As adaptações de obras da Rainha do Crime feitas em quadrinhos pela Emmanuel Proust Éditions possuem níveis diferentes de qualidade e abordagem, mesmo tendo basicamente a mesma equipe criativa em toda a série. Podemos ir da terrível versão de Assassinato no Campo de Golfe, passar pela “apenas boa” versão de Assassinato no Expresso do Oriente e chegar a esta presente adaptação de Morte no Nilo, onde o roteirista François Rivière consegue capturar muitíssimo bem a atmosfera de medo, perseguição e intrigas que se vê a bordo do vapor Karnak, programado para passear 373Km pelo Rio Nilo, num trajeto que vai de Shellal, no Egito, até Wadi Halfa, no Sudão.
O livro tem um início bastante movimentado em termos de apresentação de personagens, cada um colocado em seu contexto social, mostrado com algumas particularidades pessoais (medos, vontades e capacidades), para depois serem mostrados em pleno Egito: o mesmo cenário em que Linnet Doyle (nascida Ridgeway) e seu esposo Simon escolheram para passar a lua-de-mel. Nesta versão em quadrinhos, o autor faz tal inserção inicial de forma simples, mas notadamente eficiente. Ele opta por marcar primeiro a paixão de Jacqueline De Bellefort por Simon e também o que acontece depois, quando é traída por seu noivo com a sua melhor amiga. Nas cinco primeiras páginas todos esses conflitos são apresentados e a maioria dos futuros passageiros do Karnak são mostrados com algum tipo de fala, indicando algo de sua personalidade.
Assim como na versão literária, a obra vai ficando cada vez mais interessante à medida que avançamos, e essa adaptação faz ótimas escolhas para marcar o trajeto do barco, com o fortalecimento das brigas entre os personagens e o início dos tiros, ferimentos, roubos, desaparecimento de objetos e assassinatos. É claro que existem modificações em relação ao original — isso é perfeitamente normal, aceitável e esperado que aconteça –, mas elas não descaracterizam a essência do livro. Mesmo quando o roteiro avança de maneira muito rápida em algumas cenas ou deixa de fazer contextos que seriam importantes para um determinado ponto do enredo, o autor acaba encontrando uma saída interessante com algum diálogo ou alguma cena que traz de novo o texto para os trilhos.
É uma pena que a diagramação e o letramento do quadrinho não consigam igual resultado (e em relação à arte, só posso dizer que gosto, assim como da aplicação de cores). O estilo de balões utilizados aqui me irritou bastante, bem como a mania do desenhista Solidor de abusar das cenas em plano geral enquadradas de forma minúscula, com personagens fora de cena levando adiante um momento notável de diálogo. É algo bastante impessoal e afasta o leitor de um maior engajamento com o que está sendo conversado. Apesar de haver uma grande variedade de tamanhos de quadros para narrar a história, o artista não arrisca muito com bons planos grandes para destacar algo importante para a trama. A quase exceção para isso está na excursão dos passageiros aos templos de Abul-Simbel, mas o ângulo escolhido por ele e o uso quase displicente que faz desse importante espaço e momento são motivos para lamentar.
Nesta adaptação de Morte no Nilo vemos tudo aquilo de importante que o livro nos traz e percebemos uma inteligente manipulação das emoções dos leitores em cada uma das grandes revelações, especialmente no final. O peso dramático, a crueldade e o toque trágico desse derradeiro momento podem ser aproveitados com toda a sua pompa. Uma versão que, mesmo tendo certas falhas irritantes no componente visual e narrativo, consegue um resultado aplaudível na maioria de suas escolhas.
Assassinato no Expresso do Oriente (Mort Sur le Nil) — França, 2003
Agatha Christie Graphic Novels Series
Editora original: Emmanuel Proust Éditions (2003)
Roteiro: François Rivière (baseado na obra de Agatha Christie)
Arte: Solidor
Cores: Cécile Vergult
48 páginas
