais na trama é o grande destaque do livro, o que permite ao autor inserir os mais diversos comportamentos, dos céticos aos piadistas, mostrando também os principais policiais em sua vida particular, retirando-os do ambiente de trabalho e colocando-os num lugar desconhecido, vulnerável, comum.

Por se tratar de um livro dos anos 50, é claro que existem algumas coisas aqui que envelheceram mal. Por outro lado, certos tratamentos hoje questionáveis que o autor explora refletem um tipo de pessoa daquela década, e isso no livro é tanto um reflexo do tempo do artista quanto de criação de personagens (notem que hoje temos um olhar abertamente condenatório para o racismo, machismo, homofobia, mas não significa que artistas não possam criar personagens que sejam assim. Representar não é sinônimo de apoiar). Ainda na esfera de composição de personagens, os meus momentos favoritos do livro são os de interrogatório, de diálogos entre policiais com civis, sempre marcados pela postura arredia do questionado e pela posição passivo-agressiva do questionador, o que faz dessas cenas algo instigante e quase angustiante de se ler (no bom sentido).

O ditado popular “as aparências enganam” é um que cai como uma luva em Ódio Mortal. Mesmo se tratando de uma história de procedimento policial é possível ver aqui fortes notas de noir e um encerramento que flerta com a ação da femme fatale, pegando o leitor de surpresa e mostrando como a banalidade do mal age no cotidiano de uma grande cidade. Um baita início para uma série que lidaria com a violência urbana a partir do olhar daqueles profissionais que têm contato com essa realidade todos os dias.

Ódio Mortal (Cop Hater) — EUA, 1956
Série:
Os Mistérios do 87º Distrito / 87º DP (87th Precinct) – Livro 1
Autor: Ed McBain
Editora original: Permabooks
236 páginas

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