Home Diversos Crítica | O Traficante do Vício (Mistérios do 87º Distrito #3), de Ed McBain

Crítica | O Traficante do Vício (Mistérios do 87º Distrito #3), de Ed McBain

por Luiz Santiago
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O primeiro contrato de Ed McBain para a publicação dos Mistérios do 87º Distrito contemplava apenas três livros. Sem ter muita certeza sobre o impacto a curto prazo da terceira obra, o autor resolveu fazer algo absolutamente marcante nesse livro: encerrá-lo com a morte do Detetive Steve Carella, o herói (que o autor não concordava que era o herói) da série. Mesmo que desde o início o leitor saiba que a jornada do 87º é pontuada por destaques a diferentes homens da lei a cada volume e que personagens queridos ou de potencial importância podem morrer a qualquer momento, é difícil imaginar a morte de um personagem tão importante quanto Carella. Mas foi exatamente isso que McBain fez no final original deste O Traficante do Vício (The Pusher).

Foi graças às fervorosas pressões de seu agente e de seu editor que McBain reescreveu o final da obra, mudando a reação de Teddy Carella ao ver o Tenente Peter Byrnes chegar ao hospital, e terminando a aventura em uma nota positiva que combina bem mais com o belo lado clichê do Natal. Apesar de ter começado o livro com uma frase marcante sobre as condições climáticas da cidade, como também fizera em Ódio Mortal e O Homem dos Óculos Escuros (a frase da presente obra foi “Winter was going to be a bitch this year“), a esperança acabou prevalecendo e Carella tornou-se uma notável exceção de destaque nos livros desse Distrito Policial de Isola.

O volume começa numa noite muito gelada de dezembro, quando o cadáver de um jovem porto-riquenho é encontrado por um segurança de rua em um porão úmido. À primeira vista o adolescente se suicidara, mas o Detetive Steve Carella e o Tenente Peter Byrnes encontraram certos fatos singulares no local, e uma autópsia acabou confirmando tais suspeitas: Aníbal Hernandez não se enforcou. A corda que encontraram em seu pescoço era puro teatro. O jovem na verdade foi vítima de uma overdose de heroína. Este é o cenário que vemos se desenvolver em O Traficante do Vício, primeiro com a dúvida dos policiais sobre como conduzir o caso (seringa e corda numa mesma cena do crime parecia “demais” mesmo) e depois com o crime batendo na porta do próprio Tenente Byrnes, que descobre que seu filho também era um viciado.

O trabalho de McBain ao explorar o tráfico de drogas na periferia de uma cidade e a forma como esse tráfico é alimentado pela charmosa burguesia do centro é excelente, refletindo situações que vemos na atualidade em diversos países do mundo. Ao longo dessa investigação, as cenas domésticas ganham espaço e um outro tipo de discussão recebe destaque na trama, algumas vezes tendo um certo problema de continuidade, mas no geral, recebendo uma bem-vinda posição no meio de profissionais que normalmente não são vistos por seu aspecto frágil, pessoal, sentimental, emocional ou familiar. E aqui não me refiro apenas aos problemas do Tenente com o filho, mas sua bela relação com Carella, coroada na cena final do livro. E também vale citar que esta não é a única relação de afeto que alguém tem para com o icônico policial.

Um telefonema anônimo, assassinatos paralelos ao crime principal, uma palavra mal pronunciada que virou apelido de um traficante (Gonzo) e uma camada dramática moral e familiar muito interessante são os caminhos que Ed McBain trilha para mostrar mais esse terrível evento em Isola. Mais um capítulo sobre união de forças dos policiais do 87º Distrito e sobre como a morte e as adversidades podem, num amplo contexto, trazer algo bom para quem fica e para quem consegue abrir os olhos para a realidade em que vive.

Mistérios do 87º Distrito – Livro 3: O Traficante do Vício (The Pusher) — EUA, 1956
Série: Os Mistérios do 87º Distrito / 87º DP (87th Precinct) – Livro 3
No Brasil: Nova Fronteira, 1968
Autor: Ed McBain
Edição lida para esta crítica: Thomas & Mercer (2013)
212 páginas

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