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Crítica | Resgate de Rei (Mistérios do 87º Distrito #10), de Ed McBain

Uma narrativa instigante.

por Luiz Santiago
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A abertura de Resgate de Rei é a mais diferente que tivemos na série Mistérios do 87º Distrito até este décimo livro. Desde o início da saga, Ed McBain procurou introduzir o crime o mais cedo possível, às vezes nas primeiras 10 páginas do romance, com o intuito de usar todo o tempo restante no desenvolvimento de um procedimento investigativo, levando à resolução do mistério. Aqui, porém, ele toma alguns atalhos. Abrimos com uma reunião entre os acionistas de uma grande empresa de calçados para mulheres. Doug King e alguns de seus colegas estão insatisfeitos com o dono da marca, que apelidam de “retrógrado” por ser uma pessoa que não se preocupa em fazer sapatos bonitos para as mulheres contemporâneas. É um início que nos deixa em dúvida sobre o caminho narrativo que o autor usará e também sobre o crime que ganhará a cena desta vez. Mas antes de descobrirmos, teremos contato com algo aparentemente insignificante.

Foi com um ar de riso que observei a entrada do segundo bloco dramático, quando um cidadão vai ao 87º Distrito Policial para relatar alguns furtos ocorridos em sua loja de materiais eletrônicos. Muito tempo decorre dessa denúncia até que os delitos denunciados façam sentido na linha geral da história. E quando menos esperamos, o crime já está consumado. Uma criança é sequestrada. Os sequestradores acham que estão de posse de Bobby King, o filho do grande figurão da indústria de sapatos. Mas eles se enganaram. A criança sequestrada é Jeff, filho do motorista de King. O menino brincava com seu melhor amigo numa região bastante arborizada próxima à residência da família, em um bairro rico da cidade, quando a tragédia aconteceu. Só nessa conjuntura, temos dois dos grandes problemas emocionais e morais para Steve Carella quando se trata de investigar um crime: ele é extremamente sensível a crianças como vítimas; e não suporta gente rica.

A escrita de Ed McBain está mais refinada aqui, com passagens descritivas que capturam os ambientes de forma detalhada. A cadência de investigação do crime é bem pensada, com um destaque especial para uma contribuição do chefe do laboratório policial, que ajuda a impulsionar o progresso da história, deixando o leitor permanentemente tenso. Não é difícil de imaginar por que a obra chamou a atenção do Mestre Akira Kurosawa, que a adaptou para o cinema em 1963, com o título de Céu e Inferno — uma verdadeira obra-prima, trazendo consideráveis mudanças em relação ao livro, inclusive um final ainda melhor. Os dois cenários principais aqui, a casa de King e a cabana onde Jeff é feito prisioneiro, são explorados a partir do ponto de vista de diferentes personagens e suas ações, dando um bom movimento interno a capítulos que, de outra forma, poderiam ser imensamente cansativos.

Eu não esperava que o autor escolhesse o final que escolheu para o livro. É uma boa quebra de expectativas, daquelas verdadeiramente positivas. Faz falta uma melhor exploração das pequenas partes entre o encerramento da grande problemática e o bloco narrativo que fecha o volume, mas isso é o de menos. Da mesma forma, o início um pouco mais lento não se torna um incômodo tão grande quando visto em perspectiva, após considerarmos a obra como um todo. A tensão explorada pelo autor e a estrutura do drama me lembraram outro ótimo livro da série, Atentado a Carella, com a diferença de que aqui temos um baita dilema moral e a desumanidade de um mega empresário, mais interessado em fazer valer a sua tentativa de boicotar o dono da empresa em que trabalha, e se tornar ele mesmo o presidente, do que salvar a vida de um garoto pobre que foi sequestrado.

Mistérios do 87º Distrito – Livro 10: Resgate de Rei, de Ed McBain (87th Precinct #10: King’s Ransom) — EUA, 1959
Autor: Ed McBain
Edição lida para esta crítica: Orion, 2003
240 páginas (edição digital)

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