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Crítica | Moby Dick (Quadrinhos, 2013)

Tio Patinhas como Capitão Ahab nesta divertida tradução do romance de Melville em quadrinhos.

por Leonardo Campos
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Traduzir Moby Dick, de Herman Melville, para outros suportes é uma tarefa hercúlea. Ao longo de suas volumosas páginas, o romance versa, de forma descontinuada, sobre a caçada do Capitão Ahab, um homem tomado pela fúria e desejo vingança, focado na aniquilação do cetáceo que, no passado, arrancou a sua perna. Com uma escrita que mescla elementos da epopeia, do trágico, da crônica, do diário, dentre outros, o romance que traz no título o nome da baleia perseguida durante a jornada dos personagens é uma personificação do que a crítica designaria como moderno após algumas décadas de sua publicação, em 1851: a expressão por meio de fragmentações, diálogos, digressões e colagens. Tão revolucionária é a dinâmica narrativa do romance que na época de sua publicação, os leitores e críticos torceram o nariz para a composição de Melville, considerando-a não interessante para ser contemplada. Assim, nesta épica história de rejeição, Moby Dick só ganhou visibilidade no século seguinte.

E, diante da sua nomeação como clássico absoluto da literatura estadunidense, o romance ganhou numerosas traduções para suportes diversos: cinema, televisão, música, cordel, teatro e, como “não podia deixar de ser”, histórias em quadrinhos, sendo esta versão da Disney uma das mais vigorosas em termos de criatividade, apesar do visual carregado para o meu gosto particular, realidade que, no entanto, não depõe contra o desenvolvimento dos personagens realizado pelo italiano Francesco Artibani, roteirista responsável pelos diálogos e direcionamentos da ação, desenhados com muita competência por Paolo Mottura. Organizada no Brasil pelo Studio 313, a publicação lançada em 2020 é dividida em duas partes, com letras de Priscila Afonso e tradução/edição de Marcello Alencar, membros de uma cuidadosa equipe de produção.

Na HQ, somos colocados diante do caudaloso mar de Moby Dick: Tio Patinhas, como o Capitão Ahab, deseja incansavelmente destruir a baleia que ceifou a sua vontade de viver tranquilo e plenamente. Narrada por Ishmael, que neste caso, é o Pato Donald, a publicação revela logo em suas primeiras páginas que a baleia banco (ótima sacada) roubou a sorte do capitão raivoso e, em busca da sua moeda, ele levará também toda uma tripulação com objetivos e estilos diversos. Professor Pardal desempenha o primeiro imediato Starbuck, os três jovens patinhos deste universo formam o personagem Queequeg, Peninha como o segundo imediato Stump, numa história que ainda traz os Irmãos Metralha como arpoadores do Pikuod, o navio baleeiro capitaneado por Quackhab, nome adaptado para Tio Patinhas por aqui. Juntos, eles enfrentarão a ira da baleia, a loucura do capitão, bem como tempestades, corvos piratas e uma lula gigante.

Ademais, Moby Dick ainda traz um posfácio com os autores a comentar o processo de produção, delineando as peculiaridades da jornada de 100 páginas de muita emoção, traços fortes, tomada por muita leveza e ironia, com seu visual bastante carregado, mas peculiar e diferencial em relação aos demais exemplares do segmento HQ que traduziram o romance para o suporte visual. Outra característica marcante é o formato maior, com presença de splash pages, recurso que favorece grandes planos, ideais para uma aventura que envolve o mar, navios baleeiros e uma baleia cachalote de proporções gigantescas. Com referências ao clássico Pinóquio e retardamento do aparecimento da baleia, geralmente em cena por meio de sombras e sopros na água, esta tradução em quadrinhos nos demonstra o quão complexo pode ser um trabalho de adaptação, principalmente quando os autores se preocupam em levar as complexidades do ponto de partida literário para um conteúdo mais massificado, isto é, simplificador de processos.

Com isso, não quero dizer aqui que Moby Dick é um manancial filosófico dos quadrinhos, no entanto, destaco que algumas particularidades do livro estão muito bem dispostas no material visual. Tio Patinhas, criado por Carl Barks em 1947, também presente em outros clássicos da literatura nas adaptações em HQ, representa bem um personagem tão obstinado quanto Ahab. Muito se fala sobre o romance de Melville ser complexo, filosófico, o que de fato é a pura verdade. Há, no entanto, uma série de circunstâncias narrativas que o transformou num manancial para extração de potenciais aventuras em outros suportes. O encontro com a lula, os tufões com efeitos pirotécnicos e a própria visão da baleia de enormes proporções funcionam como provas cabais disso. O mundial ziguezague do baleeiro pelos diversos mares e oceanos do nosso globo também proporcionam este tom aventureiro, presente nesta HQ que não deixa de privilegiar reflexões, mesmo diante da tentativa de estabelecer o mais puro entretenimento.

Moby Dick (Itália, junho de 2013)
Código da História: I TL 3003-1P
Publicação original: Topolino (libretto) 3003 e 3004
No Brasil: Tio Patinhas #580 (2013) / Disney de Luxo 7 – Disney Cinema (2015) / Graphic Disney #3 – Moby Dick (2020)
Roteiro: Francesco Artibani
Arte: Paolo Mottura
Capas originais: Paolo Mottura
100 páginas

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