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Crítica | Mogli: O Menino Lobo (1967)

por Gabriel Carvalho
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“Eu uso o necessário. Somente o necessário. O extraordinário é demais.”

Contém spoilers.

Mogli: O Menino Lobo é uma das mais adoradas obras da Disney. Os personagens são carismáticos, as músicas inesquecíveis e a história leve, preparada para uma digestão sem qualquer desconforto. As animações do estúdio são conhecidas por atingirem especialmente públicos infantis, mas não são menos sensacionais por isso. As obras atravessam décadas, trazem, em inúmeras vezes, um requinte estético impressionante, como é o caso de Pinóquio e Fantasia, e abordam as histórias, majoritariamente adaptações de livros, de uma maneira completamente especial, mágica. Curiosamente, a produção deste longa-metragem de 1967 está longe de ser uma das mais fáceis. O colaborador a longo prazo dos estúdios, Bill Peet, estava tendo diferenças criativas enormes com Walt Disney, o que acabaria resultando em sua saída dele da produção da animação baseada no livro homônimo de Rudyard Kipling. Os efeitos dessa troca são claros: Mogli, o Menino Lobo é uma obra extremamente leve, mesmo que conte com seu lado sentimentalista. O anseio de Disney por essa abordagem, distante de um tratamento mais “sombrio”, não é algo a ser criticado friamente – a proposta permanece válida, mesmo que indistinta -, mas, no final das contas, o tiro acabou, de certa forma, saindo pela culatra. Contudo, não se enganem. Não é por qualquer razão que Mogli é uma animação tão amada, que ainda rendeu um remake de bastante sucesso, lançado em 2016.

Em primeiro plano, a história do menino Mogli (Bruce Reitherman), um garoto adotado por lobos após ser encontrado sozinho, enquanto ainda era bebê, por Baguera (Sebastian Cabot), uma pantera, precisava de um investimento emocional maior. Essa ligação do espectador com a obra não vem, necessariamente, de tragédias, catástrofes totais, as quais poderiam ser retiradas da obra com o intuito de amenizar o seu impacto, mas da verdade existente naquelas conexões. Sem querer comparar o filme com o livro original, completamente desimportante aqui, os potenciais dramáticos permanecem presentes e nota-se, portanto, o desinteresse dos realizadores da obra em explorá-los, o que mais subtrai do filme do que contribui para ele. Mogli era feliz no meio dos lobos; não que isso seja mostrado claramente; e, de repente, tem que deixar sua família, aqueles que o criaram, para passar por uma jornada, ao lado de Baguera, rumo à vila dos homens – lugar a que ele, presumidamente, pertence. O perigo que nasce da presença de Shere Khan (George Sanders), tigre com ódio mortal de humanos – suas armas e seu fogo – existe. A jornada é uma invariável. O destino, no entanto, é extremamente conformista e pior, mal construído. A ideia não é de amadurecimento, mas de um pertencimento arbitrário, quando, na verdade, a selva é o lar de Mogli; algo insistido o tempo todo no filme e, abruptamente, de uma maneira vergonhosa, eliminado.

Todavia, Mogli: O Menino Lobo é encantador e isso pouco tem a ver com o protagonista de fato, pouco interessante individualmente, mas com os personagens que ele encontra em sua trajetória. Se a pantera Baguera é deixada um pouco de lado pelo roteiro, nem ao menos reaparecendo durante a batalha final, o que seria parte da caracterização do personagem, que, aparentemente, se importa por Mogli, o urso Balu (Phil Harris) é de um carisma peculiar. O trabalho de voz de Phil Harris é muito bom, deixando Balu portar-se como um ser extremamente simpático, ainda mais pelo fato de que o personagem, por um momento, simplesmente assume um papel de pai para o garoto. A relação de Mogli com o urso é extremamente orgânica, surgindo naturalmente após sua aparição, ainda mais pelo contraponto que é a presença de Balu se relacionada com a de Baguera. O urso quer cantar, dançar, comer e se divertir, preocupando-se apenas com as necessidades básicas – somente o necessário. “The Bare Necessities” começa a ser ouvida e define o personagem: alguém livre de problemas. A pantera, por outro lado, quer levar o garoto para um lugar desconhecido. Nesse meio tempo, infelizmente, Baguera e o carinho que ele nutria pelo garoto, em um primeiro momento, somem da animação. Na hora do sacrifício final, é justamente Balu que recebe as doses de sentimentalismo do filme; as únicas tentativas do filme em nos atrelar emocionalmente aos personagens.

