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Crítica | Atentado a Carella (Mistérios do 87º Distrito #8), de Ed McBain

Apresentando: "uma das personagens femininas mais odiosas da literatura policial".

por Luiz Santiago
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Eu sempre procuro trazer o título em português das obras de literatura aqui no Plano Crítico, a não ser em casos muito específicos ou quando o título original é mais conhecido/preferível a algumas traduções. No caso deste Killer’s Wedge, não encontrei nenhuma tradução da obra no Brasil ou em Portugal, então utilizei o título da editora italiana Mondadori para a obra: Atentado a Carella. Existem traduções também interessantes em outros países como Dente por Dente ou A Morte em Seu Colo, mas a versão da Mondadori é mais abrangente e indica o problema central que este livro nos apresenta. Também gostaria de dizer que algumas indexações para a série Mistérios do 87º Distrito colocam esta obra como a sua 8ª entrada, e não como a 7ª. As fontes, porém, são contraditórias. Eu pesquisei várias e, tanto as editoras quanto as  muitas indicações bibliográficas da obra de Ed McBain (Evan Hunter) apontam classificações diferentes. Para resolver o problema, mantive a exata ordem que tenho utilizado desde o início das críticas desta série aqui no site, baseando-me na sequência e na curadoria da editora Thomas & Mercer, o selo de literatura policial/mistério da Amazon Publishing.

Dos títulos dessa série lançados até a presente edição, datada de 1959 (e aqui também encontrei divergências de publicação, que em alguns casos marcam Atentado a Carella como uma obra de 1958), os melhores volumes tinham sido Ódio Mortal e O Traficante do Vício, duas histórias intensas e impiedosas em relação aos crimes e aos problemas policiais apresentados. Mas nenhuma delas se compara à tensão ou mesmo ao terror que nos é colocado no presente livro, que se passa em uma tarde quente de outubro, um dia aparentemente normal para os policiais do 87º. O autor começa descrevendo a sensação de calor, os barulhos, cheiros e impressão geral do Departamento de Polícia, com cenas cômicas e despreocupadas que se passam entre pessoas que trabalham juntas há muito tempo. Cenas que vão desde a já conhecida violência policial (ele cita um soldado socando o estômago de um prisioneiro algemado) à chacota com alguém do grupo se passam nessa interessante e curta introdução. Até que entra pela porta da delegacia uma mulher. Seu nome é Virginia Dodge.

Confesso que há muito tempo não sentia tanta raiva de um personagem em um livro, e não estou contando aqui apenas personagens femininas. Munida de duas armas e de uma garrafa de nitroglicerina, Virginia rende todos os policiais, fazendo com que entreguem suas armas e esperem, com ela, pela chegada de Steve Carella, a quem Virginia quer matar. O fato de Steve ter prendido o companheiro de Virginia, e este ter morrido de tuberculose no hospital da prisão, fez com que ela tomasse essa decisão extrema, culpando Carella pela morte do companheiro. Sua vingança está decidida. Esta apresentação da personagem já desperta o leitor de todo o tédio possível, e o livro será marcado pela grande tensão que esse domínio de Virginia causa nos policiais, o que abre espaço para uma discussão sobre a organicidade e plausibilidade desse tipo de acontecimento que, sinceramente, acho uma discussão à toa.

Primeiro, a invasão. Nós temos um farto material de pesquisa para mostrar ações estúpidas de bandidos tentando furtar, invadir, esvair-se ou cometer algum tipo de crime em delegacias de polícia. Não é algo absurdo e temos vários exemplos ao redor do mundo. Já o pleno domínio dessa mulher sobre os policiais se dá exclusivamente pela presença da nitroglicerina, e não vejo absolutamente nenhum furo nesse contexto. O autor fala diversas vezes dessa questão, indica as estratégias que alguns policiais utilizam para tentar recuperar suas armas ou imobilizar Virginia, mas a nitroglicerina é o problema, porque qualquer mobilização mais intensa poderia levar tudo para os ares, criando um desastre maior do que se esperava. Assim, não vejo nenhum tipo de problema na premissa e nem em sua execução. Até mesmo a construção do autor para a “resposta” dada ao sequestro é funcional: alguém liga para checar uma denúncia, um policial acha que entendeu um código de uma fala, mas conclui que só podia ser brincadeira… esse tipo de coisa.

Como tudo se passa em poucas horas, temos, na verdade, um dia de azar para esses policiais, que estarão diante de um grande medo e de um problema que parece não ter solução fácil. E a ira do leitor só vai aumentando em relação à mulher, que usa de diversos atos de violência ao longo do livro contra pessoas diferentes: o “carinha do café” no Distrito (Alf Miscolo), a porto-riquenha Angelica (presa por cortar a garganta de um homem) e um dos policiais do Distrito. E enquanto essas horas de medo passam, Carella segue, em outro bloco, investigando um caso inicialmente reportado como suicídio, mas que ele não acredita ser suicídio. É neste bloco, inclusive, que temos o uso de algo que justifica literalmente o título original do livro, embora ele também possa ser entendido de maneira simbólica, como um “artefato do assassino“. Quanto ao afastamento, o autor o utilizará, no encerramento da obra, como uma oportunidade de nos fazer rir e relaxar um pouco, depois da grande tensão.

Temos poucos momentos para respirar, e quando eles aparecem, são momentos que apresentam coisas de alguma maneira ligadas ao caso principal. A pior dessas ligações é a do homem que odiava matemática (entendo perfeitamente o ódio desse indivíduo, inclusive) e que era dono de uma editora que, por ironia do destino, imprimia livros de álgebra e geometria. Ele queria imprimir poesias, mas até agora essa oportunidade não tinha chegado. A ligação desse homem com a história é bem frágil e fica solta, apesar de isoladamente ser interessante e quebrar um pouco o lado sério da narrativa. Também vale destacar os dois jovens de fraternidade que McBain escreve com um nível de desgosto e cinismo tão grande, que me faz crer que muito provavelmente são a representação de colegas de faculdade que ele teve. São jovens que hoje chamamos de “macho escroto“. Quando aparecem, eles estão discutindo assediar uma professora (!) e a conversa que têm depois, quando caminham para a área das prostitutas latinas da cidade, só nos faz guardar ainda mais raiva da dupla. O bom é que pelo menos um deles faz a coisa certa e liga para a polícia para falar de “um certo pedido de ajuda encontrado em um papel“, embora isso não dê em nada.

Atentado a Carella é um livro que nos deixa com o coração batendo forte e com a expectativa lá em cima. A gente teme por todo mundo e McBain não tem pena do leitor. Por exemplo, quando “Teddy” (Theodora) entra na delegacia, a gente tem vontade de gritar. É desesperador imaginar que essa mulher grávida, esposa do Detetive-herói da série, está no mesmo lugar que uma mulher psicopata que quer matar esse mesmo Detetive-herói. Haja coração! Certamente um dos mais tensos romances policiais que eu já li, capaz de segurar do começo ao fim o olhar amedrontado do leitor e não dar a ele muitos momentos de paz até a última página.

Atentado a Carella (Killer’s Wedge) — EUA, 1959
Edição lida para esta crítica:
Thomas & Mercer (2011)
Série:
Os Mistérios do 87º Distrito / 87º DP (87th Precinct) – Livro 8
Autor: Ed McBain
256 páginas

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