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Crítica | Monangambé e Os Príncipes Negros de Saint Germain des Prés

por Luiz Santiago
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A cineasta Sarah Maldoror foi uma das realizadoras pioneiras do cinema no continente africano. Sua filmografia é amplamente marcada por temas políticos, e já neste seu primeiro filme, Monangambé, com um recorte para a Guerra de Independência de Angola (1961 – 1974) vemos o quanto a diretora se interessava por questões que colocavam o indivíduo e suas emoções no centro desses problemas históricos. A obra é baseada no conto O Fato Completo de Lucas Matesso, do escritor José Luandino Vieira e nos conta os bastidores e a motivação da visita de uma mulher ao seu marido, na prisão.

Infelizmente, mesmo sob restauração, a obra tem uma série de problemas técnicos no áudio e na imagem (com um leve desfocado no lado direito), mas é perfeitamente possível acompanhar como a diretora marca, de imediato, uma atmosfera de medo, de vigilância, de impaciência, que vemos se refletir de modo racista na conversa entre o carcereiro e o diretor da prisão.

Este é o momento em que as muitas intenções dramáticas do filme são alinhadas. A tortura dos prisioneiros políticos e a ignorância dos colonizadores frente à língua e cultura locais (sob o olhar simbólico e infame de Salazar, que a diretora faz questão de enquadrar em dado momento) nos traz um exemplo tragicômico. Quando a esposa diz ao homem que lhe enviará um “fato completo“, os colonizadores acham que haverá alguma mensagem da resistência escondida no terno, mas na verdade a mulher estava se referindo a uma iguaria culinária, e é em decorrência da incompreensão desse termo que se fecha a linha de relações de poder que o curta exibe.

Ao que consta, o título do filme vem do grito “Monangambee!“, que significa “morte branca“, e fontes apontam para o fato de que referia-se a uma sinalização dos ativistas pró-independência quando da chegada da polícia colonial, e num sentido mais amplo, dava conta dos abusos muitas vezes fatais cometidos pelos colonizadores, principalmente durante a guerra. Um filme sobre prisões políticas, dominação pela força e horrores cometidos pelas metrópoles europeias (aqui é a portuguesa, mas o padrão é o mesmo para as outras) em seus territórios coloniais.

Monangambé (Angola, 1968)
Direção: Sarah Maldoror
Roteiro: Sarah Maldoror, Serge Michel, Mário Pinto de Andrade, Luandino Vieira
Elenco: Carlos Pestana, Noureddine Dreis, Mohamed Zinet, Athmane Sabi, Elisa Pestana
Duração: 16 min.

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Os Príncipes Negros de Saint Germain des Prés

A finíssima ironia de Os Príncipes Negros de Saint Germain des Prés é algo difícil de esquecer. Curta senegalês filmado na França, o primeiro de Ben Diogaye Beye, a obra acompanha alguns jovens negros, de diversas nações africanas, que vivem na França, aproveitando-se de algo que o diretor usa como elemento de discussão no filme. Essa escolha do roteiro alimenta de forma muito inteligente a sátira proposta pelo diretor, que por ter estudado em Paris, presenciou diversas situações como as que explorou aqui.

No início, ele nos convida a observar os pedestres. Um homem que serve de “grande guia temático” caminha pela cidade e nós o seguimos, vendo dele apenas planos de algumas partes do corpo (em mais avançada narrativa, a câmera começa a mostrá-lo por inteiro, até que enfim conseguimos ver o seu rosto) e de um guarda-chuva colorido que este homem porta ao caminhar pela cidade. Homens negros e bem vestidos transitam pelo lugar e uma mulher negra americana também passa, protagonizando um daqueles momentos de “desconexão cultural” que nos deixa tristes, mas escancara o processo colonizador pelo qual passou a sociedade desses indivíduos.

O ponto central da obra, todavia, é a sátira de cunho antropológico e também moral, onde os homens negros e desempregados da cidade inventam histórias sobre uma linhagem nobre em um “idílico e exótico lugar africano, onde é primavera o ano inteiro” para obterem favores sexuais e financeiros de mulheres que os objetificam — note, porém, que a objetificação que cito é a identificação do ato, como o abordamos na atualidade. Não há uma posição de tratamento negativa dessas mulheres para com os homens negros que desejam neste filme.

O jogo de “Ter, Poder e Ser” é muito bem construído pelo diretor, que deixa claro o prazer que ambos os lados estão tirando dessa relação, mas não esconde o problema real que está por trás disso, vide a frase que encerra o filme: “quinze anos após as independências… os mesmos fantasmas“.

Por mais que sejam beneficiados e inclusive encorajem esse comportamento, os homens negros do filme deixam passar o fato de que estão sendo usados, trocados por uma espécie moderna de escambo. O reforço disso vem no próprio enredo, que mostra que não existe uma relação verdadeira entre os casais. A possibilidade de algo assim acontecer foi impedida por uma questão linguística (francês X inglês), o que faz deste curta uma obra sobre prazeres consentidos que encobrem uma relação histórica e social (e também cultural, moral e ideológica) fazendo mal às duas partes, apesar de parecer o contrário.

Les Princes Noirs de Saint-Germain des Prés (Senegal, 1975)
Direção: Ben Diogaye Beye
Roteiro: Ben Diogaye Beye
Elenco: Amelia Crawford, Wasis Diop, Muriel Douaz, Moussa Sarr
Duração: 15 min.

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