Mas Baguera não é um coadjuvante esquecível, muito pelo contrário. Sebastian Cabot empresta a sua voz e molda uma figura relacionável, que demonstra ser extremamente confiável. Já fora o trio, inúmeros outros personagens aparecem e reaparecem em cena, dando ao longa-metragem uma estruturação deveras episódica, embora exista o fio condutor. O envolvimento do espectador acaba por ser fabricado destas breves interações, em especial com a apresentação do núcleo de macacos e seu líder, o Rei Louie (Louie Prima). A icônica apresentação musical de “I Wanna Be Like You” não apenas nos faz dançar compulsivamente e falar palavras aleatórias – parte de uma trilha sonora certeira, pois também se é apresentado o fogo como objeto de interesse deste universo. Os urubus, inspirados na banda britânica The Beatles, são mais um exemplo de figuras que marcam presença e são bem aproveitadas como alívios cômicos. Em uma outra instância, o que acontece com Baguera também pode ser trazido para o lado de Share Khan, impulsionado como vilão por causa de Sanders, visto que o roteiro não procura o estudar, muito menos a direção nos amedrontar – sua apresentação, apenas pelo final do filme, é abrupta, sem a criação de qualquer suspense. A performance vocal celebra, entretanto, uma imponência, que contrasta muito bem com as demais na canção “That’s What Friends Are For”, interpretada majoritariamente pelos urubus; no momento, os personagens falavam de amizade para Mogli.

Com uma coleção de animais no elenco do filme, seja urubus, cobras e até mesmo elefantes, os animadores são bem sucedidos, mas não impecáveis, na movimentação dos personagens, embora, pelo baixo orçamento, repitam criações passadas – como era de costume. Os olhos psicodélicos de Kaa (Sterling Holloway), destacando algo, são impressionantes. Ademais, além do trabalho de voz, corretamente insistente na prolongação do chiado, os animadores criam um imaginativo corpo para o personagem, parecendo flutuar no cenário. As interações dele com Mogli são muito fluidas, como, por exemplo, na cena em que o garoto é abduzido e desce “escadas” formadas pela própria cobra. Uma condução bem resolvida também existe na sequência em que o garoto continua a cantar “The Bare Necessities”, mas na barriga de Balu. Mogli termina não sendo o canto de cisne de Walt Disney, que faleceria em 1966. Ao longo de sua vida, porém, Disney já havia “cantado” muito, produzindo algumas das mais impressionantes obras de animação de todos os tempos – mas essa fita é, mesmo assim, uma interessante conclusão para a sua carreira, que focara na leveza derradeiramente e, consequentemente, nos conquistou com uma espirituosa celebração mais descompromissada da amizade, cheia de música e personalidade. Baguera e Balu, enfim, caminham em direção ao horizonte, cantando, juntos, sobre o que se é necessário para viver em paz. Somente o necessário, porque o extraordinário é demais.

Mogli: O Menino Lobo (The Jungle Book) – EUA, 1967
Direção: 
Wolfgang Reitherman
Roteiro: Larry Clemmons, Ralph Wright, Ken Anderson, Vence Gerry, Rudyard Kipling
Elenco (Vozes Originais): Phil Harris, Sebastian Cabot, Bruce Reitherman, George Sanders, Sterling Holloway, Louis Prima, J Pat O’Malley, Verna Felton
Duração: 78 min.

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