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Crítica | Mogli: Entre Dois Mundos

por Gabriel Carvalho
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“Eu acho que todos nós podemos concordar, Mogli, que você é uma coisa que a selva nunca viu antes.”

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Mogli: Entre Dois Mundos, quando comparado com outros projetos cinematográficos parecidos, identifica-se como uma versão menos higiênica da clássica literatura de Rudyard Kipling, autor de O Livro da Selva. Já Mogli: O Menino Lobo, refilmagem da icônica animação homônima de 1967, dado o transporte dos escritos originais para a própria estética do Walt Disney Animation Studios, possui uma suavidade e uma graça particular, características que não são necessariamente deméritos, muito pelo contrário, componentes da ótica de mundo proporcionada pela empresa. O lançamento de dois longas-metragens com conteúdo tão similares, em um pequeno espaço de tempo, é certamente questionável, porém, enquanto um filme ansiou uma reinterpretação da obra animada, o outro, distribuído pela Netflix e dirigido por Andy Serkis, traça uma interpretação do texto original, sem encontrar, no meio do caminho percorrido, o tratamento sessentista do estúdio de animação. A narrativa é interessantemente transformada, muito mais sóbria, o intérprete de Mogli, jovem Rohan Chand, é imensamente superior e melhor dirigido, contudo, como o filme consegue também justificar-se como uma conquista em termos tecnológicos, diante do orçamento monstruoso e da grandiosidade técnica presentes na ótima e premiada adaptação anterior?

O cineasta Andy Serkis, insistindo nesse projeto particular por anos, é conhecido como um dos gênios por trás da arte da captura de movimentos, desempenhando papéis significativos em Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel – e suas continuações -, interpretando Gollum, além de em Planeta dos Macacos: A Origem – e suas continuações – interpretando o macaco César. O urso divertidíssimo e extremamente simpático da animação e da sua refilmagem, Baloo, agora agressivo e ríspido, é encarnado por Serkis, já embasando, com essa ótima performance, a sua proposta pela sobriedade, por uma reconfiguração menos passiva dos animais em relação a selva. Os próprios moradores do vilarejo são mais importantes. Uma das grandes mudanças, acerca dessa vertente anti-higiênica do longa-metragem, começa pelo rústico visual do urso, parcialmente desfigurado, com o beiço caído, algumas cicatrizes e os olhos que não se alinham. Os animais aparentam ter passado por várias desventuras, coisa que acontece, por exemplo, com Baloo e Bagheera (Christian Bale), em um confronto contra vários macacos – o sangue cobre, depois, os seus pelos. Os animais perfeccionais de antes são substituídos por criaturas mais realistas nesse viés detalhista, singulares porque são imperfeitas. O sentimento é substituído pelo impacto.

A união seria melhor. Os animais acabam por não serem reproduções que almejam o verdadeiro, aceitando uma visão própria sobre a selva, ou seja, originando criaturas quase míticas – especialmente Shere Khan (Benedict Cumberbatch), que recebe uma pelagem um pouco artística, como se fosse desenhada. Uma selvagem mitologia que sofre, portanto, uma reconfiguração visual, distanciando-se da realidade de uma certa maneira gráfica, ao mesmo tempo que se aproxima dela em termos de crueldade, em termos de violência e brutalidade. O contraste é extremamente válido, porque, paralelamente, os animais possuem uma humanidade em suas animações, remetendo a rostos de pessoas – como é o caso de Akeela, que associei rapidamente a Tommy Lee Jones e nunca mais consegui enxergar da maneira correta, apesar do personagem ser interpretado por Peter Mullan. A proposição, no entanto, não está nem um pouco alinhada com uma execução impecável, pois a sensação passada é de uma animação que não passou por um polimento. Os olhos são, sem sombra de dúvidas, o maior dos problemas da computação, uma enorme infelicidade que complica a experiência – os do antagonista são, em algumas ocasiões, verdes, e em outras, azuis. Os animais tornam-se, em resposta a isso, demasiadamente artificiais.

A necessidade pelo sentimento continua. O choque não resiste por si só. A sobriedade, igualmente aplicada ao enredo, com passagens assustadoras e impactantes, devido um comparativo – a animação – muito mais gracioso, é contornada, curiosamente, por uma cinematografia mais vistosa, com cores vivas, que, por um ponto de vista, consegue arrancar composições visuais interessantes, mas por outro, apenas enaltece as complicações gráficas. Um menino em meio aos animais, ou seja, uma história já contada inúmeras vezes. O homem, mesmo sendo animal, pode ser realmente um animal, o que quer que isso signifique, de maneira positiva ou negativa? Os meandros da narrativa diferem-se bastante dos conhecidos, aproximando-se mais da versão original, uma característica que aufere, em consequência, um senso de ineditismo, mas o roteiro, apesar de puxar uma carga dramática mais intensa, não é conciliado discursivamente, mesmo com a existência de um eixo sobre aceitação da humanidade, compreensão da humanidade, competente como argumento. O ritmo, porém, é problemático, a direção um pouco aleatória e a duração, apesar de que o longa, teoricamente, precisaria de mais tempo para funcionar melhor, soa estafante. A diversão é substituída por uma reflexão superficial. O impacto pelo impacto.

Mogli – Entre Dois Mundos (Mowgli) – EUA, 2018
Direção: Andy Serkis
Roteiro: Callie Kloves
Elenco: Rohan Chand, Andy Serkis, Benedict Cumberbatch, Christian Bale, Cate Blanchett, Naomie Harris, Eddie Marsan, Tom Hollander
Duração: 104 min.

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